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A Academia e a Falta de Representatividade no Oscar. Por Pablo Villaça
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Dando o que Falar
Dom, 24 de Janeiro de 2016 16:51

Pablo-VillacaA Academia está vivendo uma grave crise de imagem. Talvez uma das maiores dos últimos 40 anos. Com o avanço crescente (e cada vez mais rápido) do ativismo social nos últimos anos – graças, em parte, à capacidade de mobilização trazida pelas redes sociais -, a contradição entre as demandas de minorias e a realidade brutal e injusta que enfrentam passou a ser apontada em todos os meios.

E, claro, o Cinema não poderia ficar de fora – especialmente Hollywood, que, com seu alcance mundial, acaba funcionando como uma grande vitrine deste choque de realidades.

Não é de se estranhar, portanto, que o Oscar, mais famoso prêmio da indústria, tenha se tornado um alvo preferencial de discussão. Sem trazer um único indicado negro nas categorias mais visíveis – atores e atrizes – pelo segundo ano consecutivo, a premiação subitamente se viu no centro de uma polêmica que se tornou ainda mais exacerbada em função do caos racial pelo qual os Estados Unidos estão atravessando nos últimos anos graças às denúncias constantes de violência policial contra minorias.

Neste aspecto, a campanha #OscarSoWhite acaba virando uma extensão da #BlackLivesMatter, embora obviamente esta última esteja lidando com questões infinitamente mais graves do que injustiças na hora de entregar estatuetas douradas.

Que há uma falta de representatividade chocante em Hollywood é inegável – e as estatísticas comprovam isso: dos 305 filmes elegíveis ao Oscar em 2015, menos de 30 foram dirigidos por mulheres, negros ou latinos. Caso acompanhasse a distribuição da população norte-americana, este número deveria girar em torno de 45 longas dirigidos por negros, 50 por latinos e 152 por mulheres. A distância da realidade fala por si só. Da mesma maneira, produções comandadas por integrantes da comunidade LGBT são ainda mais raras – e indivíduos com algum impedimento físico atuando na indústria são tão raros que não consegui sequer encontrar alguma estatística sobre sua participação em produções.

Como consequência, poucos integrantes de minorias acabam se destacando em premiações, já que as oportunidades que têm à sua disposição são raras. Dos 17 nomes indicados ao Oscar este ano na categoria de roteiro (original ou adaptado), nenhum é negro. Da mesma forma, entre os 19 indicados por efeitos visuais, apenas uma pessoa é do sexo feminino. Enquanto isso, categorias como Fotografia, Montagem e Trilha Sonora são territórios dominados quase exclusivamente por homens brancos.

Assim, quando uma atriz como Charlotte Rampling vem a público dizer que tudo é uma pura questão de “mérito” e que questionar isso é “racismo inverso”, torna-se difícil não lamentar seu distanciamento da realidade. É fácil falar em “mérito” quando não lhe faltam oportunidades; como Viola Davis disse recentemente ao se tornar a primeira negra a vencer o Emmy de Melhor Atriz em série dramática, “Você não pode vencer (um prêmio) por papéis que simplesmente não existem”.

E o pior: mesmo então, a disputa é desigual. Uma atriz como Jennifer Lawrence, por exemplo, pode ser indicada por uma performance mediana em um longa desastroso como Joy apenas por ser uma jovem branca, loira e bonita que se arrisca em papeis pouco glamorosos, mas uma atriz negra ou latina jamais seria indicada caso tivesse oferecido exatamente a mesma performance no mesmo filme. (E digo isso mesmo considerando Lawrence uma boa atriz.) Aliás, se formos avaliar as personagens que renderam indicações a intérpretes negras, constataremos que quase todas eram escravas (Hattie McDaniel, Lupita Nyong’o), criadas (McDaniel, Octavia Spencer) ou mães abusivas (Mo’nique, Halle Berry), o que é tristemente revelador.

Este ano, em particular, parece que a Academia resolveu passar sal na ferida: não só ignorou performances dignas de indicação oferecidas por Samuel L. Jackson, Idris Elba, Michael B. Jordan, Kitana Kiki Rodriguez, Mya Taylor, Teyonah Parris, Nick Cannon, Jason Mitchell e Jada Pinkett Smith como ainda indicou integrantes brancos de filmes que giravam em torno de personagens negros. Stallone foi o único indicado por Creed, por exemplo, ao passo que Straight Outta Compton teve apenas seus roteiristas lembrados (todos brancos).

Infelizmente, a Academia decidiu agir sob a pressão da ameaça de boicote à cerimônia promovida pela iniciativa de Spike Lee de não comparecer (apesar de ter recebido um prêmio honorário em novembro, o que tradicionalmente garantiria sua presença) – e tomar decisões sob pressão raramente traz bons resultados.

Assim, a presidenta da instituição, Cheryl Boone Isaacs, anunciou hoje duas medidas impactantes: a primeira, muitíssimo bem-vinda, é a decisão de aumentar o número de membros pertencentes a minorias através do recrutamento ativo na indústria e também ao facilitar que integrantes indiquem novos nomes. A meta anunciada é dobrar a quantidade de representantes de minorias até 2020, chegando a um total de 48% de mulheres e no mínimo 14% de membros de outras minorias. (Por que “14%”? Não sei. Mas é um começo.)

O problema foi a segunda medida: até hoje, a participação na Academia era vitalícia – e, uma vez aceitos, seus integrantes não só permanecem até morrer como podem votar no Oscar. A partir de agora, porém, os privilégios de voto são revogados se a pessoa permanecer dez anos sem atuar na indústria, quando, então, se tornará apenas membro “emérito”. Por outro lado, quem sobreviver a três “auditorias” (ou seja: permanecer ativo durante três períodos de uma década cada) ganha privilégio de voto vitalício.

Nada disso faz sentido na questão da representatividade. Ao contrário: acaba gerando um outro tipo de preconceito – desta vez, contra idosos. Em primeiro lugar: o que é ser “ativo” na indústria? É preciso participar de alguma produção? Ou basta receber um crédito? Atuar em júris de festivais conta? Segunda questão: por que depois de três décadas o voto se torna vitalício? Isto não implicaria em voltar a ter problema daqui a 30 anos, quando os idosos voltariam a poder votar mesmo “inativos”?

E o mais importante: este segmento da Academia configura mesmo um “problema”? Em que aspecto esta medida altera a questão da representatividade que discuti mais acima? Mesmo que as indicações sejam fruto de conservadorismo trazido pela idade (e não há nenhuma estatística comprovando isso além do estereótipo injusto do “velho racista”), a decisão da Academia trata o sintoma, não a causa do problema – leia-se: a falta de oportunidades. Barrar o voto de velhinhos não mudará isso.

O curioso é que se a Academia tivesse anunciado esta decisão como forma de melhorar o perfil dos filmes indicados, eu aplaudiria sem hesitar, já que o Oscar tem se tornado cada vez mais ultrapassado em suas escolhas. Filmes com temáticas, linguagem e estética conservadoras ganham destaque em todas as edições do prêmio (O Discurso do ReiO Jogo da ImitaçãoA Teoria de TudoPhilomenaOs MiseráveisLincolnTão Forte e Tão Perto, entre vários outros) – e isto encontra-se diretamente relacionado à elevada idade média dos eleitores. Assim, diminui-la é realmente importante para manter a Academia culturalmente relevante e com uma sensibilidade moderna.

Mas não como forma de combater racismo institucional.

Em outras palavras: a medida foi tomada para resolver um problema que não resolverá ao mesmo tempo em que soluciona outro que não estava sendo tratado. Curioso.

Seja como for, mudanças significativas no Oscar em si decorrentes das decisões anunciadas hoje só poderão ser realmente detectadas dentro de 5 ou 6 anos. E mesmo assim, caso Hollywood não tente encontrar formas de aumentar as oportunidades para que minorias possam atuar na indústria, nada mudará de fato.

E já passou da hora de mudar.

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

Artigo publicado originalmente em http://www.cinemaemcena.com.br/Coluna/Ler/2065/74-a-academia-e-a-falta-de-representatividade-no-oscar

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