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Aldeia Nagô
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Tem que dançar a dança. Por Zuggi Almeida

4 - 5 minutos de leituraModo Leitura

“Não se esqueça de mim/Não se perca de mim/ Não desapareça”.

Embalado por esse apelo Paschoal mergulhou no turbilhão da praça Castro Alves. Era o carnaval de 1978. No ar uma mistura de cheiros de lança-perfume, cannabis, suor, mijo e cerveja. Woodstock tinha ficado logo, ali na esquina. Era a época do desbunde em Salvador, desfraldava-se as bandeiras da androginia, ecoavam os versos pela paz e o amor livre.

A liberdade estava além de uma calça velha, azul e desbotada e a praça era o local permitdo para reunir todas as tribos na mesma aldeia. O fantasma da ditadura circulava por seus arredores, mas não arriscava tirar a máscara e cair na lascividade daquele território transgressor.

Paschoal morava perto da Castro Alves, num dos prédios decadentes do Largo Dois de Julho – um conjunto de imóveis antigos que abrigava a juventude universitária da época misturada a vendedores de carros usados, profissionais do sexo e pequenos traficantes.

Paschoal frequentava a turma dos pirados que circulavam pelos points culturais de Salvador na busca por vernissagens, lançamentos de livros e sessões de clubes de cinema. Eram as oportunidades para acessar à cultura e ao mesmo tempo degustar as bocas livres oferecidas nos fartos buffets desses eventos.

“ Eu quero é botar meu bloco na rua/ Gingar, pra dar e vender”

Florinda no meio daquele mar de corpos circulava beijando bocas sorridentes e diversas que encontrava pelo caminho numa excursão pela busca do êxtase e do prazer.

Na parte alta da praça em frente a um prédio sinistro com título de palácio estava improvisada a Escadaria do Pecado (espécie de passarela aberta para performances e ‘fechações” dos gays e travestis). Os degraus do Palácio dos Esportes era a própria escada para o céu e a afirmação definitiva no estrelato. As participações nos desfiles na praça não tratava-se de uma competição, mas, da pura arte transpirada através daqueles corpos, numa época de repressão política imposta pela ditadura militar no Brasil, desde 1964.

O show nas escadarias foi arrebatado por uma bicha que desfilou com uma concha como tapa sexo e a bunda de fora. A plateia foi ao delírio sendo interrompida com a chegada de uma escolta policial que decretou a ordem de prisão para o performático. Fernando Noy, o argentino foi conduzido até o posto policial da Barroquinha seguido pela troupe da praça que aos gritos exigia “Solta! Soltem a loura!”. Para a honra e glória daquela massa libertária, Fernando voltou feliz e triunfante para o reino da Praça do Poeta juntando-se a Marquinho Rebu, e aos demais astros e estrelas que cintilavam naquele território hedonista.

“Eu sou a filha da Chiquita Bacana/ Nunca entro em cana / Porque sou família demais”

Seria mais um beijo num turbilhão de bocas experimentadas e sorvidas por Florinda durante todo o dia. Mas foi um beijo bem diferente. Um beijo elétrico causando um frenesi semelhante a milhões de volts transitando velozes por poros, veias e acelerando o seu coração.

Ao retornar à terra, Florinda viu em frente, um Paschoal todo lambuzado de purpurinas e batom. Ele exibia o sorriso mais bonito e sincero de todos os carnavais vivenciados pela moça.

Entrelaçaram-se, beberam cervejas,conhaques e transformaram aquele carnaval numa festa privada. A imensidão da praça tornou-se pequena para celebrar um encontro sem início, meio, nem fim. O que importava era a magia do momento.

Amores de carnavais costumam ser efêmeros, alguns tornam-se eternos e outros são indefinidos. Paschoal e Florinda celebraram o pôr do sol fazendo amor na privacidade proporcionada por uma pilha de engradados de cervejas no fundo da praça. A noite chegou, com ela os trios-elétricos foram lentamente ocupando seus espaços na praça Castro Alves.

Mais um encontro para celebrar a vida, a liberdade e o amor. A apoteótica guitarra baiana cultuando Dioniso e seus filhos transgressores e verdadeiros.

O sol voltou a reinar na praça abrindo a Quarta -Feira de Cinzas. Paschoal ofereceu para Florinda um selinho de LSD. Usaram a dois, e logo o sol tornou-se mais escaldante, a primeira visão foi o mar da praia da Preguiça oferecendo um azul celestial e convidativo. Desceram a ladeira da Conceição acompanhados por um séquito de dragões expelindo labaredas coloridas, duendes travessos caminhando por uma floresta repleta de pássaros e araras azuis. Em frente ao mar, ficaram nús e mergulharam nas águas da Baía de Todos os Santos.

Mudaram-se para sempre pro reino de Yemanjá.

Nas noites dos carnavais seguintes, acima do horizonte da ilha de Itaparica, duas estrelinhas brilham nos céus no ritmo frenético do trio elétrico que balança o chão da praça.

Paschoal e Florinda.

Zuggi Almeida é baiano e escreve contos e crônicas.

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