Aldeia Nagô
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Santelmos da Tormenta ou Belas Noites. Por Rilton G. B. Primo*

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Rilton_Primo

Receamos que o Brasil esteja passando por um retrocesso de consciência de quase vinte séculos e meio de argúcias jurídicas, tragicômicas e proverbiais.

O aforismo “summum jus, summa injuria” (máximo do direito, injustiça máxima) já era difundido quando firmou-se legado latino no Livro Primeiro do “De Officiis” (Dos Deveres, nº 33), de Marco Tulio Cícero, a exatos 2061 anos (45 a.C). O paradoxo já tinha feito a Antiguidade rir-se com a comédia de Terêncio “Heautontimorumenos” (O Atormentador de Si Mesmo), da qual ouvius-se que “ius summum saepe summast malitia” (a máxima justiça costuma gerar a maldade máxima). Tal percepção não é sempre desprezada.

É característico do injusto a astúcia – frisou ali M. T. Cícero – a interpretação interessada do direito (“malitiosa iuris interpretatione”). Poderia ele ter acrescido ali que os paradoxais efeitos das aplicações excessivamente rígidas da lei só atingem os últimos graus de ruína da justiça se o abuso for seletivo na forma; in extremis, se é ardiloso na consequência colimada através da lei.

O solo econômico-político não é ético. Se o moralismo em qualquer gabinete local de contos de réis seria puerilidade, que esperar das esferas dos bilhões?

Aos altos escalões decisórios quem doa apoios às lutas cobrará com juros. Na luta política sua taxa não tem o mesmo sentido razoável que para o fisco. Depois de cada rodada, sistemas de doações legais recomeçam mais ávidos.

Sim, este dinheiro é capital (dinheiro que exige mais dinheiro), mas não só. Diferente de qualquer outro ativo ela equivale a todas as armas: ela é o poder.

Ou doar é vedado, prevalecendo a economia de contratos, ou o ilícito medra.

O sistema dos contratos e convênios é assediado por deseconomias ocultas.

Em países a rigor, quem é descoberto é preso, fuzilado etc. ainda que rico. Em outros, quem descobre certos desvios sofre ameaças ou acidentes letais.

Nas republiquetas, basta impor seletivamente a lei; quem é elite, sai impune.

O Brasil se enquadra entre os dois últimos casos. Hoje finge ser do primeiro.

A China, Rússia, Itália, EUA, UK e Japão aproximam-se dos dois primeiros.

Aqui, onde há moralismo, formam-se coros de sicofantas a serviço de elites.

Roberto Romano lembra que o termo “sicofanta” foi criado pelos atenienses; era o “delator dos que roubavam figos”. Rememora ainda que, nas comédias de Aristófanes, tanto “os delatores quanto os sicofantas são ridicularizados”, terminando por historiar à risca: “o emprego de alcaguetes marca os tiranos.”

Não é por acaso que está sendo tão citado o mote atribuído a Roberto Bobbio: “O fascista fala o tempo todo em corrupção. Fez isso na Itália em 1922, na Alemanha em 1933 e no Brasil em 1964. […]. Mas o fascista é apenas um criminoso comum, um sociopata que faz carreira na política”. É um involuir.

Agora mesmo, ou Lula fez como esperamos tenha feito (não produzindo nem dando azo a que se produzam provas contra si persuasivas) ou, se tiver sido incauto, vencerão uma vez mais os corruptos e corruptores de sempre, a quem a Justiça dá de ombros, enquanto Lula seguirá desde já sob o máximo rigor do sistema jurídico-policial, com direito a requintes de recursos legais.

Os que pedem a prisão de Lula defendem as doações e têm fortunas escusas. Após inúmeras vezes, o cúmulo da imoralidade é revivido como “legalismo”. Os criminosos delatores são tratados como heróis nacionais por juristas (in)constitucionais. Se só estivesse em jogo o Pré-Sal e 2018, era bastante à seletividade, abusividade dos procedimentos, fim escuso – Terêncio e Cícero.

O que está em jogo não nos parece ser nem a legalidade nem a ilegalidade.

Os antecessores e candidatos a suceder o PT são a elite culta, armada e rica, historicamente impune, oposta a políticas inclusivas de consumo e produção.

Isto não mudaria com a prisão de Lula, o fim da chapa e a destruição do PT.

Estas tragédias são possíveis, com provas ou não: teses de ‘domínio do fato’. Tragédias elevadas ao cubo: consolidarão estes procedimentos, ou a revolta.

Destas e outras Engels e Marx tinham a convicção de que o estudo da história não seria muito edificante. No entanto, para si era a única ciência, que em si tudo abarca, da natureza à sociedade; mas ela não é linear: avança, retrocede; existem dias que valem anos e vice-versa; seus motores? são as Revoluções.

As elites cuidaram antecipadamente para que o Brasil não lembre aforismos.

Calam que Niemayer tenha repetido que ao Brasil “só mesmo a Revolução!”.

Até quando o evolucionário será preso, julgado e condenado por criminosos?

Não antes que sistemas de doações sejam coibidos nas disputas da República.

Marx postulou que grandes acontecimentos históricos são tragédias e tendem a repetir-se, porém como farsas. Algo diverso ocorre à tragicomédia jurídica. Aparentemente pode ser reencenada até perder a graça, desafiar o bom gosto.

Se o povo vai fazer saltar o atual teatro legalista, não caberá às elites decidir.

À população de boa-fé pela qual nasceu e segue existindo toda República, Castro Alves cantara no Confidência que, quando vires as noites belas, onde voam a poeira das estrelas e das constelações, lembrai do abismo que a teus pés fermenta, e onde, como santelmos da tormenta, fulgem Revoluções!…

*Economista do Centro de Estudios por la Amistad de Latinoamérica, Asia y África – CEALA

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