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Pensar por Luiz Sérgio Souza
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Ter, 04 de Junho de 2013 03:30

Luiz_Srgio_Souza2O que queremos dizer quando afirmamos: “eu penso”? É o ‘saber fazer’? Quando alguém diz: “eu escrevo”, está afirmando que sabe como escrever e será capaz de ensinar, ainda que restritamente, a alguém que não saiba. O mesmo se dá com “eu leio”; “eu cozinho”; “eu dirijo”, etc.

Mas, quanto ao pensar? Imagine que você, que pensa, tivesse de ensinar a alguém que não soubesse (Adão, recém-soprado, numa hipótese fantasiosa), como seria a lição? Qual seria o bê-á-bá do pensar? Imagine-se dando essa aula.

Concordamos todos que há um saber no universo que ordena o Caos em Cosmos. Temos uma tendência a antropomorfizar o saber. Imaginamos que, quando há um saber, há um ser humano, ou super-humano, que o detém.  Concebemos sempre um sujeito possuindo-o, pois não conseguimos entendê-lo sem que alguém esteja por trás dele. Por que essa concepção? O universo, embora não seja antropomórfico, pode ser o detentor do saber. Aliás, ele possui todas as formas. Por que a forma humana é tão fundamental? Se isso fosse condição básica do saber, o universo não teria surgido e se tornado cada vez mais complexo muitos bilhões de anos antes do aparecimento do homem.

O pensamento é fruto de um saber. Quando um pensamento nos ocorre, consideramos que somos nós que o elaboramos. Mas como se constrói um pensamento? Muito já se consumiu na tentativa de solucionar essa questão. Se não sei como construí-lo, como posso dizer que sou eu que o produzo?

O pensamento me ocorre, mas não sou o seu criador. Isso nos soa muito estranho, acostumados que estamos com o “eu penso”. Essa expressão serve de base até para nos certificarmos da nossa existência, ainda que Descartes – um pensador de gênio incomensurável –, nas discussões populares, seja considerado algo ultrapassado. Na moda atual, dizer para alguém que o seu pensamento é cartesiano é a melhor maneira de demolir seus argumentos. Mas as razões da moda não se pautam na lógica.

Contemplemos um pensamento que não é produzido pelo “eu”, mas o produz. Um pensamento me sobrevém, tomo-o como sendo minha criação e identifico-me com ele. Ao invés de pensar, sou pensado, e este pensar me faz acreditar que existo. Ou melhor, a crença de que o pensamento é meu é que me constrói. O “eu” é um mito em que acredito, por acreditar que é ele quem pensa. Mas, se o pensamento não pertence ao “eu”, de onde se origina essa crença? Ela seria mais um pensamento que eclode, fazendo parecer que é necessário um sujeito para produzi-lo.

Há um tipo de pensamento que nos ocorre para o qual não somos tão ávidos em reivindicar a autoria. Quando sonhamos, somos assaltados por ideias que parecem vir “de fora”.  Achamos graça dos nossos sonhos. Às vezes, eles nos assustam, e os narramos para os amigos, como se tratando de material estranho à nossa vida mental. Os sonhos podem ser considerados pensamentos que nos ocorrem sem que participemos da sua elaboração. Isso é correto se considerarmos como nossa participação a interferência do “eu” consciente. No passado, acreditava-se que se tratava de avisos sobrenaturais. Ainda hoje, há muita gente que acredita. Quantos de nós sonhariam com um número, sem sequer pensar em jogá-lo na loteria? Eles são, portanto, material estranho. Ao contrário, aqueles pensamentos que surgem em nossa vida de vigília, são considerados como sendo nossos e por nós elaborados.

Consideremos a associação de ideias. Não podemos evitar certos pensamentos que estão associados a alguns outros. Para ficarmos num simples exemplo, imaginemos um brasileiro alfabetizado a quem se pergunta: “Quem descobriu o Brasil?”, tentando evitar que lhe venha à mente a ideia: “Pedro Álvares Cabral”. Mesmo que queira fazer uma piadinha e responder “Cristóvão Colombo”, o nome do descobridor, que aprendemos na escola primária, terá saltado à sua mente, antes mesmo que pense na simplória piada. Não temos como fugir a esse pensamento, ele está associado àquele da pergunta e se impõe à nossa volição. Um exemplo, que poderíamos chamar de “primário”, mas que demonstra o quanto estamos enganados sobre algo tão relevante: o domínio que possuímos sobre os pensamentos que fervilham em nossa mente.

Poderíamos argumentar: “mas quem tem a ideia da piada sou eu”. Mais uma vez, o nome “Cristóvão Colombo” está associado a outro descobrimento, e a ideia de dar uma resposta errada, quando todo mundo conhece a correta, nos vem à mente como algo engraçadinho. Alguns entre nós evitariam a piada, como sendo pueril, outros a considerariam digna de menção. Mas, e essa consideração não se trata de uma ideia do “eu”? Trata-se de mais um comando que lhe vem à mente, elaborado pelas associações experimentadas ao longo da vida, fazendo com que possa distinguir uma anedota graciosa de uma patética. As associações entre as ideias se dão independentes da articulação do “eu” e até mesmo fora de sua percepção.

Para Freud, o “eu” comporta-se como um palhaço no circo, que diverte o público, fingindo que comanda os operários que mudam o cenário entre os espetáculos, exatamente porque fica claro para todos que seus comandos são palhaçadas. O “eu”, portanto, é um palhaço que faz de contas ser dono das ideias que lhe aparecem, quando estas, na verdade, lhe ocorrem inesperadamente.

Mas de que forma participamos dessa elaboração? Criamos os pensamentos de vigília, ou já os recebemos prontos, assim como os sonhos? Caso a última afirmação seja verdadeira, qual seria a participação do “eu” na articulação das ideias? Talvez um mero articulador daquilo que pode ser aceito pelas convenções sociais e pela autoimagem que construímos de nós mesmos. Uma vez aceito o pensamento como “correto”, nós o declaramos e o proclamamos nosso.

Penso?

Penso?

Nietzsche anuncia:

Quanto à superstição dos lógicos, nunca me cansarei de sublinhar um pequeno fato que esses supersticiosos não admitem de bom grado – a saber, que um pensamento vem quando “ele” quer, e não quando “eu” quero; de modo que é um falseamento da realidade efetiva dizer: o sujeito “eu” é a condição do predicado “penso”. Isso pensa: mas que este “isso” seja precisamente o velho e decantado “eu” é, dito de maneira suave, apenas uma suposição, uma afirmação, e certamente não uma “certeza imediata”. E mesmo com “isso pensa” já se foi longe demais; já o “isso” contém uma interpretação do processo, não é parte do processo mesmo. Aqui se conclui segundo o hábito  gramatical:  “pensar é uma atividade, toda a atividade requer um agente, logo –”. (Além do Bem e do Mal, aforismo 17).

“Toda atividade requer um agente, logo –”. Logo, nos apossamos da autoria das ideias que nos surgem. É tipicamente humano: “Não tem dono? É meu”.

Artigo publicado originalmente em http://luizsergio.net/pensar/

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