Aldeia Nagô
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Uma polêmica incompreensível, por Diogo Costa

5 - 7 minutos de leituraModo Leitura
Luis_Nassif

As redes sociais se fartaram com o debate a respeito da nota oficial do Partido dos Trabalhadores, de Aécio Neves e do STF.

 

Poucas vezes se viu um documento tão bem feito ser alvo de furiosas manifestações – algo que só se explica pelo clima de ódio e ressentimento que se instalou no país há bastante tempo.

Urge dissecar o documento do PT e verificar se os reclamos e queixumes tem alguma procedência.

1. Dissecando, em trechos, a referida nota

1.1. “Aécio Neves é um dos maiores responsáveis pela crise política e econômica do país e pela desestabilização da democracia brasileira.

Derrotado nas urnas, insurgiu-se contra a soberania popular e liderou o PSDB e as forças mais reacionárias da política e da mídia numa campanha de ódio e mentiras, que levou ao golpe do impeachment e à instalação de uma quadrilha no governo.

Para consumar seus objetivos políticos, rasgaram a Constituição e estimularam a ação político-partidária ilegal de setores do Judiciário e do Ministério Público.

Aplaudiram todas as arbitrariedades cometidas contra lideranças do PT e dos setores populares, as violações ao devido processo legal e ao estado de direito democrático.

Compactuaram com o processo de judicialização da política, que visou essencialmente a fragilizar os poderes eleitos pelo povo. […]”

O primeiro trecho da nota oficial do PT é irretocável e preciso. Acusa Aécio de golpista e de responsável pela desestabilização política e econômica do Brasil. Bate no PSDB e na mídia e aponta a campanha de ódio que insuflaram em setores do aparato estatal e da população para criar o clima favorável ao golpe.

1.2. “[…] As repetidas violações ao direito criaram um monstro institucional que tem como cérebro a mídia, comandada pela Rede Globo, e tem como braços os setores do MP e do Judiciário que muitas vezes acusam, punem ou perdoam por critérios políticos.

Aécio Neves defronta-se hoje com o monstro que ajudou a criar.

Não tem autoridade moral para colocar-se na posição de vítima.

Vítimas são as brasileiras e brasileiros que sofrem com o desemprego, a recessão, o fim dos programas sociais e a volta fome ao país, sob o governo de que Aécio Neves é fundador e cúmplice.

Por seu comportamento hipócrita, por seu falso moralismo, Aécio Neves merece e recebe o desprezo do povo brasileiro.

Ele terá de responder um dia, perante a Justiça, pelos gravíssimos indícios de corrupção que o cercam. Terá de ser julgado com base em provas, dentro do devido processo penal. […]”

O segundo trecho da nota é indiscutivelmente irrepreensível, como o primeiro. Continua denunciando Aécio, a mídia venal e a Globo por empreenderem o golpe que jogou milhões de brasileiros na rua da amargura. Ressalta que Aécio tem que ser julgado e que merece o desprezo do povo brasileiro.

1.3. “[…] Mas a resposta da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal a este anseio de Justiça foi uma condenação esdrúxula, sem previsão constitucional, que não pode ser aceita por um poder soberano como é o Senado Federal.

Não existe a figura do afastamento do mandato por determinação judicial. A decisão de ontem é mais um sintoma da hipertrofia do Judiciário, que vem se estabelecendo como um poder acima dos demais e, em alguns casos, até mesmo acima da Constituição.

O Senado Federal precisa repelir essa violação de sua autonomia, sob pena de fragilizar ainda mais as instituições oriundas do voto popular.

E precisa também levar Aécio Neves ao Conselho de Ética, por ter desonrado o mandato e a instituição.

Não temos nenhuma razão para defender Aécio Neves, mas temos todos os motivos para defender a democracia e a Constituição.”

O terceiro e último trecho da nota, seguindo a linha dos trechos anteriores, é igualmente irretocável. Denuncia a decisão inconstitucional do STF – que faz parte do pérfido contexto em que o Poder Judiciário se coloca acima das leis e dos demais poderes para aplacar a sanha moralista que assola o país – e defende que Aécio responda por seus atos com a cassação do mandato feita pelos próprios parlamentares e não de forma ilegal pelo Supremo.

2. Após ler o documento, algo que 90% das pessoas não se deu ao trabalho de fazer, o que temos?

É absolutamente inusitado que uma nota tão bem feita, tão precisa, tão cirúrgica e certeira em sua avaliação política e jurídica, tenha causado tanto furor. A posição do PT é corretíssima e se apresenta de forma coerente e precisa em todos os trechos do referido documento.

Os moralistas de plantão, à direita e à esquerda, pretendem aplacar o seu ódio dando ainda mais poder aos togados e destruindo de vez o que resta da Constituição? A luta do PT, desde fins de 2014, tem sido insistente na defesa da legalidade e contra os abusos que vem sendo promovidos, em escala industrial, por promotores e juízes que se pretendem enquanto semi-deuses e Varões de Plutarco da república.

Mantendo essa coerência e defendendo a legalidade, sem abrir mão de seus princípios e sem abrir mão da responsabilização de Aécio, ao mesmo tempo em que denuncia a intromissão indevida do Poder Judiciário em searas que não são da sua alçada, o PT ganha pontos no médio e no longo prazos.

3. Reequilibrando as forças

A gritaria a respeito desse assunto apenas demonstra que muita gente está confundindo a política com a moral, ou melhor dizendo, com o moralismo medieval que está empesteando o Brasil já há bom tempo. Golpistas são os outros; quem denuncia os golpistas não pode agir igual a eles.

É preciso reequilibrar a balança do poder e “quebrar a crista” desses togados irresponsáveis que se omitiram e permitiram que o povo brasileiro fosse alvo de um pérfido golpe de estado. O Poder Judiciário, de longe o mais hermético e reacionário do país, não pode e não deve ditar os rumos da política.

4. Tática e estratégia

Corroborar a decisão inconstitucional do STF, a respeito do afastamento cautelar de Aécio, significaria no máximo um ganho tático.

Aécio está morto politicamente e jamais será presidente da república; nem sequer ao Senado tem condições de disputar no pleito do ano que vem e o máximo que conseguirá é ser deputado federal. É um morto-vivo; um zumbi; um cadáver político insepulto.

Estrategicamente é muito melhor preservar o que ainda resta da legalidade constitucional e colocar um freio nos justiceiros medievais. A política tem que prevalecer sobre os setores não eleitos ou caminharemos cada vez mais em direção ao despenhadeiro.

5. Omissão ou posição?

Por fim, e para aqueles que dizem que a nota foi inoportuna, é preciso dizer que um partido como o PT tem o direito de fazer várias coisas, menos de se omitir a respeito de um assunto tão importante. O PT seria criticado de qualquer forma (com nota, sem nota e com quaisquer conteúdos que viesse a defender).


Foto: Evaristo Sa/AFP

Artigo publicado originalmente em http://jornalggn.com.br/blog/diogo-costa/uma-polemica-incompreensivel-por-diogo-costa

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