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O Morcegão, o Pombo, os 75 anos do Trio Elétrico, a microfonia e paz. Por Renato Queiróz

6 - 8 minutos de leituraModo Leitura

O Morcegão, o Pombo, os 75 anos do Trio Elétrico, a microfonia e paz

Senta que lá vem História!

Em meados da década de 40, nascia uma revolução musical no coração de Salvador-BA. Antônio Adolfo “Dodô” Nascimento (nascido em 10 de novembro de 1920 e falecido em 15 de junho de 1978), antes do trio a guitarra ele inventou e “Osmar” Álvares Macêdo (nascido em 22 de março de 1923 e falecido em 29 de junho de 1997), o carnaval veio triletrizar, ambos de Salvador. Os inventores do Trio Elétrico – tiveram a brilhante ideia de criar um instrumento que pudesse ser amplificado em alto volume sem gerar microfonia.

Assim, nasceu a Guitarra Baiana, inicialmente batizada de Pau Elétrico. Este instrumento inovador combinava elementos do violão, do cavaquinho e do bandolim, e se tornou um marco na música instrumental.

Porém, a invenção parecia ter resolvido a microfonia apenas nas músicas instrumentais.

A microfonia é a realimentação de áudio que ocorre quando um microfone capta o som do dispositivo que emite o som do próprio microfone. Em geral, esta realimentação provoca um ruído de alta frequência (agudo).

Caso seja observada a microfonia, pode-se eliminá-la pela redução do volume do microfone ou pelo seu reposicionamento, para que não capte o áudio que provém do dispositivo de som.

Também podem ser utilizados redutores de feedback, aparelhos que identificam as frequências com amplificação excessiva e filtram a sua realimentação.

No carnaval de 1975, Moraes Moreira (8 de julho de 1947, Ituaçu-BA – 13 de abril de 2020, Rio de Janeiro-RJ), com sua ousadia e talento, levou o vocalista para cima do trio elétrico.

Com versos como “Pombo correio/ Voa depressa/ E esta carta leva/ Para o meu amor”, Moraes enfrentou o desafio da tecnologia da época, que não permitia voz nos trios devido à microfonia.

Moraes teve que enfrentar o zunido das caixas de som e uma bronca de “Seu Dodô e de Seu Osmar” – os criadores do trio elétrico – que cederam espaço ao cantor. Mas estava decidido: a partir daquele momento, as letras que antes eram cantadas pelos foliões nas ruas subiam definitivamente aos carros de som, que antes tocavam apenas músicas instrumentais.

No ano seguinte, em 1976, os Novos Baianos, com Pepeu Gomes (7 de fevereiro de 1952, Salvador-BA), Paulinho Boca de Cantor (28 de junho de 1946, Santa Inês-BA), Baby do Brasil Consuelo (18 de julho de 1952, Niterói-RJ) e Luiz Galvão (22 de abril de 1935, Juazeiro-BA – 22 de outubro de 2022, São Paulo-SP) como exemplos musicais, inovaram mais uma vez.

Utilizando a arte do improviso, eles montaram um trio elétrico livre da microfonia causada pelas vozes dos cantores.

Assim nasceu o famoso “Morcegão da Madrugada”, com suas caixas de som pretas enfileiradas, colocando o som do Tranzasom, do infalível João Américo, em destaque.

João Américo, um talentoso técnico de som, foi fundamental na sonorização dos trios elétricos.

Conhecido no Brasil e no mundo por sua habilidade em criar sistemas de som que proporcionavam uma experiência auditiva de alta qualidade, mesmo em ambientes desafiadores como os desfiles de carnaval.

Sua expertise em sonorização ajudou a transformar o “Morcegão da Madrugada” em um sucesso, garantindo que a música fosse ouvida claramente por todos os foliões.

João Américo Bezerra nasceu 15 de junho de 1947 em Ouricuri, no interior de Pernambuco, em uma família grande e cheia de histórias. Filho de pais batalhadores, cresceu ao lado de 13 irmãos, em um lar de poucos recursos, mas repleto de união e aprendizado.

Desde cedo, João mostrou sua habilidade em transformar desafios em oportunidades. Quando a água encanada chegou à sua cidade, foi ele quem fez toda a instalação hidráulica em sua casa e em outras da comunidade. E, com a chegada da energia elétrica, repetiu o feito, levando luz e progresso e alegrias para muitas famílias.

Em 1976, ao sonorizar a Mostra de Arquitetura, João encontrou sua verdadeira vocação: o som. Foi ali que ele percebeu que seu lugar era no palco, não como artista, mas como o mestre por trás da qualidade sonora que dá vida aos eventos.

João, com sua elegância e inventividade, revolucionou a área de sonorização, deu padrão técnico de alta qualidade, formou mão de obra qualificada e profissionalizou o setor.

O livro “O Som de João Américo”, publicado pela Solisluna Editora em 2024, é uma emocionante narrativa da vida de João, escrita por ele mesmo, com a autenticidade de quem conversa em sua própria casa.

A obra celebra sua trajetória desde a infância em Ouricuri até sua contribuição inovadora na área de sonorização em Salvador. Com organização de Andrezão Simões e Pedro Américo, e ilustrações de Suzart, o livro é um verdadeiro tributo à criatividade e dedicação de João. Uma leitura que inspira e emociona!

O historiador Rafael Sampaio, da Universidade de Brasília, seguiu a trilha das músicas que animaram gerações de foliões em cima do invento baiano. Mestre em História pela Universidade de Brasília (UnB), onde também se graduou, Rafael Sampaio possui interesses pelos estudos culturais interdisciplinares, notadamente as relações existentes entre História & Música e História & Literatura.

Em sua dissertação “Na Trajetória do Trio: a canção do carnaval baiano entre uma mirada mágica e os espaços da alegria”, Sampaio mostra que as letras cantadas no trio elétrico promoveram um jeito mais democrático de pular o carnaval. No seu doutorado em Literatura na Universidade de Brasília (UnB), tem a tese intitulada como “Horizontes de expectativas na literatura brasileira contemporânea: ficções especulativas, temporalidades, epistemologias outras”.

Voltando um pouco no tempo, em 1974, o “Trio Elétrico Armandinho, Dodô e Osmar” lançou seu primeiro LP, “Jubileu de Prata”, destacando Armandinho Macêdo filho de seo Osmar Macêdo e Dona Neusa.

Aqui cabe um necessário e breve comentário sobre o contexto: Armando da Costa Macedo, Armandinho Macêdo, nascido em Salvador em 22 de maio de 1953, um instrumentista, cantor e compositor brasileiro. Sinônimo de genialidade e virtuosismo na guitarra baiana. Desde menino, já mostrava seu talento: aos 9 anos, formou o Trio Elétrico Mirim e, mais tarde, em 1967, criou a banda de rock Hell’s Angels, provando sua versatilidade musical. Sua carreira decolou em 1969, quando venceu a fase eliminatória do programa A Grande Chance, da TV Tupi. Esse destaque lhe rendeu, no ano seguinte, a gravação de seu primeiro compacto duplo e, em seguida, um LP, marcando o início de sua jornada brilhante.

Em 1974, junto de seus irmãos Aroldo, Betinho e André, formou o Trio Elétrico Armandinho, Dodô & Osmar, uma homenagem aos inventores do trio elétrico. A partir de então, a banda marcou a história do Carnaval baiano, com sucessos que atravessaram gerações.

Outro dos destaques de Jubileu de Prata foi a faixa “Double Morse”, uma homenagem ao criador do telégrafo. A música, composta por Dodô e Osmar nos anos 1940, exemplifica a genialidade e a inovação que permeiam a trajetória de Armandinho, Moraes Moreira e do Trio Elétrico de Dodô e Osmar consolidando seu legado na história da música brasileira.

Moraes, sempre inspirado, adorava a música, matutava uma letra… numa iluminada ideia relacionada na canção, poeticamente, referências de formas de comunicação distintas no tempo: o telégrafo – moderno na época, inspirador de Double Morse, e o pombo correio!

Desde 776 a.C., os pombos correio foram utilizados como mensageiros, devido ao seu senso de direção eficiente.

Em Atenas, o vencedor dos jogos olímpicos, Coroebus de Élida, recebeu o resultado por meio de um iluminado pombo-correio, um dos primeiros registros do uso dessa ave para enviar mensagens.

Além disso, a pomba é uma figura icônica e universalmente reconhecida como símbolo da paz, representando esperança e harmonia.

Moraes iluminou quando escreveu um dos maiores sucessos do carnaval.

A música fez sucesso onde quer que tocasse, é até hoje um sucesso pelo país.

Neste carnaval, fica – também – a memória e o legado dos pioneiros que transformaram a música e o carnaval baiano em SONZAÇO puro!

Em um mundo de tantas guerras – carnaval deve ser de paz!

Na quarta de cinzas elas voltam ao noticiários, às mídias, independente disso elas continuam.

Aqui, recordando o clipe de Moraes e Trio Elétrico Armandinho, Dodô e Osmar lançado no ano de 1987, “Pombo Cerreio” (Dodo / Moraes Moreira / Osmar).
Uma raridade! Pérola, pérola, pérola!

Dedico este singelo texto ao amigo Helder Barbosa, um carnavalesco de primeira, e um símbolo de união e generosidade. Aldeia Nagô, sempre presente! Ele conecta pessoas com seu espírito incansável, como um verdadeiro pombo correio.

Bom carnaval pra vocês! SONZAÇO!

Edição de 05.03;2025

Renato Queiroz é professor, compositor, poeta e um apaixonado pela história da música,.

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