Segurem em minha meritocracia e balancem. Por Paulo Candido |
Ter, 19 de Julho de 2016 20:06 |
Vocês, que ficam me olhando de soslaio por causa destas minhas roupas de maltrapilho, deste meu cabelo desengonçado, das piadinhas de quinta categoria que largo aqui & alhures, podem até pensar, não sem razão, que sou um zé manoel.
Mas, em verdade, vos asseguro: eu, realmente, sou um zé manoel. Porém, modéstia às favas, eu tenho uns três ou nove amigos sabidos. Já sei. Querem provas, né? Então, recebam nos mamilos, amorteçam e distribuam esta crônica de alta categoria e responsabilidade escrita pelo menino Paulo Candido. De nada. Por Franciel Cruz - Bom dia, professor, aqui é Luíza, do Departamento de Desideologização de Material Didático da editora. - Bom dia, Luíza. Em que posso ajudar? - É sobre algumas modificações que precisamos que sejam feitas no seu livro. - Mas eu sou professor de matemática, filha... - Sim, mas tem uns problemas. - Meu livro é para o ensino fundamental... - Então. O seu caso é simples, o senhor vai ver. - Fale... - Logo no início, nos exercícios de adição. Tem o exercício 6 na página 23, "João não conseguia dormir então começou a contar os carneirinhos que, na sua imaginação, pulavam uma cerca". - E qual o problema? - O problema é que os carneirinhos pulando a cerca são uma crítica velada aos enclosements ingleses e uma referência à acumulação primitiva do capital. Propomos mudar para "franguinhos entrando no navio, que o pujante agronegócio brasileiro exporta para a Europa". - Ninguém conta frangos para dormir. - Justo, por causa da ideologia que sataniza o produtores rurais que põe comida na nossa mesa. Tem outro, mais para frente, na página 32, o exercício 7 diz que "Rita tinha 18 bananas e comeu 4". Bananas é uma referência ao Brasil como uma Banana Republic, não pode. - Troca por laranjas. - Aí seria uma crítica aos prestadores de serviço financeiros que ajudam os empresários a impedir que o governo tome seu dinheiro através dos impostos. Trocamos por abacaxis. - Abacaxis? Ninguém come quatro abacaxis. - Sim, também trocamos "comeu 4" por "vendeu 4 livremente realizando um justo lucro por seu esforço". - As crianças de 8 anos vão entender isso? - Vão entender se for explicado, se a ideologia deixar de ocultar delas como as relações comerciais fazem justiça a quem produz. - Ah, tá. Mais alguma coisa? - Tem mais umas coisinhas, eu mando por email. Mas o mais grave é a parte final do livro. Precisamos marcar uma reunião para rever os capítulos 7 e 8. - Divisão? - Isso. Divisão é um conceito marxista que não pode ser usado para doutrinar as criancinhas. - Mas como as crianças vão aprender aritmética sem divisão? - Nossos especialistas estão finalizando uma proposta. A ideia geral é mostrar que a divisão pode ser correta, desde que a operação reflita que, por exemplo, 100 reais divididos por 100 pessoas resulte em 99 reais para uma e o real restante dividido entre as outras 99. - Mas isso acaba com a Matemática! - Acaba com a Matemática Igualitária e Comunista que imperou até hoje, professor, e a substitui por uma matemática mais justa! Já temos até um projeto de lei para ser apresentado ao Congresso tornando obrigatório o ensino da Matemática Meritocrática! |
Última atualização em Ter, 19 de Julho de 2016 20:15 |
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