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Reminicências e contradições: A terra. Por Franciel Cruz
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Dom, 14 de Maio de 2017 14:39

Franciel_CruzGeografia é destino. Eis um axioma inapelável do qual nenhum lugarejo pode fugir. E não seria o meu que, desta lei da natureza, iria ter isenção. E qual é o destino de Irecê, torrão natal deste sertânico locutor? Ora, padecer as dores e as delícias de irreconciliáveis paradoxos.

 

Pra começar, está encravado entre o semi-árido e o piemonte da Chapada Diamantina. Ao tempo em que usufrui das exuberantes belezas desta, sofre com as agruras daquele. Tem um espetacular lençol freático, mas sua água de beber é (ou era) salobra. A propósito, Irecê, que na linguagem indígena significa “sobre as águas”, por conta das longas estiagens recebeu o apelido de ireSeca. Mesmo detendo o título de Capital do Feijão, a imensa maioria do povo não tem o que comer. E em época de safra boa, poucos lugares no interior do país conseguem conviver com tanta fartura e indigência concomitantemente. No campeonato das desigualdades sociais, Irecê é o Brasil levado às últimas consequências.

Como bem diz um amigo meu, com sua filosofia de budega, “o futebol é o reflexo da vida e vice-versa”. Palavras da salvação. E é exatamente na seara pebolística que as contradições de minha cidade (na verdade, de minha rua) chegavam ao paroxismo.

Seguinte é este.

Exatamente no fundo de minha casa tinha o melhor campo de bola do mundo, muito mais lindo que o Maracanã. Dizem que o estádio carioca é o maior do mundo, mas em verdade vos digo: não chega nem no chinelo daquele de minha rua.

No entanto, mesmo estando a dois passos do paraíso, eu vivia num inferno. Com seu carrancismo dos seiscentos, meu inflexível pai não permitia que seus filhos se dessem ao desfrute de correr atrás de bola. “Isto é coisa de malandra”, decretava, assim mesmo no feminino. Os que ousavam desafiar tal ordem conheciam no próprio espinhaço os poderes de plantas como urtiga e cansanção.

Mas, nasci para pecar.

O Homem

Na minha infância querida que os anos não trazem mais, não conhecia Freud, mas já intuía que só nos tornamos homens quando matamos nossos pais e suas mais arraigadas convicções. Então, nem bem entrei na adolescência e decidi fugir de casa, brigando com meu genitor, rumo a esta bela e besta província da Bahia. E constatei, uma vez mais, que geografia é destino. Ao abrir a janela do 8º andar do apartamento de meu irmão no edifício Maria de Nazaré, na gloriosa Rua da Poeira, vi novamente o campo de minha rua, que agora atendia pelo nome de Fonte Nova.

Desta vez, não existia meu pai pra me proibir de entrar no campo, porém existia um inimigo muito mais poderoso: (a falta d)o Vil Metal. Então, ficava ali pelas brechas dos portões vendo os guerreiros Rubro-Negros jogando com uma gana incrível, mas sempre perdendo no final. Tudo culpa do juiz, do governador, do prefeito, do TRE, do diabo. Afinal, meu time sempre jogava melhor, principalmente nos 15, 20 minutos finais quando abriam-se os portões e eu entrava no meio do xaréu para orientar a equipe.

Senhor juiz, não pare agora, deixe o apito final para depois. Não posso terminar este capítulo sem contar como me tornei Rubro-Negro. Seguinte: quando ainda era menino pequeno, e lá se vão muitos séculos, meu irmão queria me transformar em botafoguense, time pelo qual eu nutria uma certa simpatia – até porque a referida agremiação só vivia perdendo. E, por ancestral formação comunista, sempre gostei de ficar do lado dos deserdados. Já um tio, muito gente boa, que gostava de música e outras mumunhas, tentava me transformar em flamenguista. Porém, como sempre fui patriota e regionalista ao extremo, costumava vibrar era com a gloriosa Sociedade Esportiva de Irecê (SEI). Nas tardes de domingo, sempre saltava o muro do Campão, Estádio Municipal Joviniano Dourado, para ver os espetáculos promovidos pela agremiação treinada pelo gênio Cambuizinho, o homem do esquema tático da tesoura e do elevador Lacerda.

Acontece que quando desembarquei em Soterópolis não pude trazer a SEI na bagagem. E, na escolha do time, guiei-me pela minha formação contraditória-marxista. Qual seja. Fiquei do lado do time mais fraco, que trazia o triunfo no nome, mas que naquela época, início da década de 80, não ganhava nada.

A Luta

E assim foi feito. E decidi, então, entrar em campo, ou melhor, nas arquibancadas, para mudar esta cruel e paradoxal situação. (Minto. Os primeiros jogos na Velha Fonte eu assistia na Geral – e mesmo assim porque ia andando para escola e aplicava o dinheiro do transporte em minha mais nova e incurável paixão). Porém, nem mesmo minhas orientações no Estádio surtiam efeito. O time continuava apanhando mais do que mulher de malandro. Mesmo com as constantes derrotas, sofria, mas não abandonava as trincheiras. E seguia torcendo, caminhando e cantando os sábios ensinamentos do gênio Batatinha. “Sofrer também é merecimento. Cada um tem seu momento”.

E meu primeiro e inesquecível momento veio em 1985. Juntamente com os guerreiros Demilson, Dema, Chagas, Fernando e Celso Roberto; Heider, Ivan, Lulinha, Jésum e, especialmente, Bigu e o nigeriano Ricky chegamos ao ápice da glória: conquistamos o campeonato baiano daquele ano.

A partir de então os inimigos, assim como as forças governamentais em Canudos, passaram a ser cada vez mais fortes e sanguinários. Mas, continuamos pelejando com honra e honestidade. A propósito, o Vitória é o único grande time do Brasil que chegou ao fundo do poço do futebol nacional, a Terceirona, e voltou ao seu devido lugar sem o inescrupuloso auxílio dos bastidores. Como recompensa, somos hoje o Clube que mais orgulha sua torcida, pois comemora aniversário com o maior reggaeman do Brasil.

E é por tudo isso que, mais uma vez, cedo às contradições. Apesar de ser visceralmente contra as efemérides, aqui estou neste 13 de Maio para louvar o Brioso Esporte Clube Vitória nos seus 118 anos de dramáticas e inolvidáveis pelejas.

Viva o Esporte Clube Vitória e viva Edson Gomes!!!

* Texto escrito em 2009 e adaptado às circunstâncias.

P.S.1 Esta homilia vai para Euclides da Cunha e todos os torcedores do Vitória, que no campo da luta sempre foram os melhores. E especialmente para Edson Gomes que vai dar a ideia e soltar a voz hoje no Parque Sócio Ambiental Santuário Ecológico Manoel Barradas, o Monumental Barraquistão.

p.S 2 Foto furtada do Memórias Ecv

A imagem pode conter: 2 pessoas, pessoas em pé, sapatos e atividades ao ar livre

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Última atualização em Seg, 15 de Maio de 2017 08:06
 

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