República de Canudos. Por Jorge Alfredo
Em 1988, eu recebi um convite de Leila Marques para trabalhar na SEDES. Era o Governo de Waldir Pires e o secretário de desenvolvimento social era Sérgio Santana, cujo irmão Marcelo coordenava o projeto. Nesse trabalho eu fiz várias viagens para o semi-árido baiano com a missão de registrar as manifestações artísticas e culturais da região. Essa viagens, que fiz em companhia de Joel de Almeida pelo sertão de Canudos, aprendendo/fazendo numa filmadora VHS, despertou em mim uma nova e surpreendente visão de como eu podia trabalhar com cultura e com o audiovisual. Juazeiro, Uauá, Monte Santo, Queimadas, Curaçá, Euclides da Cunha, Itiúba, Senhor do Bonfim, Cansanção e Chorrochó, foram muitos municípios visitados.
E a gente não ficava restrito às sedes dos municípios; e ao mesmo tempo que adentrávamos os caminhos estreitos das estradas vicinais, nosso interesse por aquela área ia aumentando cada vez mais. Desenvolvendo um trabalho de pesquisa sócio cultural para a SEDES no Projeto Reconstrução das Comunidades Sertanejas tivemos a oportunidade de visitar povoados, vilas e fazendas, implantando Centros Comunitários juntamente com outros técnicos (sociólogos, economistas e assistentes sociais), e realizando gravações em video.
Foi quando conheci o Padre Enoque de Oliveira, líder do Novo Movimento Histórico de Canudos, a beata Edwirgem Rosa Cardoso e inúmeros líderes da zona rural e urbana sertaneja. O meu interesse foi ganhando corpo à medida que o resultado do trabalho desenvolvido pelos comunitários, refletia de maneira vigorosa, os ensinamentos e as ações que o padre pregava. Em todos os recantos se fortalecia a luta por melhores condições de trabalho e organização comunitária, com a juventude e os artistas sempre por perto, integrados ao Movimento. Tudo isso me encantava, e aos poucos fui ampliando o conhecimento daquela região de características tão ímpares. E com as comemorações do Centenário de Belo Monte (Canudos), a teoria do Atraso Planejado, O Pacto Noventano e a formação de uma Terceira Canudos, me trouxe a certeza que tudo isso era apenas o começo de um longo trabalho a ser desenvolvido. Aconteceu mais ou menos o seguinte;
Em 1982 o padre Enoque de Oliveira chegou à Paróquia de Monte Santo e desenvolveu um trabalho nas comunidades rurais, que teve repercussão nos meios eclesiásticos, órgãos de comunicação, fazendeiros e elite política da região. Houve um impasse um ano antes de eu conhecê-lo; a posição oficial da Igreja era dura; queriam a expulsão do Padre Enoque. A reprovação das comunidades rurais diante disso e as manifestações públicas a favor dele eram intensas. A criação da Igreja Popular de Canudos e do Novo Movimento Histórico de Canudos e da Celebração pelos Mártires de Canudos às margens do Açude de Cocorobó nos dias 05 de outubro já eram uma realidade. Havia um movimento de resistência, ações organizadas, derrubada de cercas, incêndio do Forum de Uauá… Tudo isso em volta do Centro Comunitário Antonio Conselheiro, Associação de Mulheres Edwirgem Cardoso, Movimento de Criança, assembléias comunitárias, teatro popular e resgate da memória de Antonio Conselheiro com cartilhas. As versões eram conflitantes e as interpretações dos fatos pelas autoridades estabelecidas, intelectuais e políticos, também. As CPTs (Pastorais da Terra) – Igreja Popular x Igreja Progressista. A missa e romaria no Alto do Mário. A UNEB e o Centro de Estudos Euclides da Cunha. A intervenção na pesquisa, na educação e na cultura. Projeto Canudos – Projeto Interdisciplinar de Desenvolvimento Integral da Área do Sertão de Canudos. A mudança de nome da cidade de Cocorobó para Canudos. Os conflitos internos e as dissidências no Movimento.
A repercussão na imprensa nacional e internacional.
A Casa de Canudos em Euclides da Cunha (BA). Maria e Dedé que migraram para São Paulo. O posicionamento diante dos conflitos de terra no sertão de Canudos durante a campanha presidencial.
Depois de ter realizado em VHS o video “Reconstrução”, tive a idéia de refilmar a história do novo Movimento de Canudos em U-matic convidando gente da área de cinema pra trabalhar comigo. Foi o começo de uma parceria com a truq. Tive uma reunião com o Secretário Sérgio Santana, que topou financiar parte do documentário. A TV-E o exibiria na ocasião dos 100 anos da Proclamação da República. Logo após o primeiro turno da campanha política, que fiz para o PT, com José Sérgio Gabrielli para governador, me juntei a Moisés Augusto, Pola Ribeiro, Jorge Felippi, Marcelo Costa e fomos pro sertão rodar República de Canudos.
De 30 de setembro a 9 de outubro estivemos em Euclides da Cunha, Monte Santo, Bendegó, Uauá, Açude de Cocorobó. Em 5 de outubro acontecia a celebração do Novo Movimento de Canudos liderado pelo Padre Enoque.
Jorge Alfredo Guimarães é cantor, compositor e cineasta baiano
