Tropa de Elite: A política é bela por Emiliano José
Tropa de Elite 2 tem entusiasmado quem o assiste. Tem tudo para isso.
É uma produção hollywoodiana, e aqui mais pelos méritos da adjetivação
do que por qualquer tentativa de desqualificação.
O trabalho dos atores é
excepcional, com destaque para o extraordinário Wagner Moura, um dos
maiores em ação no cinema nacional. A atuação dele é impecável,
irretocável. O diretor José Padilha consegue manter a tensão do começo
ao fim. Tem ação e emoção e sangue, sem que o sangue seja apelação. É
uma tentativa, insista-se, tentativa, de revelar a realidade da
violência do Rio de Janeiro e o envolvimento direto da polícia com o
crime.
O narrador estrutura um discurso com começo, meio e fim – o
narrador é o próprio coronel Nascimento, nosso Wagner Moura, e digo
nosso porque baiano, e porque também, ao que sei, ex-estudante da
Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, onde dei aula
durante tanto tempo. O discurso é uma espécie de fio condutor do filme,
e que pretende, como discurso, levar o espectador a conclusões sobre o
envolvimento direto da polícia corrupta com o crime, ela própria
tornando-se o crime, assumindo o tráfico, e aqui trata-se de um mérito.
Mas, também, à conclusão de que a política é que garante isso, e a
política vista como uma atividade criminosa é posta de modo
generalizante.
Não li o livro que dá base ao filme, e só falo do
filme, portanto. E disso que quero tratar, nem que rapidamente. Da
nítida pretensão do filme de desqualificar a política. Já li várias
notas em jornais dando conta de que as platéias têm aplaudido muito o
coronel Nascimento quando ele dá uma surra no secretário de Segurança,
isso sendo interpretado como uma espécie de castigo a um político. O
mocinho castiga o bandido, e os bandidos são os políticos. A cena final,
o sobrevôo sobre Brasília, é ilustrativa de todo o discurso. E é
literal. Como se o Congresso Nacional fosse responsável por isso. Como
se a política fosse algo negativo, quase que a ser eliminada.
Lembremo-nos do discurso da ditadura: a política não presta.
No
discurso do coronel Nascimento há, também, uma espécie de frustração
quando ao Bope. Há como que um recado: houvesse mais Bopes
incorruptíveis, policiais bem treinados dispostos a matar corretamente, e
a situação seria bem melhor. O que faltaria seria uma polícia toda
Bopeana, e a segurança do País estaria garantida, desde que livre dos
políticos.
Esta ideologia de segurança nós já vimos no que
desemboca. Qual o Estado que resulta disso. Lamento dizer que o discurso
do filme, suas conclusões são precárias. E que carrega uma visão
profundamente autoritária. E que não se queira isentar a obra de arte do
envolvimento político. O problema da segurança não vai se resolver com
Bopes incorruptíveis, embora esses Bopes também sejam necessários, mas
treinados mais para enfrentar situações excepcionais do que para se
constituírem em solução para o grave problema de segurança. Os Bopes não
podem simplesmente ser treinados para matar.
Sem política não há
saída. Fora da política será sempre a barbárie. A segurança tem que ser
tratada como um problema político. É a política que irá estruturar uma
política de segurança que possa trazer paz ao País, e me parece que o
próprio Rio de Janeiro, hoje, passo a passo, está enfrentando o problema
de outra maneira, com as chamadas Unidades Pacificadoras.
O
Pronasci, programa do governo Lula, um programa que nasce da vontade
política, pensa a segurança de outra maneira, atacando as causas sociais
da violência, e que vem avançando também no Rio de Janeiro, e só cito o
Rio porque é o cenário do filme.
Claro que não há simplificação
possível. Claro que a complexidade da segurança pública é enorme em todo
o País. Querer, no entanto, fazer acreditar que a solução está fora da
política, que estaria localizada numa impensável polícia honesta e
incorruptível fora da política, como uma solução técnica, é um equívoco
imperdoável, que o filme claramente transmite como mensagem.
Para
fazer uma confrontação cinematográfica, e não dizerem que não falei de
flores, para que não me acusem de panfletarismo, lembro de outro filme,
também excepcional, Baaria, a Porta do Vento, cujo diretor, Giuseppe
Tornatore, lança os olhos sobre uma pequena cidade italiana da Sicília,
Baaria, que se debate com as injustiças, tendo de um lado os
latifundiários e a máfia, e de outro, o então heróico Partido Comunista
Italiano (PCI). Saí do filme fascinado, alertado pelo que os comunistas
italianos tinham que enfrentar numa pequena localidade siciliana.
Giuseppe Tornatore não tem nada de panfletário – é uma visão quase
onírica, sem que deixe de ser política.
E lembro apenas um
episódio, coisa que também já foi feita, na revista Istoé (13/10/2010),
por Zeca Baleiro, que teve, neste caso, a mesma leitura que faço do
filme, ao menos quanto à valorização da política, muito diferente de
Tropa de Elite 2.
O pai do protagonista Peppino está à beira da
morte, na cama, e espera ansiosamente o filho, então candidato pelo
Partido Comunista. Todos estão em volta dele, todos esperam a chegada de
Peppino, militante político, comunista. O irmão de Peppino diz ao pai
próximo da morte que Peppino virá, que está envolvido com a candidatura
pelo Partido, e o pai responde, com toda firmeza: "É, filho, a política é
bela! A política é bela!" Peppino chega, abraça o pai, que só esperava
por aquele abraço, o abraço da beleza da política, e morre. Em paz. Com a
certeza de que a política era necessária à humanidade.
As
transformações necessárias à humanidade e à sociedade brasileira não são
poucas. São enormes os desafios que temos pela frente. Vivemos, no caso
do Brasil, num País em que as mudanças se dão lentamente ou, ao menos,
numa velocidade menor do que muitos de nós esperávamos. Mas,
inegavelmente, o Brasil tem mudado, e não é pouco.
E só tem mudado
não porque há gestores tecnicamente competentes, não porque há
policiais incorruptíveis, e sem dúvida há tudo isso, mas porque,
sobretudo nos últimos oito anos, uma nova política se estabeleceu no
Brasil, e esta nova política olhou para o nosso povo de outra maneira,
com olhos de querer ver, com olhos de carinho para com a nossa gente
mais pobre, aquela que sofre de modo mais agudo, as consequências do
abandono pelo Estado, do abandono pela política.
E a segurança é
parte desse novo olhar. Mais do que armas, necessárias, mais do que
policiais incorruptíveis, necessários, mais do que tudo isso, será
preciso ir além, olhando para as causas mais profundas da violência, e
isso só tem sido possível, só será possível pela política e no leito
democrático. O outro caminho será sempre o do olho por olho, dente por
dente. E isso sempre desembocou em ditadura. Que já está fora de moda,
por mais que alguns, poucos, ainda sintam saudades.
A rigor, para
além de nosso orgulho pela atuação de atores como Wagner Moura, não
precisamos de tropas de elite. Precisamos que nosso povo tenha o que
comer, tenha a possibilidade da fruição da cultura, tenha escola, tenha
saúde, tenha lazer, tenha esportes, tenha liberdade, democracia, e que
viva intensamente a política. Porque a política é bela.
Emiliano José é jornalista, escritor e professor da UFBA. Site: www.emilianojose.com.br.
http://terramagazine.terra.