Há cerca de 2 semanas, recebi o convite para participar de um trio chamado RESPEITA AS MINA, um projeto da Maré Produções em parceria com a Secretaria da Mulher. O objetivo do projeto era chamar a atenção para os casos de assédio contra a mulher, principalmente no período do Carnaval. Larissa Luz, MC Carol e eu faríamos essa ação a partir da música, nossa ferramenta política.

Quem acompanha minha trajetória, sabe que sempre mantive posturas éticas alinhadas com questões pertinentes, dentre as quais aquelas ligadas à gênero e sexualidade. Sempre falei abertamente sobre minha lesbianidade.

Cantei e gravei o verso de Rita Lee “Lacinhos Cor de Rosa ficam bem no Sapatão” que atualmente ligo a versos de Raul Seixas por mim modificados: “subi no muro do quintal E VI uma transa QUE É BEM NORMAL, TODO MUNDO vai acreditar, eu vi duas mulher botando as aranhas PRA BRINCAR”.
Versos assim além de todo uma trajetória musical e ética, justificariam o convite para participar desse projeto.

Acontece que há cerca de 1 ano, recebi a visita de um cantor e compositor baiano. Naquela altura, eu estava escolhendo canções para o meu novo disco e sempre curti o trabalho desse cara, Fael Primeiro. Havíamos nos aproximado no último ano por conta da própria música. Nesse dia especialmente, pudemos estar mais perto. Conversamos bastante sobre variados assuntos. Depois de uma tarde aqui em minha casa, em Salvador, nos despedimos. Antes disso, fizemos uma foto que eu publiquei nesse mesmo dia em minha página oficial do Instagram e do Facebook.

Para minha surpresa, na ocasião, comecei a ler comentários acerca de acusações de violência sexual contra ele. Foram muitos comentários. Fui buscar informações sobre o ocorrido. Mas nesse momento o que me restou, e todas vocês sabem como funciona, foi a palavra dela contra a palavra dele e muitos pontos de vista acerca dos fatos. Podia ter tirado a foto, mas não tirei. Ao mesmo tempo e pelo mesmo prisma, não poderia defender o acusado. Nesse ínterim, minha caixa de mensagens explodia de textos agressivos de muitas garotas, de acusações contra mim, como se eu fosse uma extensão da violência sofrida pela mina.

Eu sinto muito, muito mesmo por tantas de nós mulheres que foram expostas e não tiveram justiça.

Quantas de nós mantém amizades com homens? Quantas de nós amam homens? Amá-los e recebe-los não pode nos fazer inimigas dos direitos civis para mulheres. Recebo meus amigos com amor mesmo sabendo que nesse regime do patriarcado, machista e misógino todo homem é um potencial violador. Nem todo homem é um violador, evidente. Mas todos têm a potência de ser. Ainda assim os recebemos. Entendo o barulho, o escracho, a exposição contra machos violadores. Mas sempre que isso acontece as mulheres por perto são brutalmente atingidas. Precisamos pensar em estratégias menos bélicas e mais assertivas, mais amorosas, mais cuidadosas.

Na noite de sexta-feira, soube que as garotas que há 1 ano comentaram a minha foto com o Fael e que me mandaram mensagens coléricas, estavam protestando contra minha participação no trio RESPEITA AS MINA, pois eu era segundo elas "uma cantora que apoiava, defendia estuprador". Fiquei atônita. Elas já não mandavam mensagens para mim. Começaram a atacar pessoas envolvidas no projeto, também mulheres, e nas mensagens usaram termos como “porcas capitalistas que monetizam a causa feminista”. Fiquei perplexa e muito triste.

Vimos a força dessa movimentação das minas que anunciaram um protesto no dia da saída do trio. As organizadoras e patrocinadora do projeto temeram pela ranhura que isso poderia causar na imagem do evento. Eu temi por minha integridade física, visto nível agressivo das mensagens. Decidiram por minha saída, sendo eu substituída por Tássia Reis.

Hoje, soube que esse mesmo grupo começou a pressionar todos os outros projetos nos quais estou envolvida no Carnaval, num tom de “exigência” da minha saída deles sob a justificativa de que virei uma "fiel defensora de estupradores”. E no plural. Ou seja, eu defenderia mais de um estuprador. Está errado.

Me pergunto: que tipo de feminismo está sendo praticado aqui? Onde chegamos? Como mulheres que exigem sororidade podem ter um comportamento tão facista e tirano contra outra mulher? Como podem pregar o discurso do ódio contra mim - uma outra mulher - e espalhar notícias de modo tão irresponsável, ferindo pessoas, comprometendo trabalhos (meu trabalho gera trabalho para tantas outras pessoas)? Como pode os responsáveis pelo evento, sabendo disso, não ampliar o debate acerca da questão, tentando dirimi-la, ao invés de fomentá-la numa decisão arbitrária de me retirar do trio? Como podem jornalistas espalharem manchetes falsas sem o mínimo de comprometimento com a verdade e com suas profissões, afirmando que eu "saí em defesa a acusado de estupro"?

Conheço diversas feministas de diversas partes do país, de diversas classes sociais, tenho relação estreita com algumas delas. Por isso, me vem a certeza de que essa prática não resume o movimento de mulheres, não encerra as mulheres maravilhosas feministas que tem avançado tanto na conquista de tantos direitos importantes para nós, para mim e para todas.
Nunca me manifestei sobre o caso Fael, pois como disse acima, não me vi na legitimidade para isso. Nunca escrevi uma linha defendendo qualquer estuprador, ou qualquer acusado de estupro. Jamais faria isso. Porém, tenho sofrido retaliações como se o tivesse feito. Aliás, como se eu mesma fosse uma violadora.

Eu sou uma mina. Eu quero respeito. Eu sou mais que uma mulher numa foto ao lado de um homem. Não posso ser resumida pelo homem ou homens que cruzarem meu caminho. Já fui penalizada por um crime que não cometi. Eu perdi um trabalho. Minha equipe perdeu um trabalho. Nada disso é justo. E a perseguição contra mim precisa acabar. Enquanto isso, todo o processo de proteção às mulheres vítimas de violência continua parado. O desmanche dos centros de acolhimento às vítimas de violência estão fechando em Salvador. Uma realidade nacional.
É muito triste perceber como as ferramentas de luta hoje facilmente são deturpadas. Vivemos numa histeria digital muito preocupante. Aterrorizante.
Aqui está o posicionamento de uma mulher. Espero que ele minimize os danos que eu, mulher, artista, cantora e raladora independente tenho sofrido. Peço que toda essa energia que está sendo posta na perseguição da minha pessoa, na invasão do meu espaço de trabalho seja posta na pressão nas relações com os homens. Estou falando de formação dentro dos princípios feministas. O meu canal aqui na rede está aberto para discutir, para fazer melhor, com amor e muito cuidado.

Um excelente Carnaval. Cheio de Paz.
E com muito respeito.
Axé.