Reforma política: por que não acontece no país? Por Claudio Guedes
Tema sempre presente nos momentos de crise das instituições da República, ocupa noticiários e os bastidores das casas legislativas nesses momentos de agitação, mas nunca acontece de fato. Por quê?
Primeiro é preciso responder o que significa uma reforma política? Nossa Constituição, aprovada em 1988, estabelece, no Artigo 1°, Parágrafo Único, que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos. Logo, uma reforma política que venha a acrescentar, que venha a contribuir com o país, deveria ter no seu centro a valorização do poder popular e o aprimoramento na forma de escolha dos representantes do povo – os que exercerão o poder em seu nome.
Este é o desafio. Mas este é também o maior problema. Por quê? Porque uma grande parte dos partidos e dos políticos em atuação não têm interesse algum na valorização do poder popular. A política no país só é uma atividade nobre para uma pequena parcela dos atores envolvidos no jogo. A maior parte enxerga a atividade política como um instrumento de conquista do poder para domínio dos aparelhos de estado e desta forma exercer o mando, o nepotismo e a defesa dos interesses particulares de grupos familiares e/ou econômicos.
Claro que isso não significa que estamos fadados à imobilidade e à estagnação, mesmo porque não apenas de políticos e seus representantes depende o país. Temos uma sociedade vibrante, em parte esclarecida, com instituições civis de forte representatividade e algumas muito atuantes. Mas, importa reconhecer, a resistência da chamada “classe política” a qualquer reforma é um obstáculo difícil de ser vencido.
Maior prova deste fato é a própria situação política atual. Um governo sem legitimidade, contestado por mais de 90% da população, mas que se arrasta e mantém o poder pelo apoio que recebe da maioria dos representantes do povo. Contraditório? Certamente. Mas fato que expõe duramente o divórcio existente no país entre o poder popular e a sua representação parlamentar.
Vivemos uma crise política sem precedentes, uma vez que o sistema de escolha/financiamento de eleições/manutenção das alianças partidárias para governar foi exposto, nos últimos anos, de forma dramática à sociedade brasileira.
Por motivos vários: o melhor funcionamento da justiça, a luta desenfreada pelo poder e a manipulação ideológica da mídia expuseram os intestinos do sistema político brasileiro e a sociedade viu o que sabia que existia, mas que não queria enxergar.
E agora? O sistema político está condenado, mas permanece operando – mal, é verdade – porque isso interessa aos que, momentaneamente, estão conduzindo o país. Por outro lado, a sociedade demonstra descontentamento crescente e a exaustão parece próxima, com o fosso entre sociedade e representação política se alargando.
As reformas aprovadas nos últimos dias, muito tímidas, tocam apenas na borda do problema. O fim das coligações nas eleições proporcionais, a cláusula de barreira progressiva aos partidos, o impedimento de doações eleitorais de pessoas jurídicas, respondem a alguns problemas, mas são insuficientes.
Esperar iniciativa quanto a uma ampla reforma política do atual Congresso Nacional e do atual governo é perda de tempo. O governo Michel Temer corre contra o tempo para que seus integrantes principais não se vejam nos tribunais ou na cadeia. O maioria do atual Congresso luta também pela autopreservação.
O alento virá da sociedade civil ou de partidos que ainda tenham algum compromisso com o poder popular ou não acontecerá.
O país precisa discutir novas ideias, que transformem o sistema eleitoral e que mudem o sistema de funcionamento dos governos eleitos. Ideias que possam ser debatidas amplamente, tais como:
a) a possibilidade de candidaturas avulsas para as casas legislativas (com pré-requisitos que impeçam a manipulação do processo, tais como a obrigação que candidatos ligados aos meios de comunicação de massa se afastem destes meses ( de 6 a 9) antes da data das eleições e a indicação prévia dos candidatos extra-partidários por pelo menos mil/dez mil eleitores);
b) a mudança no sistema proporcional de eleição com a possiblidade de que metade dos candidatos possa ser eleita com base em listas partidárias e a outra metade diretamente pelos eleitores (os eleitores teriam dois votos: um no candidato de sua preferência, outro no partido);
c) a introdução do sistema distrital misto (inicialmente nas eleições para as câmaras de vereadores e, num segundo momento, para as assembléias legislativas estaduais – vejo uma dificuldade enorme para um sistema distrital misto nas eleições nacionais, pois a união é extremamente desigual em termos de população alocada e realidade socioeconômica dos estados federados, o que praticamente impede o corte de distritos que, em tese, deveriam manter certa homogeneidade);
d) a extinção de remuneração pecuniária dos vereadores e a diminuição drástica dos cargos de assessoramento nas casas legislativas municipais, estaduais e federal;
e) a reforma do sistema presidencialista, pela mitigação dos poderes do presidente, que poderia dividir o poder com um chefe de governo eleito pelo Congresso (ao presidente caberia a indicação & comando das tarefas/áreas dos ministérios das Relações Exteriores, da Defesa, da Integração Nacional e da Justiça, e ao chefe de Governo, eleito pelo Congresso, a indicação e o comando das tarefas/áreas dos demais ministérios).
São apenas alguns tópicos, polêmicos certamente, que podem contribuir para o rejuvenescimento do sistema político nacional. A única certeza que temos é que ou esse arejamento começa a ser discutido pela sociedade ou a deterioração do sistema representativo entre nós evoluirá de forma progressiva.
Cláudio Guedes é professor e empresário.