O evento ocorrido no Colégio Marista de Porto Alegre em 2015 - que voltou a ser notícia nas redes no dia de hoje - não só é revoltante, como demonstra claramente a mesquinhez arrogante do pensamento de parte de brasileiros classe-média privilegiados com acessos à cultura, saúde e educação.

O evento, chamado de "recreio temático", teve como mote a hipótese de "se nada der certo..."

Para justificar o que fariam, caso nada desse certo, alunos do terceiro ano colegial daquela instituição fantasiaram-se de atendentes de Mc Donald's, garis, garçons, empregadas domésticas, faxineiras, operários, cozinheiras, entre outras profissões consideradas por eles como as que "não deram certo".

Marcelino Champagnat, fundador dos irmãos Maristas, nasceu durante a revolução francesa. Foi canonizado durante o papado de João Paulo II, que reconheceu sua contribuição valiosa em prol da capacitação intelectual, da generosidade, do serviço social e da caridade. Suas palavras e gestos sempre foram exemplos de sua alma inquieta e revolucionária. Foi um grande homem.

Que reconhecia a dignidade como um valor humano fundamental. E que não media com réguas de status ou posição social a dignidade de ninguém.

É preocupante que no Brasil de hoje se cultue ainda o hábito de medir sucesso e fracasso de acordo com padrões estabelecidos por essa cultura predatória herdada por nossas regras segregacionistas da casa grande e senzala - que separam pessoas pelos seus bens, aparências e status social.

Não deixa de ser curioso que no Brasil, quando um artista é flagrado vendendo cachorro-quente na praia vire notícias. Que quando uma atriz famosa é fotografada dentro de um ônibus vire manchete de sites sensacionalistas. Que jornalistas de colunas sociais virem fofocas irônicas quando atendidos em hospitais do SUS.

Curioso também que muitos desses alunos irão, como muitos fazem, graças à sorte que tiveram de poderem estudar em escolas particulares e terem condições para tal, fazer intercâmbios culturais em outros países, para certamente trabalhar em lojas Mc Donald's, ou como babás, ou garçons. Na cabeça embriagada de conveniências e resquícios escravistas desses jovens vira-latas infantis, só é indigno exercer essas profissões no Brasil; profissões que, para pessoas como elas, deveriam ser ocupadas por pretos pobres da periferia, cujo acesso à faculdades e viagens internacionais tanto o ofendem.

Não à toa havia uma aluna com a camisa do PT entre os tantos brancos gaúchos da escola fundada por um homem que era filho de um agricultor e que passou a vida pregando a palavra de um filho de carpinteiro.

Inclusão social no Brasil é ofensa para quem não tem compreensão de que o que não pode dar certo, nem nunca dará, é o desrespeito, a prepotência e a ignorância politica.

Sou ex-aluno do colégio Marista de Salvador e tenho grande orgulho de ter crescido nesta tão valiosa congregação.

Tenho certeza de que as doutrinas de Champagnat, bem como os ensinamentos do colégio não corroboram com esta demonstração absurda de estupidez, insensibilidade social e pequenez.

Perdão por eles, Marcelino.

Os exemplos que nos foram passados por você não se aproximam desses maus alunos mimados.

Que tenha havido uma grande e profunda reflexão entre todos os alunos, pais, professores e diretores da escola sobre este episódio bizarro.

Afinal, esta é a função sonhada por Champagnat: ensinar para formar cidadãos melhores para o mundo.

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