Aldeia Nagô
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Tambores da Liberdade. Por Lumena Aleluia

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Lumena_Aleluia

Era sábado de manhã, um desses qualquer, Dona Conça acompanhava um programa de rádio lá de Salvador – “Tambores da Liberdade”, a radialista anunciou “Está aberta a seleção para a escolha da próxima Deusa do Ébano do Bloco Afro Ilê Aiyê”.

Enquanto isso eu, 17 anos, estudante do 1º semestre de psicologia, estava no quarto fritando meu cabelo na chapinha e colocando minhas lentes de contato verde pra arrasar na festa que iria rolar no play, ouço um grito da cozinha. “Filhaaaaaaa, vou te inscrever num concurso de dança”
– Que concurso é esse minha mãe?
– Acabaram de anunciar aqui, as candidatas têm que ser negras e saber dançar.
Eu abri logo um sorrisão, afinal eu tinha 10 anos de formação de Ballet Clássico e Jazz nas costas e ainda tinha feito aulas de dança do ventre e nasci dançando pagodão. Pensei comigo mesma, essa tá no palho.

 

Enfim chegou o dia da seleção…uma sexta feira (em Salvador como vcs devem saber é tradição para as pessoas que respeitam a religião de matriz africana usar roupa branca nas sextas feiras sobretudo), apois fomos eu e Dona Conça pisar pela primeira vez na Senzala do Barro Preto. Espie só…

Pra arrasar na hora da seleção, escolhi a minha melhor roupa de dança, um colã preto bem justinho e uma calça leg mais preta ainda, com o detalhe da sapatilha de jazz para ficar mais confortável e o cabelo preso com coque todo trabalhado no gel.

Quando entramos na Sede do Ilê que eu vi aquele mar de mulheres negras com suas indumentarias, turbantes dourados, TODAS de roupa branca, algumas de conta dos seus respectivos Orixás, outras tinham os braços cobertos de pulseiras douradas, todas com o bicão na diagonal e búzios enfeitando as tranças na cabeça…
Eu virei pra Dona Conça e perguntei:
– Minha mãe o que eu estou fazendo aqui? ( com os olhos esbugalhados)
– Calma filha, vai dar tudo certo, dê o melhor de si.
Dona Conça é minha mãe, uma mulher negra que batalhou e continua batalhando muito e sempre lutou para que eu nunca me sentisse rebaixada. Me ofereceu as melhores oportunidades para eu construir o meu projeto de vida. Ela, sempre soube que era negra e que teria uma filha negra. Mas precisou priorizar a militância econômica para não mais passar fome, para que eu agora pudesse fazer uma militância politica.
Então sim, não sabíamos nada daquele universo e caímos de paraquedas no Concurso do Bloco Afro Ilê Aiyê.

Pois bem, dei tudo de mim… (Daquele jeito que aprendi no Ballet e no Jazz, então vcs podem imaginar)…acredito fielmente que Arani Santana (Diretora do Ilê) sabia do quão grave era o meu caso…e resolveu me aprovar. Foi assim que eu me tornei uma das 10 finalistas do Concurso de Deusa do Ébano…

Até hoje eu conto essa história localizando que este se tornou o meu marco de descoberta enquanto mulher negra, pois foi daí, da Dança do Ilê que mulheres negras me acolheram e me apresentaram o outro lado da moeda, a minha solidão se encerrava ali…enfim me tornei uma mulher negra com bicão na diagonal.
Por isso eu danço até hoje, pra me reconectar com os próximos passos que preciso dar nessa sociedade que tentou me aniquilar.

Sigamos.

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