O risco da decisão foi tão grande quanto o seu acerto. Por Gabriel Oliveira
Só a possibilidade de Lula voltar ao centro das decisões políticas no Brasil foi o suficiente para os operadores do golpe tomarem decisões tão arriscadas quanto.
O governo está ainda em coma induzido, mas não há a menor dúvida de que voltou a respirar.
Seu fim, ao contrário do que pensam alguns, não é certo.
Se fosse, a principal instância do poder judiciário no país não estaria agora preocupada com a decisão que irá tomar nos próximos dias.
Se o fim do governo Dilma fosse certo, Lula já estaria na prisão desde o dia em que Gilmar Mendes suspendeu sua posse como ministro.
A reação dos operadores do golpe à decisão de levar Lula ao ministério foi nitidamente tomada de improviso.
Arriscada demais.
Afinal, o que é mesmo “desvio de finalidade”?
Um ex-presidente não-réu tomar posse na Casa Civil?
Ou um juiz federal, horas depois do anúncio do novo ministro, retirar o sigilo de escutas altamente questionáveis divulgadas no mesmo dia e horas depois em que foram gravadas?
Pior: ligações que não revelaram nada, e provavelmente não vão revelar.
Moro é um político. E opera com políticos.
Independente das possíveis irregularidades na decisão de retirar o sigilo das gravações, o fato mais importante, sobre o qual obviamente a imprensa não disserta uma linha, é que o juiz tomou uma decisão essencialmente política, visando essencialmente a conjuntura política.
Nada, absolutamente nada, de processual.
Mas isso nós já sabemos.
O importante é que a decisão tomada pelo juiz na semana passada, ao que parece sob a autorização da PGR, foi uma jogada típica de quem esteve prestes a perder a condução dos acontecimentos políticos.
A intenção não é punir Lula.
Colocar Lula na cadeia não tem nada a ver com atos de corrupção. Isso é uma farsa.
Colocar Lula na cadeia tem a ver com impedi-lo de operar politicamente. Impedi-lo de estar no centro das decisões políticas, como de maneira acertadíssima pretendem ele e o governo Dilma.
Quando Lula entrar no governo, se ele entrar no governo, ele irá abalar completamente as articulações entre PMDB e PSDB para o impeachment no Congresso.
Se haverá tempo ou não para desarticular o golpe, agora é mera especulação. Mas a possibilidade de isso acontecer é muito grande.
Não simplesmente pela competência política do ex-presidente.
Mas por sabermos onde sua competência política, sua representatividade e sua passagem pelo governo federal o levaram.
Lula não é o principal alvo porque tem um sítio ou um apartamento não sei onde.
Lula é alvo porque apenas com ele no centro da crise seria possível fazer o que fizemos na última sexta-feira.
Eles jamais admitiriam publicamente, mas um milhão de pessoas nas ruas assustou demais os operadores do golpe.
Não porque foram maiores do que as manifestações pró-impeachment, até porque não foram. Mas porque ali eles perceberam que destituir Dilma e prender Lula não será tão simples assim.
Tirando as micro-organizações de esquerda e aqueles militantes de causa própria, todos os setores progressistas no Brasil responderam à altura nos últimos dias contra a possibilidade de golpe e o avanço do fascismo na sociedade brasileira.
Por isso também estamos há três longos dias sem grandes novidades.
A operação subterrânea e não-grampeada do golpe está refletindo melhor sobre o que pode e o que não pode, sobre o que deve e o que não deve fazer.
Disse a vários amigos na sexta-feira, depois da suspensão de Lula, que não achava que ele seria preso antes da decisão do STF. Mero achismo.
Disse isso, mas de lá pra cá não paro de atualizar o noticiário, no fundo esperando o grande espetáculo televisionado das algemas às mãos do ex-presidente.
Mas o juiz que pretende prendê-lo, como é um rapaz inteligente, já deve ter percebido a crise sem precedentes que ele mesmo criou no ambiente jurídico.
A posição da OAB é uma piada. Não me lembro a última vez que a OAB nacional esteve envolvida de verdade num processo de discussão e mobilização profunda para transformar e encontrar soluções para o sistema político brasileiro.
Mas fora a OAB, basta dar um “google” e ver quantos juristas extremamente respeitados no país inteiro já assinaram notas, compuseram atos políticos e declararam ao Brasil a preocupação com os rumos do processo que visa Lula atrás das grades.
Prender Lula antes do plenário do STF pode apenas agravar essa crise. E os operadores do golpe podem ganhar inimigos declarados também na Suprema Corte, o que não seria algo muito positivo.
Até parte da imprensa recuou no últimos dias.
O Estadão não, besta-fera do jornalismo de direita. Nem os veículos da Globo, arroz de festa dos golpes. Mas editoriais e vários articulistas, de direita e de esquerda, questionaram o todo-poder em Curitiba.
Isso tudo somado à probabilidade de haver uma reação nas ruas maior do que a que houve sexta-feira, torna a decisão de prender Lula mais difícil.
Pode ocorrer amanhã, mas as consequências podem também ser implacáveis.
De qualquer forma, sabemos que o futuro do governo, de Lula e da esquerda, além de sua capacidade de manter a mobilização mobilização social, depende muito das próximas decisões que serão tomadas por esse pessoal de toga em Brasília.
E nenhuma votação no STF costuma ser muito previsível.
Já vimos em situações anteriores que as decisões no STF parecem mais com uma disputa de pênaltis. Com a diferença de que ninguém lá gosta muito de usar camisa de time. Tirando Gilmar Mendes, claro, esse furúnculo da justiça no Brasil.
Acovardados ou não, os ministros sabem o peso da decisão que irão tomar.
Sabem que, seja ela qual for, haverá uma repercussão astronômica na opinião pública. E a “covardia” pode estar aí.
Sabemos que a sanha golpista no Brasil coincide com a sanha fascista.
No fundo, Lula é aquele menino amarrado no poste.
Não porque Lula e o menino são as mesmas pessoas. Nem porque ambos são inocentes. Nem sei se são.
Até porque o que importa para o golpe e para o fascismo não é a inocência, nem de Lula nem do menino.
O que importa é amarrá-los ao poste. Humilhá-los. Fazê-los pagar em praça pública, não por quem eles são ou pelo que eles fizeram, mas pelo que eles representam.
Representam a possibilidade igualdade que nem a direita, muito menos o fascismo querem ter por perto.
Lula e o menino nos representam. Por isso, passarão. Os golpistas, não.
Gabriel de Oliveira é jornalista.