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O Outro no Espelho por Luiz Sérgio Souza *
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Sex, 10 de Maio de 2013 04:45

Luiz_Srgio_Souza2Às vezes, a gente se olha no espelho e diz para a imagem algo como: “você precisa se orientar”. Diante dessa cena, podemos propor as seguintes questões: Quem é “você”? Quem é esse “outro” que aconselha?

Essa divisão do indivíduo – ainda que esta palavra evoque a ideia da indivisibilidade – em dois é um fato mais corriqueiro do que parece. O simples ato de mencionar “eu sou” já nos remete a esta duplicidade: um que “é” e outro que afirma ser. Em outras palavras, um que existe e outro que contempla essa existência. Essa reflexão pode parecer trivial, mas, na realidade, trata-se de uma constatação que nos remete a águas profundas.

Essa divisão nos faz diferente dos outros animais. Eles apenas “são”. Nós “somos” e simbolizamos este “ser”. Isso nos faz “outro” para nós mesmos e, consequentemente, faz com que internalizemos mentalmente a imagem do outro que nos vê. Algo como se olhássemos no espelho sempre com olhos que não nos pertencem. Afinal, se estamos preocupados com nossa aparência, para quem queremos “aparentar bem”? Portanto, internalizamos a imagem do olhar do outro, toda vez que olhamos para nossa imagem.

Esse olhar, porém, transcende o instante da mirada no espelho. Vivemos com o olhar do outro sobre nós; um olhar subjetivo, construído pela nossa crença na maneira pela qual somos vistos. Onde quer que estejamos, sentimos a presença e o peso desse olhar cheio de juízo de valores. Valores que estão em nós mesmos e os projetamos no outro imaginário.

Esse olhar é sempre “pesado”. Quem não se sente um tanto quanto sem jeito ao chegar a uma recepção, na qual dezenas de pares de olhos observam atentamente cada recém-chegado?

Disso resulta o fato de que acabamos por nos incomodar mais com uma mancha em nossa roupa do que com uma deformidade num órgão interno. Se essa afirmação soa exagerada, considere que sabemos não sermos portadores de órgãos imaculados, mas isto não nos impede de circular em uma festa completamente à vontade, mas, se flagrarmos, por acaso, nossa imagem refletida e notarmos uma pequena tacha em nossa roupa, apressamo-nos, constrangidos, a corrigir essa mácula.

Isso nos torna seres especulares. No dia a dia, enxergamos apenas aquilo que pode ser refletido no espelho. Nossa aparência social é aquela do exterior, nossos órgãos internos e nosso caráter não estão expostos aos olhos do outro. Por isso, uma pessoa impecavelmente vestida, mesmo que tenha um caráter ignóbil, poderá ser a “estrela da festa”, enquanto aquela, de caráter impoluto, usando um traje incorreto, transforma-se numa “figura desprezível”.

Numa das cenas finais do filme Tropa de Elite, surpreendemo-nos com a súplica do bandido que sabe estar prestes a tomar um tiro mortal: “no rosto não, vai estragar o velório”. Não podemos deixar de pensar na irrelevância daquela preocupação por parte de quem encara seus últimos segundos de vida.

Na antiga Grécia, na cidade de Mileto, por alguma razão, as jovens começaram a se enforcar. Logo, essa “moda” transformou-se numa epidemia que deixou o governo local preocupado. Depois de algumas tentativas vãs de solucionar o caso, os legisladores decidiram que as suicidas seriam conduzidas nuas pelas vias públicas até o cemitério. Essa medida fez com que a “moda” acabasse imediatamente. Mais uma vez, deparamo-nos com uma preocupação do olhar do outro sobre nós, mesmo quando não estivermos mais aqui para nos afetar com as coisas deste mundo. A imagem interna do olhar do outro é algo tão intenso que a projetamos para além das nossas vidas.

O grande problema com esse olhar sobre nós, que carregamos pela vida a fora, é que ele pode tornar-se excessivo e bastante incômodo. Às vezes, esse incômodo é tão intenso que algumas pessoas não conseguem seguir adiante na vida.

Quando um psicanalista recebe alguém para uma sessão de análise, sabe que escutará a queixa advinda do incômodo desse olhar imaginário, que assume inúmeras expressões. O que se busca numa análise é, entre outras coisas, aliviar-se desse fardo para que a vida se torne mais aprazível.

Lacan, o grande psicanalista francês, afirmava que um dos motivos pelos quais se vai a um analista é “para desinflar o olhar do outro sobre si”.

Artigo publicado originalmente em http://luizsergio.net/o-outro-no-espelho/

* Psicanalista

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