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Nem toda representatividade é positiva. Por Lorena Lacerda
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Sex, 06 de Maio de 2016 21:22

Lorena_LacerdaEstamos vivendo tempos onde a representatividade importa e muito, mas será que toda representatividade é positiva?

 

Responderei, cara leitora/caro leitor, tendo em vista o cenário político atual do Brasil. A tentativa de golpe está armada de todos os lados. O governo da Presidenta Dilma Rousseff está ameaçado por diversos atores, destacando - se entre estes a grande mídia (leia-se golpistas). A todo custo tentam deslegitimar o voto de 54,4 milhões de eleitores, que, democraticamente, escolheram-na para representá-los e gerir a coisa pública.

Mas o que entendemos por representatividade de fato?

Segundo o dicionário “Dicio online”, o significado de representatividade se qualifica na“Qualidade de uma amostra constituída de modo a corresponder à população no seio da qual ela é escolhida.” e o Priberam online define como “Qualidade reconhecida ao mandatado oficialmente por um grupo de pessoas para defender os seus interesses". Assim, representantes são pessoas creditadas para representar interesses, anseios e lutas de um determinado grupo, classe ou nação.

REPRESENTATIVIDADE NEGRA NA CÂMARA DE DEPUTADOS, E A PERGUNTA: SERÁ QUE TODAS SÃO POSITIVAS?

A Câmara dos Deputados é a casa legislativa do Congresso Nacional que representa o povo, ostentando, portanto, maior importância política na forma republicana de governo. Atualmente, a Câmara dos Deputados compõe-se de 513 Deputados Federais. Um dado perturbador, contudo, nos mostra o quanto é ínfima a participação e representação da população negra na esfera legislativa, população esta que consiste em 54% do total de brasileiros. Segundo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, apenas 10% dos Deputados declararam-se negros.

A ausência de negros e de seus legítimos representantes no cenário político é perceptível até para os estrangeiros. Angela Davis, filósofa, escritora e ativista negra

estadunidense, apresentou a seguinte crítica no Festival Latinidades: Não posso falar com autoridade no Brasil, mas às vezes não é preciso ser especialista para perceber que alguma coisa está errada em um país cuja maioria é negra e a representação é majoritariamente branca. Essa observação foi feita no ano de 2014, mas continua sendo a nossa realidade no presente ano de 2016.

Segundo José Antonio Moroni, atualmente quem comanda a política é o poder econômico; e, decerto, quem detém esse poder é a elite branca brasileira, que o vem exercendo na forma de legado familiar, perpetuando-se no poder por gerações. Esse aspecto reflete em uma representação legislativa extremamente elitista, formada por homens brancos, cis, que corroboram com retrocessos dos direitos das minorias, como os das mulheres, dos negros, dos LGBTs e da população pobre. Desse modo, é de suma importância a participação e representação dos interesses da população negra nesse órgão do poder, uma vez que neste tramitam e aprovam-se projetos de leis que, por seus conteúdos, são determinantes para a permanência ou mudança das condições de vida de negras e negros brasileiros.

No domingo passado (17/04/216), na votação do processo de Impeachment na Câmara dos Deputados, era de fácil percepção a estrutura vigente da política brasileira: o poder branco, visando, unicamente, proteção dos seus interesses. Eu, enquanto negra, criei grande expectativa quanto às fundamentações e votos dos poucos políticos negros presentes na Casa, e acabei decepcionada com os respectivos discursos. Na maioria dos votos dos Deputados (brancos e negros), víamos apenas a defesa ferrenha de seus próprios interesses (religioso, familiar, partidário) e, principalmente, os privilégios da branquitude. Um exemplo foi Márcio Marinho, do PRB, deputado negro, baiano, cristão, conservador e que disse SIM ao golpe ao lado de Cunha e de Jair Bolsonaro (este último, defensor do Coronel Calos Alberto Brilhante Ustra – torturador  e responsável por diversas mortes na época da ditadura).

Mais um exemplo de representatividade negra negativa é a Deputada Tia Éron, do PRB, baiana e cristã, que votou a favor do Impeachment.

A Parlamentar afirmou, em seu discurso, representar as mulheres negras e nordestinas, mas será que essa representação é honesta, verdadeira, legítima?

Muitas mulheres negras contrárias ao golpe, a Eduardo Cunha e à bancada conservadora cristã evangélica, se manifestaram nas redes sociais com a hashtag  #TiaEronNaoMeRepresenta, em repúdio à tentativa de representatividade da Deputada. Ademais, em seu discurso antes de apresentar o voto SIM, Tia Éron tratou das políticas públicas e demais programas do governo como "migalha", evidenciando uma fala extremamente equivocada, alheia às lutas, especialmente do povo negro que ela diz representar, e favorável à ideia da meritocracia. Como sabemos, milhares de pessoas negras e pobres conseguiram adentrar espaços universitários através das cotas, uma conquista do movimento negro dentro do governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva. Sendo assim, não há de se falar em migalha, Tia Éron, pois se trata de direito reparatório e a Sra. Deputada, enquanto negra, deveria defender tais projetos, lutar por menos exclusão e mais educação para o nosso povo.

Mesmo com todo apoio dado pela Parlamentar à direita, o Deputado Estadual Luís

Carlos Nogueira do PR emitiu o racismo disfarçado de elogio em postagem em rede

social: "você é negra, PORÉM, bonita inteligente, votou como uma verdadeira patriota

pelo impeachment da Dilma".

A frase em tom de adversidade a colocou numa situação excepcional de beleza e inteligência, contrariando a regra do que se considera como características das mulheres negras. Sueli Carneiro tem uma excelente citação que traduz com exatidão a referida situação, "entre a esquerda e a direita, eu continuo sendo preta". Ou seja, negros podem se posicionar em conformidade com os brancos e dizer SIM, mas estes mesmos brancos sempre lembrarão da cor da sua pele e os distinguirão por isso. Por isso, devemos reafirmar o compromisso dos políticos negros representarem as demandas do povo negro, porque em função da nossa negritude, já temos o mesmo lado do muro definido socialmente e racialmente.

No ano passado (2015), tivemos o debate sobre a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, encabeçado por Eduardo Cunha – presidente da Câmara dos Deputados. Mais uma vez, os parlamentares negros Márcio Marinho e Tia Éron falharam ao votar SIM, ao votar pelo encarceramento a juventude negra.

É preciso salientar a relevância de verdadeiros representantes em suas ações, por

isso digo e afirmo: “nem toda representatividade é positiva”. Acredito que o maior

número de votos dos políticos negros vieram de eleitores negros, pobres e periféricos.

Dessa forma, esses políticos têm como obrigação atender às demandas de seus eleitores, cuja cor é o pontual fator de identificação para com essas lideranças. É preciso ir além da ocupação de espaços. É necessário quebrar as normas do que é imposto para nós, sendo este o motivo pelo qual foram escolhidos. De alguma forma, os eleitores se identificaram, depositaram uma mínima esperança, e os colocaram para realizar modificações no sistema atual. Não adianta estar lá e não tocar na ferida exposta do racismo, machismo, conservadorismo, da LGBTFobia e das desigualdades socais. Não adianta adentrar nesse lugar e não atender os interesses do povo negro e suas multiplicidades.

REPRESENTATIVIDADE NEGRA POSITIVA: É PRECISO INTERFERIR NAS ESTRUTURAS VIGENTES

A sociedade brasileira é extremamente racista e machista, e se faz fundamental a

participação efetiva das mulheres negras para quebrar essas normas raci-machistas

impostas pelo poder vigente. Eu, enquanto mulher negra, aguardava ansiosamente pelo

voto delas na Câmara. E de fato, eu esperava por representatividade e, uma das mais

positivas, foi a da parlamentar Benedita da Silva, eleita duas vezes pelo Partido dos

Trabalhadores. Em seu posicionamento, ela falou em nome dos pobres e necessitados do país, pela Democracia e, contra a injustiça forjada ao governo Dilma, ela disse NÃO. Me senti representada e acredito que milhares de pessoas negras também.

Sua caminhada é de muita luta, nada diferente quando se fala de negras e pobres. De origem humilde, ela conseguiu se formar com 40 anos de idade em Serviço Social. Primeira mulher negra a ocupar a Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro e no Senado Federal. Diante de tais históricos, ela não esqueceu de seu passado e de com quem deve lutar e contra o quê deve lutar. Em sua página no Facebook, Benedita da Silva conta que passou fome, viveu sem energia elétrica e mesmo assim conseguiu vencer e colocar sua filha na UFRJ. Ela sabe bem o que é exclusão de cor e classe social, por isso se faz coerente e representativa à comunidade negra que a elegeu.

A segunda representatividade positiva é Valmir Assunção, Deputado baiano e também do PT. Ele homenageou a população negra, os periféricos, o Movimento Sem Terra, Dandara e Zumbi, o que foi de suma importância para localizar seus referenciais e sua negritude. Vicentino do PT – SP, falou em nome da classe operária, dos quilombolas, dos trabalhadores do campo e pela dignidade do governo Dilma. Diante de tais pontuações, eles disseram NÃO ao golpe e firmou estarem do lado do povo que os elegeu, mesmo com vaias e gritos contrários de puro racismo e ódio dos políticos de direita.

Por fim, é imprescindível avançar e muito no campo das representatividades

políticas. Para refletirmos sobre o assunto, pontuo novamente Angela Davis: Devemos

lutar não só para trazer pessoas negras para a esfera do poder, mas para garantir que essas pessoas vão romper com os espaços de poder e não simplesmente se encaixar nesses espaços. Podemos observar explicitamente que somos minoria num espaço amplamente branco. E, nesse número minoritário de negros, boa parte ainda não conseguiu representar o anseio de seu povo. A maioria deles, muitas vezes, ocuparam tais espaços porque prometeram cumprir prioridades negras, mas se associaram e se adequaram aos interesses brancos. Sendo assim, considero de forma urgente uma reflexão do que desejamos: Ter representatividade negra que se omite e ignora as dores do povo negro? Ou Ter Representatividade negra que compreenda o seu papel e interfira na estrutura racista e machista que exclui, agride, tortura e mata pessoas negras diariamente?

Bibliografia:

SERAFIM, Lizandra; DOS SANTOS Agnaldo. REPRESENTAÇÃO E REPRESENTATIVIDADE NOS ESPAÇOS DE PARTICIPAÇÃO CIDADÃ. Pesquisadores do Observatório dos direitos do cidadão/Equipe de participação do Instituto Polis.

Publicado originalmente em http://www.afronta.org/#!NEM-TODA-REPRESENTATIVIDADE-%C3%89-POSITIVA/c112t/5723c2f40cf228a96f16bba3

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