Aldeia Nagô
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Réquiem para a era Reagan. Por Chrystia Freeland do “Financial Times”

3 - 4 minutos de leituraModo Leitura

Dividir os EUA em duas tribos que não se entendem é uma forma comum para
compreender um país tão vasto e diversificado. Norte e Sul, Estados vermelhos e
Estados azuis, e, até esta semana, ainda havia a divisão entre a Main Street
[economia real, em alusão à rua principal em muitas cidades interioranas do
país] e Wall Street [o distrito financeiro].


Há mais de um ano Wall Street
foi abalada por uma crise de crédito que pessimistas diziam ser a pior desde
1929.
Main Street não estava imune -o desemprego aumentou, o preço dos
imóveis caiu e cresceu o número de pessoas que tiveram que devolver suas casas
por não conseguir pagar sua dívida imobiliária. Mas a população se mantinha
confiante, graças em parte ao estímulo fiscal do início do ano que permitiu ao
PIB do país crescer ao ritmo de 3,3% no segundo trimestre.

Na campanha
presidencial, isso se traduzia no fato de o foco estar nas historinhas pessoais
dos candidatos em vez de nas políticas públicas. Parecia que, de novo, a corrida
presidencial evitaria a economia.

Até que, seis dias atrás, o mercado
financeiro se fez ouvir pelo cidadão comum. E repentinamente a comparação com
1929 se tornou corrente.

O dia de ontem provou o quanto os EUA estavam
apavorados. Quando Henry Paulson, secretário do Tesouro, sugeriu a criação de
uma gigantesca agência do governo para comprar dívida podre, aquilo que
pareceria radical uma semana antes se tornou necessário a ponto de ter pronto
apoio de republicanos e democratas.

Luta de classes
Barack Obama é o beneficiário político imediato da
crise. De fato, a inversão na percepção nacional foi tão abrupta que surpreendeu
John McCain, para quem a economia americana estava "fundamentalmente sólida".
Mas McCain não é o único a ter as convicções abaladas. A crise é tão grande que
está forçando os americanos a reverem conceitos cruciais como capitalismo de
mercado e papel do Estado.
Desde 1989 o item mais importante nas exportações
ideológicas dos EUA era a idéia de mercado. Internamente, mesmo que crescesse o
abismo entre os mais ricos e o resto, os americanos se mantinham avessos à luta
de classes. Tanto que na Convenção do Partido Republicano era perfeitamente
aceitável dizer que o maior problema americano era o de um Estado imenso e
invasivo.

Mas tudo mudou nesta semana. A dramaturgia não poderia ter
produzido um financista republicano mais perfeito que Paulson, o garotão
esportista de uma cidadezinha de Illinois que cresceu para ser presidente do
Goldman Sachs. E eis que ele se torna agora responsável por uma nacionalização
de ativos maior do que a russa.

Quanto à imagem heróica do executivo de
sucesso, esta foi destruída por John McCain, que tentou mostrar serviço ao
acordar de sua hibernação econômica culpando os presidentes das empresas pela
crise.
A sombra de Ronald Reagan parecia maior neste ano. Obama chegou a
dizer que Reagan foi o mais marcante presidente dos últimos tempos, e, em sua
convenção, os republicanos definiram McCain como um soldado de Reagan.

Mas no
dia de anteontem a era Reagan chegou ao fim. A confiança otimista na
superioridade do "american way" foi abalada não só por Guantánamo ou Abu Ghraib,
mas também pelo fato de a crise ter seu epicentro em Wall Street, e não na
Rússia ou no México.

O mais importante é que, depois de três décadas de
consenso sobre a diminuição do tamanho do Estado, a prioridade agora será tornar
o Estado melhor e provavelmente maior.

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