3) Um problema político central hoje é quem consegue levar o centro para a sua manifestação. A direita, depois de muito tentar, conseguiu fazer isso em 2016. A esquerda, aparentemente, quer só a própria companhia.Vai à rua fazer as esquerdices de sempre, esquecendo-se de que o desapreço social pela esquerda é hoje uma força política devastadora. A direita se camuflou de centro e marcou um golaço no ano passado, enquanto a esquerda, agora magoada, voltou à velha mitologia do "nós, os puros, conseguiremos sozinhos". Ocorre que sem o centro, meus amigos, não se vai a lugar algum, nem nas ruas nem nas urnas.

4) Surpreendeu-me, por outro lado, a intensidade da adesão à paralisação, mesmo de pessoas que, como eu, têm profunda antipatia por greves. Normalmente, esperamos adesão de categorias cujos custos de participação em greves é baixo ou nulo, como servidores públicos e bancários. Ou de categorias com grande poder de causar transtornos sociais, como o setor de transportes. Mas desta vez eu vi profissionais liberais, pequenos empresários e trabalhadores da indústria compartilhando a convicção de que havia razões suficientes para parar. A pesquisa de opinião, publicada na Folha, sobre o índice de desaprovação social das reformas de Temer explicam sobejamente porque a disposição social em favor da paralisação foi tão positiva. E tende a crescer, eu acho, se convenientemente conduzida.

5) O momento para virar o jogo político contra o governo seria agora, pois nada mais afeta a vida de todo mundo, e de um modo de que ninguém está gostando, do que Trabalho e Previdência Social. Mas, (a) com a maioria dos jornalões militando pelas reformas, (b) com a esquerda politicamente em frangalhos e detestada pela opinião pública, (c) sem qualquer força política de oposição ao governo com capacidade de falar à maioria imprensada entre o "vem, Bolsonaro" e o "volta, Lula", a impressão que tenho é que temos roteiro, cenário, personagens e fala, mas nos faltam os atores para o papel.

6) Para os meus amigos da análise política, arrisco a hipótese: a saída, se há alguma, estaria no centro (centro-esquerda). Os tempos das vacas gordas para a esquerda acabaram. Ir de esquerda agora, às urnas ou à rua, é praticamente atiçar um pano vermelho na cara do touro. A centro-esquerda não me parece uma porta fechada.