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O triunfo da morte. Por Chris Hedges
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Dando o que Falar
Ter, 21 de Junho de 2022 07:01

chris-hedgesÉ difícil ser otimista sobre o futuro. O colapso do ecossistema está bem documentado. Também assim é a recusa da elite dominante global em procurar medidas que possam mitigar a devastação.

Nós aceleramos a extração de combustíveis fósseis, chafurdamos no consumo perdulário, incluindo o nosso consumo de animais e fazemos novas guerras como se estivéssemos tomados por um desejo de morte freudiano. Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse – Conquista, Guerra, Fome e Morte – galopam em pleno século XXI.

Aqueles que dominam o poder, servidores das corporações e da classe bilionária global, acompanham a loucura suicida ao cimentar no lugar a tirania corporativa. O plano é de não reformar, é de perpetuar a pilhagem corporativa. Esta pilhagem, que é cada vez mais onerosa para a população global, necessita de um novo totalitarismo, no qual a classe bilionária vive na opulência, os trabalhadores são servos, os direitos como a privacidade e o devido processo judiciário são abolidos, o Grande Irmão [Big Brother] nos observa todo o tempo, a guerra é o negócio principal do estado  (https://chrishedges.substack.com/p/no-way-out-but-war), a dissenção é criminalizada e as pessoas deslocadas por conflitos e o colapso do clima têm a sua entrada barrada na fortaleza climática no norte global. Em teoria, porções da espécie humana, os mais privilegiados, aguentarão um pouco mais antes de sucumbirem à grande morte.

Os perseguidos e os abandonados, que agora são dezenas de milhões, sabem qual é o futuro. Para eles, o futuro já chegou. Julian Assange (https://www.youtube.com/watch?v=_0jThc4Lszo) - o 'publisher' mais importante da nossa geração, cuja extradição para os EUA foi aprovada na sexta-feira [17.06.22] (https://www.nytimes.com/2022/06/17/world/europe/assange-extradition.html) pela Secretária do Interior [Home Secretary] do Reino Unido, Priti Patel - é um exemplo daquilo que sucederá com todos os 'publishers' e jornalistas que exponham as engrenagens internas do poder. A prisão dele [Assange] por revelar crimes de guerra, a mentira, o cinismo e a corrupção da classe dominante, incluindo o Partido Democrata [dos EUA], anuncia uma nova era. As investigações sobre os centros de poder, que é o sangue vital do jornalismo, será uma ofensa criminal (https://www.youtube.com/watch?v=-kEY_8mbn2c&t=332s).

Não importa que Assange (https://chrishedges.substack.com/p/the-marriage-of-julian-assange), que teve um derrame cerebral e está com a sua saúde física e psicológica em estado precário, não é um cidadão estadunidense, nem que Wikileaks não é uma publicação sediada nos EUA. Não importa para nada que as reuniões de Assange com os seus advogados foram gravadas pela UC Global (https://assangedefense.org/press-release/day-17-witnesses-uc-global-spied-on-assanges-conversations-with-lawyers-patrick-cockburn-ian-cobain-guy-goodwin-gill-stefania-maurizi-robert-boyle/), a empresa espanhola de segurança, na embaixada equatoriana onde Assange viveu por sete anos, e que entregou as gravações aos EUA, obliterando o privilégio de confidencialidade entre cliente e advogados. Eu estive nas audiências do tribunal em Londres e testemunhei a campanha contra Assange, uma farsa Dickensoniana, a perseguição de um homem inocente e heroico – mais reminiscente da Lubyanka [sede da KGB em Moscou] do que da melhor jurisprudência britânica. Ele está sendo usado como uma mensagem – i.e.: se você expuser o que nós fazemos, nós o destruiremos.

Seja nas enormes fábricas na China, ou nas decadentes ruínas do cinturão enferrujado [indústrias falidas no meio-oeste dos EUA], os trabalhadores lutam com salários de subsistência, sem garantias de emprego, nem sindicatos. Eles são amaldiçoados por acordos de comércio, pela desindustrialização, pela austeridade, pelas crescentes taxas de juros e pelos crescentes preços. Também eles sabem o que é o futuro.

A decisão de aumentar a taxa de juros (https://www.cnbc.com/2022/06/15/fed-hikes-its-benchmark-interest-rate-by-three-quarters-of-a-point-the-biggest-increase-since-1994.html) em três-quartos de um ponto percentual, com novos aumentos a caminho, deprimirá ainda mais os salários – os quais estão estagnados há décadas, aumentará o desemprego e as dívidas pessoais e tornará os alimentos e outras necessidades básicas mais caras. O aumento da taxa de juros geralmente induz a recessão. Mas os oligarcas estão mais do que dispostos a sugar o sangue da classe trabalhadora. A inflação reduz o retorno dos investimentos. Ela perturba o equilíbrio das estratégias financeiras.

Os preços não estão aumentando por causa dos salários (https://www.commondreams.org/views/2022/06/15/there-are-better-ways-fight-inflation-attacking-working-people-higher-interest). Eles estão aumentando por causa da falta de suprimentos e da manipulação de preços das corporações e dos conglomerados do petróleo. As corporações estadunidenses publicaram o seu maior crescimento de lucros em décadas ao aumentar os preços durante a pandemia. No ano passado, os lucros corporativos antes de pagar impostos aumentaram em 25%, chegando a US$ 2,81 trilhões – segundo o 'Bureau of Economic Analysis' [Escritório de Análise Econômica dos EUA] (https://www.bea.gov/sites/default/files/2022-03/gdp4q21_3rd.pdf). Este é o maior aumento anual desde 1976, segundo o 'Federal Reserve' [FED - o equivalente a um banco central dos EUA] (https://fred.stlouisfed.org/series/BOGZ1FU096060035Q#0). Quando se incluem os impostos, o lucro corporativo do ano passado aumentou em 37% - mais do que em qualquer outro período desde que o FED começou a monitorar os lucros em 1948 (https://fred.stlouisfed.org/series/CP).

Leis antimonopólios e o desmembramento dos monopólios facilitariam a pressão da inflação (https://prospect.org/economy/antitrust-should-be-used-to-fight-inflation/) e reduziriam os preços. O racionamento romperia com a inflação. Da mesma forma, um congelamento da relação salários-preços o faria. A nacionalização, reverter as privatizações feitas pelas corporações dos serviços de utilidade pública, do sistema de serviços de saúde, do sistema bancário e outros serviços, também atenuaria o aumento de preços. Mas a classe bilionária não está disposta a impor medidas que diminuam os seus lucros. Eles manterão os seus monopólios. Eles manterão o controle daquilo que uma vez eram ativos públicos. A mensagem da classe bilionária é esta: a economia funciona para o nosso benefício, não o de vocês [outros].

Os ucranianos, que enfrentam uma guerra de atrito, com a infusão de bilhões de dólares de armas vindas dos EUA e da Europa, sabem qual é o futuro. A guerra é o principal negócio do estado. Ela enriquece a indústria de armamentos. Ela expande o orçamento militar [dos EUA]. Os EUA agora enviam US$ 130 milhões por dia (https://www.wsj.com/articles/with-billions-going-to-ukraine-officials-warn-of-potential-for-fraud-waste-11655121601) em ajuda e assistência militar à Ucrânia – parte dos US$ 55 bilhões em ajuda prometidos por Washington.

Lutando com o colapso social e uma economia doente, os EUA veem as suas forças militares como o único mecanismo restante para destruir competidores globais, especialmente a Rússia e a China. A Rússia, encurralada por uma OTAN em expansão na Europa Central e Oriental, e a China, assediada por uma sucessão de porta-aviões no Mar do Sul da China – os quais Washington chamou de “interesse nacional” (https://www.crisisgroup.org/asia/north-east-asia/china/315-competing-visions-international-order-south-china-sea) – se uniram enquanto adversários dos EUA. A encenação militar agressiva dos EUA nas fronteiras da China e da Rússia provocou uma guerra fria desnecessária – uma que muitos tomadores de decisões em Washington desinteressadamente esperam que possa evoluir para uma guerra quente entre nações com armas nucleares que potencialmente obliteraria a vida no planeta.

Há uma contenda por controle que se intensifica, com a invasão da Ucrânia pela Rússia e a construção de bases aéreas da China nos litorais da Austráia e do Japão – o que lhe dá [à China] a possibilidade de atacar navios de guerra, incluindo porta-aviões, no Pacífico ocidental. A recusa dos EUA de se acomodar a um mundo multipolar e de afugentar a quimera da hegemonia global sem rival tem visto a Rússia e a China solidificarem uma aliança – uma aliança que os favoráveis à guerra fria trabalharam duro para evitar. As hostilidades, uma profecia autorrealizável dos militaristas estadunidenses delicia o 'establishment' de Washington (https://chrishedges.substack.com/p/the-pimps-of-war), cuja meta é perpetuar a guerra infindável.

Você sabe que tem problemas quando Henry Kissinger (https://www.nytimes.com/2022/05/25/world/europe/henry-kissinger-ukraine-russia-davos.html) – que conclamou a Ucrânia a ceder território para a Rússia e abrir negociações com Moscou “nos próximos dois meses, antes que se criem agitações e tensões que não poderão ser facilmente superadas” - é uma voz da sanidade.

Governos despóticos necessitam ter um inimigo para justificar a repressão a dissidentes, para a redução e cancelamento de programas sociais e para ter um controle de ferro sobre as informações. As guerras justificam o injustificável – lugares secretos, sequestros, tortura, assassinatos mirados, censura e detenções arbitrárias – crimes de guerra que estão fora dos manuais. A guerra induz um estado de paranoia e medo perpétuos. Ela requer a obediência em massa.

“O propósito da guerra não é vencer, é de ser contínua”, escreve George Orwell no seu livro 1984(https://www.powells.com/book/1984-9780451524935). “A sociedade hierárquica só é possível tendo como base a pobreza e a ignorância. Esta nova versão é o passado, e jamais poderia ter existido um passado diferente deste. Em princípio, o esforço de guerra sempre é planejado para manter a sociedade à beira da fome. A guerra é conduzida pelo grupo dominante contra os seus próprios sujeitos e o seu objeto não é a vitória, seja contra a Eurásia ou a Ásia Oriental, senão que manter intacta a própria estrutura da sociedade.”

A mensagem das guerras infindáveis (https://apnews.com/article/russia-ukraine-boris-johnson-kyiv-nato-054bce8206809df75269cb9060324c36) é a seguinte: se você desafia a classe dominante, os militaristas e o governo, você é um traidor.

As 140 milhões de pessoas no mundo todo que sofrem de fome aguda (https://www.un.org/press/en/2022/sc14894.doc.htm) – um resultado da pandemia, da crise climática e da guerra na Ucrânia – sabem qual é o futuro, junto com as famílias das 15 milhões de pessoas que morreram com a pandemia (https://www.nature.com/articles/d41586-022-01245-6) e as centenas de milhares que teriam sido salvas com uma prevenção apropriada e com cuidados médicos (https://thehill.com/policy/healthcare/3459664-quarter-of-us-covid-19-deaths-could-have-been-prevented-by-vaccination-analysis/). Os refugiados que fogem de estados falidos e desastres climáticos – poderá haver 1,2 bilhões de refugiados climáticos até 2050 (https://www.zurich.com/en/media/magazine/2022/there-could-be-1-2-billion-climate-refugees-by-2050-here-s-what-you-need-to-know) – no sul global sabem qual é o futuro.

A mensagem transmitida aos pobres, aos vulneráveis, aos doentes e aos fracos é a seguinte: as suas vidas e as vidas dos seus filhos não importam.

Os oligarcas no Partido Democrata e a ala do 'establishment' do Partido Republicano percebem que estão politicamente encrencados. Será devido à interferência russa? Será devido a Donald Trump e os seus servos protofascistas? Será causado por jornalistas e 'publishers' como Assange, que dão um nome ruim a eles? Será uma falha no envio de mensagens? Será devido à uma censura rigorosa da extrema direita e dos críticos esquerdistas?

Agora unido com o 'establishment' do Partido Republicano, o Partido Democrata está agitando-se para encontrar uma solução. Eles estão financiando candidatos da extrema direita nas eleições primárias dos Republicanos – uma tática que saiu pela culatra para Hillary Clinton, quando a campanha dela trabalhou nas primárias para promover Donald Trump como candidato presidencial republicano (https://www.salon.com/2016/11/09/the-hillary-clinton-campaign-intentionally-created-donald-trump-with-its-pied-piper-strategy/). Republicanos retrógrados – membros de facto do Partido Democrata porque eles votaram pelo impeachment de Donald Trump – estão sendo idolatrados como verdadeiros patriotas, como se eles pudessem seduzir as pessoas para longe de Trump e dos clones tipo-Trump. Junto com outros lideres democratas (https://robertreich.substack.com/p/liz-cheney-for-president?), Robert Reich argumenta que a Representante [deputada federal] Cheney – que votou à favor das políticas de Trump 93% do tempo (https://twitter.com/davidgura/status/1460458959295373313) como membra da Câmara Federal, porém agora parece estar prestes a perder a sua candidatura para a reeleição no estado de Wyoming - “demonstrou mais coragem e integridade do que qualquer outro político nos EUA” e “pode ser a melhor presidenta durante os tempos perigosos que estamos adentrando. Num artigo na revista The Atlantic intitulado “Mike Pence is an American Hero” [“Mike Pence é um Herói Estadunidense”] (https://www.theatlantic.com/ideas/archive/2022/06/january-6-hearings-mike-pence-service-democracy/661224/), Jonathan V. Last escreve que Pence “fez mais para proteger a democracia – em 6 de janeiro [de 2021 e desde então – do que qualquer outra pessoa dentro do governo Trump.”

Talvez a esperada decisão de Suprema Corte que revogará o processo de Roe versus Wade [aprovando a legalização federal do aborto nos EUA] trabalhará à favor deles. Talvez as audiências televisadas sobre o ataque de 06.01.2021 ao Capitólio [Congresso Federal dos EUA] (https://chrishedges.substack.com/p/society-of-spectacle), que é um comercial prolongado de televisão, convencerá os eleitores a apoiá-los. Talvez a promessa de leis mais rigorosas sobre armas (https://chrishedges.substack.com/p/americas-gun-fetish) excitará o eleitorado.

O que podemos esperar de uma liderança partidária que acreditou que Michael Bloomberg (https://abc7ny.com/mayor-michael-bloomberg-former-of-new-york-city-mike-democrat/4453276/) - que trocou de fidelidade entre os democratas e os republicanos diversas vezes – os salvaria de progressistas como Bernie Sanders? O que podemos esperar de uma liderança partidária que ungiu Joe Biden como presidente – alguém que passou a sua carreira política a desapropriar homens e mulheres da classe trabalhadora, construindo o maior sistema prisional do mundo (https://www.washingtonpost.com/politics/2021/01/11/biden-mass-incarceration/), militarizando a polícia (https://www.themarshallproject.org/2022/03/30/biden-struck-out-on-police-reform-is-trump-s-remaining-policy-enough), destruindo o sistema de seguridade social e financiando os fiascos militares no Oriente Médio?

O governo Biden é definido por expectativas falidas, desde o seu bloqueado [pelo Congresso dos EUA] plano 'Build Back Better' (Reconstruir Melhor) até a recusa em aumentar o salário mínimo (https://www.littler.com/publication-press/publication/decreasing-prospects-increasing-federal-minimum-wage-15). Ele está se movendo sem combustível, usando truques, retórica vazia, espetáculos (https://chrishedges.substack.com/p/society-of-spectacle) e medo para intimidar o eleitorado.

A queda é patética de se ver, reminiscente do momento em que o ditador romeno Nicolae Ceausescu tentou desesperadamente aplacar a multidão rebelde da varanda do Comitê Central do Partido Comunista da Romênia, oferecendo o aumento das aposentadorias e salários-família em US$ 2 por mês. Ele e a sua esposa foram executados quatro dias depois. O desacreditado Partido Comunista da Alemanha Oriental – o qual, como a revolução romena, eu também cobri como repórter, fez gestos parecidos, prometendo abrir o a sua sede fechada do partido ao público quando as pessoas já não se importavam com isso.

A classe bilionária (https://chrishedges.substack.com/p/how-to-defeat-the-billionaire-class), ou pelo menos muitos deles, prefeririam saquear e pilhar sob a cobertura do velho decoro político e da retórica. Eles gostam da ficção de prestar homenagem à uma democracia castrada. Isso lhes dá um verniz de respeitabilidade.

Mas isso não ficará assim. A fúria dos traídos é articulada pelos demagogos imbecis vomitados do pântano social e político. As corporações e a classe bilionária continuarão a explorar, porém sob um autoritarismo cada vez mais brutal. O colapso social, político, econômico e ambiental se acelerará. A realidade, cada vez mais intragável, deixará de existir no discurso público. Ela será substituída por cultos milenaristas – como os fascistas cristãos – e teorias bizarras de conspiração, um retiro no pensamento mágico no qual o mal é corporificado em indivíduos e grupos demonizados que devem ser erradicados. Verdades e mentiras serão indistinguíveis. Os vulneráveis serão jogados fora, culpabilizados pelas suas próprias misérias, bem como a nossa. Aqueles que resistirem serão criminosos. A morte em massa varrerá o planeta. Este é o mundo que os nossos filhos herdarão, a não ser que aqueles que nos controlam sejam arrancados do poder.

Chris Hedges

Jornalista vencedor do Pulitzer Prize (maior prêmio do jornalismo nos EUA), foi correspondente estrangeiro do New York Times, trabalhou para o The Dallas Morning News, The Christian Science Monitor e NPR.

 

Artigo publicado originalmente em seu website, traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247 O triunfo da morte - Chris Hedges - Brasil 247

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