Aldeia Nagô
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Um mundo cheio de Linas e tapiocas por Maria Inês Nassif

5 - 7 minutos de leituraModo Leitura

O jornal Valor publicou nesta quinta-feira um artigo em que a
jornalista Maria Inês Nassif critica "o clima de escândalo" gerado pela
suposta denúncia feita pela ex-secretária da Receita Federal Lina Maria
Veira contra a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Segundo
Maria Inês Nassif, as criticas se devem pelo fato de Dilma "ser
candidata à sucessão de Lula em 2010, com o apoio de um presidente que
tem grande popularidade". "O depoimento da ex-secretária da Receita
sequer foi dúbio. Ela inocenta a ministra da acusação que seria de fato
crime: pressionar a Receita para não investigar alguém", afirma a
jornalista. Leia a íntegra do artigo:


O caso da "denúncia" feita pela ex-secretária da Receita Lina Maria
Vieira contra a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, não é o
primeiro episódio na história recente do país em que um clima de
escândalo sobe a uma temperatura máxima, alimentado por fatos que são o
centro das atenções políticas por semanas até que sumam no ar como
fumaça. Nesse caso, depois do depoimento de Lina na Comissão de
Constituição e Justiça do Senado, anteontem, e de inúmeros indícios
apontados por apoiadores e detratores, a pergunta que vem à cabeça dos
acompanhantes mais atentos da cena política é: qual é mesmo o crime?

Lina disse, em entrevista à "Folha de S. Paulo", que no final do ano
passado Dilma pediu que a Receita concluísse rapidamente inquérito em
andamento contra o filho do senador José Sarney, Fernando. Os jornais e
a oposição inferiram daí que a ministra-chefe da Casa Civil pressionou
a Receita a arquivar os processos contra o empresário maranhense. E se
apegaram, como prova do crime, a uma suposta reunião que Lina teria
mantido com Dilma. Passou-se a considerar que, provada a existência
desse encontro, estaria automaticamente atestada a pressão de Dilma em
favor do filho do presidente do Senado.

Convocada à reunião de Comissão e Justiça do Senado para explicar sua
"denúncia", Lina reiterou o "crime" de Dilma, de tê-la convocado para
uma reunião, mas absolveu-a da acusação de tê-la pressionado para
livrar a cara de Fernando Sarney na Receita. "Eu entendi, das palavras
da ministra, que resolvesse logo as pendências, que desse celeridade ao
processo, não me senti pressionada pela ministra"; "a ministra disse
para agilizar a fiscalização do procedimento contra o filho de Sarney,
mas, de forma alguma, o pedido foi para não investigar o filho de
Sarney. Foi apenas para dar agilidade"; ao voltar a Receita, pediu a um
dos subsecretários levantamento dos processos em andamento, descobriu
"que tudo estava em ordem" e colocou "uma pedra no assunto": "Não dei
mais retorno para a ministra e ela não me cobrou mais sobre o assunto"
(Valor, 19/8, A8).

O depoimento da ex-secretária da Receita sequer foi dúbio, ao contrário
de suas contraditórias declarações anteriores. Ela inocenta a ministra
da acusação que seria de fato crime: pressionar a Receita para não
investigar alguém. Na ausência de evidências de pressão, a oposição
retoma a estratégia de que o crime é ter convocado uma reunião. E pede
acareação.

É certo que, nesses movimentos em que se força a criação de climas de
forte comoção política, pouco importa o que se disse ou se dirá em
favor de uma ministra cujo principal problema não é ter se reunido com
alguém, mas ser candidata à sucessão de Lula em 2010, com o apoio de um
presidente que tem grande popularidade e, supõem-se, capacidade de
transferência de votos. Mas também não se registra uma tentativa de
Dilma e dos governistas que assumiram a sua defesa de registrar o
ridículo da situação. Caíram numa armadilha e vão ter que ficar na
defensiva, negando que a reunião tenha existido, até que o fato que
seria central – a pressão para inocentar Sarney, negada pela própria
Lina – caia definitivamente no esquecimento, por falta de provas. O
caso Lina, após a reunião da CCJ do Senado, entrou na lista das
tapiocas.

Pelo padrão do que tem sido a disputa política nos últimos sete anos,
desde a posse de Lula, presume-se que, daqui até as eleições do ano que
vem, as tapiocas se repetirão, numa mesma técnica: denuncia-se, o fato
denunciado é alimentado por pequenos detalhes enquanto for possível,
convoca-se comissões e acareações e o clima chega (pelo menos
institucionalmente) ao limite da tensão. Enquanto é possível, cria-se
uma moral própria para o momento: a tapioca é imoral; convocar reunião
é imoral. A repetição é fundamental na criação de um clima onde se
atribui moralidade própria a um fato menor. E cada detalhe é prova da
justeza do novo julgamento moral. A criação de "ondas" de comoção
política atinge de imediato uma parcela da opinião pública que já é
identificada ideologicamente com esses setores. São mais sensíveis a
construções de caráter moral as classes médias. Nesse segmento social,
as construções da oposição certamente criaram clichês próprios: a
"tapioca", o "mensalão" como característica exclusiva do PT etc. A
estratégia de criar comoção política apenas é vitoriosa eleitoralmente,
todavia, se consegue se expandir para além dos seus próprios votos,
subtraindo eleitores do outro lado.

Na política recente, a exploração do escândalo Sarney teria muito maior
potencial de expansão para setores sociais que votam hoje em Lula. Para
a maioria da opinião pública, segundo atestam as últimas pesquisas,
Sarney é a representação do que existe de ruim na política – e ele se
sustenta graças ao valioso apoio do presidente Lula. O problema é que
esse episódio tem potencial de atingir indiscriminadamente todos os
partidos representados no Senado. Os fatos contra Sarney levantados
pelos jornais não são assumidos como instrumento de luta política com
tanta convicção pela oposição, como tem sido com o episódio Lina.
Existem razões para isso.

Maria Inês Nassif é editora de Opinião do jornal Valor

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