Aposta da editora portuguesa Chiado, o livro de contos Vida e Morte – O Jogo, da soteropolitana Karina G. de Sá, encaixa-se como uma luva nestes dias pandêmicos, quando o fio que tece o existir de cada qual tornou-se ainda mais sutil: nas 144 páginas, de forma direta e indireta, vida e morte se digladiam, sem um vencedor aparente, como deixa a entender a autora no derradeiro conto que fecha a obra, intitulado Enfim, o tempo.
Independentemente da ilustração da capa, quem se depara com os contos não deixa de pensar em O Sétimo Selo (1956), filme do saudoso cineasta e escritor Ingmar Bergman. Lançado numa época na qual o temor pelo apocalipse nucelar estava na ordem do dia, ainda que tenha se utilizado de motes como a peste que assolou a Idade Média sueca e o medo pelo fim do mundo, a obra destacou-se pela busca da compreensão do sentido e dos mistérios do conflito entre vida e morte.

Questão delicada e à qual muitos querem passar à larga, a escritora, ao contrário, resolveu exorcizá-la. E o fez depois de conviver diretamente com ela, com a dureza da finitude, ou quase: por pouco não sucumbiu após sofrer um infarto, poucos anos depois perdeu o companheiro para uma doença que alguns se esquivam em nominá-la.

Não que a escritora se sinta uma vencedora ou perdedora sobre ela, sobre essa entidade que os gregos alcunharam de Tânatos. No entanto, ao destrinchá-la, ao aprofundar-se sobre a sua crueza, ironia e até beleza, porque não, em 27 contos, de alguma forma Karina G. de Sá tornou-se uma aliada da morte, por entender que a dita cuja faz parte do ciclo da existência de cada um de nós, pois, sem ela, o que se chama de “vida” não teria sentido.
Advogada, ativista e defensora dos direitos da mulher, a escritora residiu durante boa parte da infância e da adolescência no estrangeiro, onde, inclusive, a partir de experiências que vivenciou em alguns países europeus, se valeu para dar suporte a seus contos. Contos adaptados de situações verídicas e sobre as quais, usando do seu talento de ficcionista, incidiu novas texturas, trafegando entre a realidade e o devaneio, mas sem perder o sentido do que se propôs.

Assim, em contos curtos e nos quais há uma mescla entre o real e o fantástico, os tornando indefinidos quanto ao gênero, a autora perpassa por diversos acontecimentos e, ali, embutido ou de forma explícita, a morte, na sua expressão trágica e carrancuda, propõe o jogo, muitas vezes levando a melhor, ainda que o “melhor”, mesmo, acabe nas mãos do leitor: eis a vida!

Alias, chamou a atenção da editora  Chiado, o conciso da prosa de Karina, entrecortada por construções narrativas pautadas em frases curtas, diretas, sem maneirismos, perfazendo um estilo que levou a editora a publicá-la, a apresentá-la aos leitores portugueses e brasileiros.

Criada entre livros e aficionada de Rubem Fonseca, Lygia Fagundes Telles, Albert Camus e Franz Kafka, Karina G. de Sá finalmente apresenta as suas credenciais ao mundo. E o faz justamente em tempos difíceis, de dor, quando, mais do que nunca, vida e morte se enfrentam em um jogo que assusta e ao mesmo tempo fascina.