Abaixe a guarda e prepare o coração para ouvir o que estudiosos revelam sobre
um dos temas mais explosivos da vida a dois.
O amor é uma vacina que imuniza a todos contra o vírus da infidelidade, certo?
Errado. Mas a traição não destrói a vida amorosa? Bem, não é exatamente isso que
os estudiosos do assunto dizem. MIRIAN GOLDENBERG, professora
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisa o tema há quase 20
anos e é autora dos livros A OUTRA e INFIEL (ambos da EDITORA
RECORD): "A ala masculina considera que a infidelidade faz parte de sua natureza
poligâmica. Os homens podem amar a esposa e desejar outras mulheres sem grande
conflito. Já as mulheres, tradicionalmente educadas para associar sexo e amor,
consideram que traição só é possível quando não se ama mais o parceiro, e sim
outra pessoa".
ARLETE GAVRANIC
, psicóloga, coordenadora de pós-graduação em
educação e terapia sexual da Faculdade de Medicina do ABC, em São Paulo:
"Dependendo do tipo de traição, as reações variam. Uma pulada de cerca eventual,
além de ser mais difícil de ser descoberta, não cria um vínculo. Por isso, é
mais fácil de perdoar, raramente abala um casamento estável. Já um caso de longo
prazo mexe com o relacionamento oficial e também com a estabilidade psicológica
do infiel". Afinal, trair dá trabalho: haja fôlego para inventar desculpas e
atender demandas emocionais e sexuais de duas pessoas ao mesmo tempo. Quando a
verdade vem à tona, a relação estremece e muita gente procura a terapia. "A
intervenção ajuda a entender o que ocorreu, mas não garante a salvação de nenhum
casamento."
ANA MARIA ZAMPIERI, psicóloga, durante cinco anos
acompanhou, na cidade de São Paulo, a história de 4 mil casais de camadas
sociais diferentes para sua tese de doutorado defendida na PUC-SP. O estudo
inspirou seu livro EROTISMO, SEXUALIDADE, CASAMENTO E INFIDELIDADE (ED.
AGORA): "A responsabilidade pela traição não é só do traidor, pois essa atitude
geralmente está relacionada à complexa dinâmica da vida a dois. A fidelidade é
um pacto que o casal tem que validar a cada momento, não apenas no dia do
casamento".
Com a ajuda dessas especialistas, revisamos a seguir alguns dos mitos
relacionados à traição.
Mito
Quem ama de verdade não trai
Fato
Pode trair, sim. "Mesmo que ame sua mulher, o homem
justifica a infidelidade pelo desejo de novidade e aventura, porque surgiu a
oportunidade, por crises pessoais ou no casamento", observa Mirian. Já as
mulheres dizem trair por sentir falta de carinho e atenção ou por achar que não
são mais desejadas pelo marido. Há também aquelas que traem para revidar as
escapadas do parceiro. "Em minhas pesquisas, notei que mesmo pessoas felizes no
casamento às vezes traem por curiosidade, para testar o poder de sedução ou para
chamar a atenção do cônjuge", afirma Ana Maria. Arlete acrescenta ainda outro
motivo, que vale para os dois sexos: "Em meu consultório, alguns contam que
traíram para reviver aquela sensação de excitação do início do namoro", diz ela.
"Por isso, é importante o casal investir sempre no erotismo."
Mito
A traição é quase inevitável em relações de longo prazo
Fato
Nem sempre. Em suas pesquisas, Mirian Goldenberg
assegura que conheceu vários casais com mais de 20 anos de casados e fiéis. A
receita? "A base desses casamentos é a amizade e a cumplicidade. Os casais
sentem que isso é especial, não querem se arriscar a perder por causa de uma
atração sexual passageira", diz a antropóloga. Para Ana Maria Zampieri, existem
etapas críticas que deixam os casamentos mais vulneráveis à infidelidade: nos
dois primeiros anos, quando a paixão perde o fôlego; por volta dos dez anos,
quando o sexo costuma ficar mais morno; e em torno dos 20 anos, sobretudo se o
casal não resolveu bem crises anteriores.
Mito
Tem um certo tipo de pessoa que trai
Fato
Não há um perfil único, pois a ocasião também faz o
infiel. "Quando a oportunidade se apresenta, as pessoas mais impulsivas podem
ter dificuldade de resistir ao desejo", diz Ana Ma ria. Por outro lado, há um
tipo com maior predisposição. "É o caso da figura muito narcisista, que tem
dificuldade de criar vínculo afetivo e é movida pela necessidade de testar
continuamente o seu poder de sedução", define Arlete. "Seja homem ou mulher, em
geral é alguém com auto-estima bastante comprometida, que procura se afirmar por
meio das conquistas."
Mito
Homem trai mais do que mulher
Fato
Pelo menos no Brasil, essa tese está comprovada. Há
controvérsias sobre quanto a mais". Nos últimos nove anos, Mirian entrevistou 1
279 pessoas de ambos os sexos das camadas médias cariocas, com idade entre 17 e
50 anos. Desse grupo, 60% dos homens e 47% das mulheres admitiram já ter
cometido uma infidelidade. Em outro estudo, realizado entre 2002 e 2003 pelo
Projeto Sexualidade (Pro-Sex), do Instituto de Psiquiatria do Hospital das
Clínicas de São Paulo, com 7 103 voluntários também de ambos os sexos, nas cinco
regiões do país, o índice de traição masculino ficou em 50,6% e o feminino em
25,7%.
Mito
O parceiro traído sempre sabe que isso está acontecendo
Fato
Nem sempre. Até porque nem todo mundo quer
esclarecer a questão. Boa parte dos homens ouvidos na pesquisa de Mirian
Goldenberg diz preferir não saber se a mulher trai. "Desde que ela pareça fiel,
para eles está tudo bem", diz a antropóloga. Já as mulheres, segundo Mirian,
buscam o tempo todo provas da fidelidade ou infidelidade do marido. No entanto,
ainda que captem sinais, tanto elas quanto eles relutam em admitir a situação.
"Dá medo de encarar a verdade", afirma Ana Maria. "Mesmo quem sente que há algo
errado precisa passar por um processo interno para admitir. E há quem ache mais
confortável fingir não saber."
Mito
A traição destrói o casamento
Fato
Não, na maioria das vezes o casamento continua.
Entre os casais que procuram Arlete no consultório com essa questão, 70% seguem
juntos. Porém, permanecer na relação não é necessariamente sinônimo de
felicidade conjugal. De acordo com a pesquisa de Ana Maria, muitos não se
separam por conveniência, por causa dos filhos, para não dividir os bens. "Na
prática, vivem divorciados emocionalmente. Apenas um terço dos casais supera a
traição e faz dessa experiência uma alavanca para melhorar o casamento", afirma
Ana. São aqueles que conseguem mudar o padrão do relacionamento: descobrem o que
os afastou e se reaproximam, passam a cuidar mais da relação.
Nós terminamos
"Casei muito jovem, com 21 anos, com um homem dez anos mais velho. Ele era um
executivo bem-sucedido, impecável, que planejava e programava tudo, até os três
filhos que tivemos. E me cobrava muito, queria que eu fosse perfeita,
organizada, certinha como ele. Não era o meu perfil, e me sentia sufocada. O
sexo era tradicional, sem graça. Tudo isso me deixava muito infeliz. No nono ano
de casamento, tive que fazer uma cirurgia e acabei me envolvendo com o médico
que me operou. Ele também era casado. Não planejei isso, aconteceu. Foram três
anos de idas e vindas, pois, apesar da atração que sentíamos um pelo outro,
havia muita culpa. Eu respeitava meu marido, um homem de caráter e bom pai, e
sofria com a situação. Logo no começo do caso, eu pedi a separação, mas sem
explicar o motivo. Meu marido não concordou, achava que era uma fase, que ia
passar. Tudo acabou quando uma pessoa - nunca descobri quem - ligou para meu
marido e contou do meu romance com o médico. Ele me perguntou se era verdade.
Confirmei e ele saiu de casa no mesmo dia. Depois que tudo passou, entendi que
essa traição foi uma válvula de escape de um casamento que não estava legal. Não
continuei com o amante e hoje meu ex-marido é um grande amigo."
JOANA*, 41 ANOS, PRODUTORA, SEPARADA, MÃE DE TRÊS ADOLESCENTES
Nós resistimos
"No final de 2006, meu marido confessou: havia quase dois anos ele mantinha
um caso com a secretária. Eu já desconfiava, três meses antes torpedos em meu
celular denunciavam a traição. Conversamos e ele negou. Depois começaram as
ligações para minha casa, de madrugada. Assim que atendíamos, a pessoa
desligava. Pressionado, meu marido resolveu se abrir. Disse que queria terminar,
mas ela o chantageava, ameaçava contar segredos de nossa família, chegou a
extorquir dinheiro. Morri de raiva com a revelação, mas não pensei em divórcio.
Contando os dez anos de namoro, nós estávamos juntos havia quase 20 anos,
tínhamos dois filhos pequenos, e ainda havia amor. Ele disse que tinha caído
nessa porque eu estava distante, havia me desinteressado até por sexo.
Sobrecarregada com a carreira e as crianças, eu me descuidara da vida a dois.
Mas achei que valia a pena lutar para recompor a união. Procurei uma terapia de
casal, troquei um medicamento que diminuía a minha libido, nossa vida sexual
melhorou. Estamos mais próximos um do outro. Nesse sentido, o relacionamento
está melhor do que antes da infidelidade. Mas temos várias arestas a aparar.
Perdoar a traição de coração ainda não consegui. A confiança nele também está
sendo reconstruída aos poucos."
CLARA*, 37 ANOS, OFICIAL DE JUSTIÇA, CASADA HÁ DEZ ANOS, MÃE DE DOIS FILHOS,
DE 7 E 5 ANOS
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