Já disse, mas repito, pois o menino Nelson ensinou que aquilo que é proferido apenas uma vez permanece inédito. Então, recebam novamente na torácica minha definição sobre o que é o Baiano: aquela criatura que nunca consegue distinguir onde começa a irreverência e termina a presepada e vice-versa.

Do nada, sem nunca ter nem lhe visto, o sujeito já entra em sua semana. Se você estiver de bom humor, beleza. Caso contrário, é aquele transtorno. Mas ontem à noite eu estava de bom humor. Na verdade, a sensação era muito mais inoxidável do que apenas isso. É que procurei no aulete caldas e não encontrei nenhuma palavra para definir o sentimento depois do SHOW de Gal Costa.

Assim, quando o motorista descompreendido procurou logo a primeira gaiatice nem liguei muito. “Epa, volte. Não entre no carro, não, que eu não carrego torcedor do Vitória”. Consumido pelas vastas emoções e pensamentos imperfeitos depois de a canção torquateana 3 da Madrugada entoada lindamente por Gal ficar azucrinando meu maltratado juízo por umas boas horas, apenas respondi. “Leva para Amaralina”.

- Você quer ir por qual caminho?
- Oxente, rapaz, pela orla, lógico. Você não conhece a cidade, não, é? Mora onde?
- Subúrbio.
- Qual lugar especificamente?
- Alto da Teresina.

Vejam a porra. Do nada, a situação se inverteu e aí já era este rouco locutor que estava no papel de baiano, querendo entrar na semana de Tiago, eis o nome do santo.

- Rapaz, e este negócio de Uber tá dando dinheiro, com os gringos roubando este percentual todo?

De bate-pronto, ele deu uma resposta que me deixou desconcertado. “É uma desgraça, mas é uma maravilha”. E antes que eu perguntasse e tentasse entender os porquês do paradoxo, ele respondeu. “Pra quem há 15 dias estava com um isopor vendendo picolé, tudo é lucro. Além disso, o rapa, quando eu tentava vender cerveja, me dava muito mais prejuízo do que os americanos...”.

Recebo a galinha pulando e engulo seco. É verdade. O plantão da vida como ela é, que sempre nos pega de surpresa, é muito rigoroso, menino Nelson. Só não sou tomado por uma melancolia dos 600 DEMÔNHOS porque o sacrista fala igual a locutor de vaquejada e vai emendando uma história atrás da outra, sem parar. Quer dizer. Parou na sinaleira, no Rio Vermelho. E uma moça jovem, bela, nada recatada e do bar me olha fixamente. E ele dá a ideia. “Quer descer?”. Eu respondo, “não, não, por favor, segue para Amaralina e vamos cumprir o combinado da corrida”.

Então, ele diz. “Véi, você tem bom coração”. Eu respondo. “Oxente, rapaz, deixe de besteira. Só por que disse para você ir e cumprir o combinado?”. Então, ele arremata. “Não, véi. É outra coisa. Uma mulher desta olhando para você assim, você só pode ter bom coração porque, às vezes, a mulher olha apenas para o coração da pessoa. Só pode ser isso, pois você é FEIO como a porra”.

O resto do trajeto ele passa o tempo todo olhando para minha mal diagramada face e murmurando. “Véi, você é FEIO demais....”.

No final, ele larga o doce. “Rapaz, num fique triste não. Minha mãe, que sabe das coisas, também já disse que eu sou feio. Só que eu sou mais sabido do que você, pois quando apareceu uma mulher, que nem era tão bonita assim, eu casei logo, pois sei que coração de mãe nunca se engana e eu não ia dar chance ao azar”.

Foto alegremente linda da emocional Sora Maia, que tem coração de mãe.

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