O glamour do Pelô. Por Zuggi Almeida |
Qua, 29 de Janeiro de 2020 06:07 |
O Pelourinho/Maciel possuía um tipo de morador diferente no passado quando os suntuosos casarões eram habitados pela burguesia no sec. XVI.
No largo estava instalada a coluna de pedra onde negros escravizados eram açoitados num espetáculo macabro para deleite dos senhores e moçoilas encastelados nas sacadas coloniais.
Outro direcionamento habitacional levou a elite para ocupar os espaços das regiões do Campo Grande, Vitória, Graça e Barra. A decadência financeira originada pela mudança de endereço do poder econômico determinou o abandono da região do Pelourinho. O conjunto de arquitetura barroca foi ocupado por pessoas do povo, aí incluía-se trabalhadores de ofícios, moradores de rua e a prostituição originada pela degradação social. Esse ambiente fantástico foi romantizado na obra do escritor baiano Jorge Amado. Alí nas ruas do Maciel de Cima, de Baixo, Laranjeiras e próximas foi esboçado um cenário de farras homéricas, mulheres sedutoras e malandros hábeis no uso da navalha e no jogo da capoeira. O Pelourinho foi formado por um tecido social rico culturalmente, mas, ojerizado pela classe média da Bahia antiga. Morador do Maciel nos anos 60 era considerado malandro ou prostituta. Uma vaga de emprego só era conseguida se o endereço no Pelourinho fosse omitido pelo residente que usava um outro domicílio de parente que residia fora do Maciel.
Lembro na década de 80 quando levei uns amigos meus de classe média para provar do mocotó do restaurante da Tia Celina, no Maciel de Cima. A namorada de um dos desses amigos quando soube onde ele almoçou se recusou a beijá-lo na boca.
Nem uma boa escovada nos dentes com pasta Kolynos seria capaz de limpar aquela atitude preconceituosa. Nesse ambiente de boêmia foi efetuada uma intervenção governamental. Logo, após o Centro Histórico foi considerado um dos Patrimônios da Humanidade. O Pelourinho passou por um processo de revitalização nas suas construções e a população pobre foi expulsa para periferia da cidade, num tipo de assepsia humana. Restaram poucos moradores antigos residindo no local. A classe média voltou a frequentar o Pelô, de acordo com a nova denominação dada pelo marketing aquele sótio que estava estigmatizado. Ir ou estar no Pelourinho era ‘in’ e um ar chique circulava nos points eleitos pela playboizada da preconceituosa cidade de Salvador
O Pelourinho não ressurgiu apenas pela vontade política dos governantes nem pela força da publicidade tornando-se uma das maiores referências culturais no mundo. As entidades culturais fixadas no Pelourinho e formada pelos moradores como o Afoxé Filhos de Ghandi, o bloco afro Olodum e o balanço da música do Bar do Reggae foram as referências que atraíram estrelas do pop mundial como Paul Simon, Michael Jackson e Jimmy Cliff. Esquecidos no passado ficaram o cheiro do perfume barato usado pelas putas e o aroma adocicado da marijuana que emanava dos becos escuros. O certo é que o Pelourinho tem uma magia inexplicável capaz de minimizar as distâncias sociais, a ponto da turista branca colocar um tereré rasta nos cabelos sedosos ou o senhor alemão exibir uma pintura tribal da Timbalada no braço gordo. Eles se permitem imaginar ser negro por um dia, sem jamais ter experimentado a dor do chicote no lombo nas senzalas senhoriais ou a violência das blítzes policiais dos dias de hoje.
Existe, sim, um Maciel/Pelourinho verdadeiro fruto da resistência do povo negro que continua habitando aquele espaço mantendo a dignidade e a essência apesar da caricatura glamurosa das telas globais.
Ontem, domingo à tarde fomos conjugar o Olodum no tempo presente e vimos o poder da resistência do povo negro. Testemunhamos a riqueza do samba reggae e sentimos que naquele momento o coração do ser vivo chamado Salvador batia no ritmo daqueles tambores.
Vida longa ao Olodum !
- Você já foi no Beco do Mota, nega?
- Não ?
- Então vá !
* Zuggi Almeida é baiano, escritor e roteirista.
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