Aldeia Nagô
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Voltei a Ibiúna 56 anos depois. Por Aécio Pamponet

3 - 4 minutos de leituraModo Leitura

Naquele outubro de 1968, era uma cidadezinha de 6 mil habitantes; hoje, feia e desarrumada, já tem mais de 80 mil moradores.

Foi o saudosismo que me levou. Precisava conhecer o monumento em homenagem aos estudantes presos no Trigésimo Congresso da UNE, (alguns deles assassinados depois pela Ditadura) e implantado na sua praça principal, em 2010.

Bendito saudosismo!

Afinal, aquele Congresso, interrompido por 5 mil homens bem armados da então Força Pública de São Paulo, continua como um marco da minha militância política e da minha própria história de vida.

Carrego comigo essa honra.

Era ainda muito jovem, mas tinha certeza de estar do lado certo e disposição para lutar contra o “dragão da maldade”.

Depois de informado que o monumento tinha sido removido da praça central para um local secundário e isolado, cheguei a um pequeno canteiro, mal cuidado, na confluência de ruas onde os carros passam em alta velocidade.

Então, vi-me diante de ruínas daquilo que foi feito para ser símbolo do idealismo de uma geração que lutou pela restauração da Democracia no Brasil.

A escolha do novo local e o estado de abandono em que se encontra não deixam dúvidas de que a mudança foi um ato político mesquinho da administração municipal, visando a sua destruição.

Não por acaso o Prefeito se confessa bolsonarista.

Malgrado esse crime contra a história das lutas estudantis, o que resta de perceptível comove, fazendo-me reviver uma época que me modelou, estruturalmente, defensor das liberdades e dos desvalidos.

O descaso agride o simbolismo da lista de estudantes presos e das fotografias esmaecidas daqueles que foram covardemente assasinados.

Ali estão expressas duas épocas antagônicas: a da resistência à tirania e a do retrocesso tosco, primário e cruel, que foi temporariamente derrotado, mas que ainda teima em mostrar as suas garras e nos ameaçar como uma besta-fera.

Revivi, com incontida emoção, aquele período extraordinariamente rico da minha juventude, ao tempo em que não consegui afastar a dor da frustração, que me acompanha neste ocaso de vida.

No meu nome e nos dos companheiros que lá estão relacionados e condenados ao esquecimento, procurei e não encontrei a intrepidez e o otimismo que nos fizeram cidadãos.

Perguntei a mim mesmo e não obtive resposta: o que foi feito dos nossos propósitos de justiça social?!…

Relembrei com saudade a fraternidade que nos unia, independente de diferenças pessoais e rusgas ideológicas.

Revivi momentos de apreensões e violências, mas, também, de alegrias incontidas.

Fechei os olhos para buscar mentalmente o país que sonhávamos construir, com certezas questionáveis e propósitos sinceros.

Nada vi.

Quando abri os olhos, lá estava a cara de anjo barroco do irmão Duda Collier, torpemente assassinado, ao lado de fotos e nomes de tantos outros irmãos, já em estado de decomposição.

Antes de ser tragado pela emoção, ainda tive tempo de me imaginar, indignado, perguntando a Carlos Sarno, Ângelo Oliva, Aldo Carvalho, Filemon Matos, Helvécio Aguiar, Aurélio Miguel, Eduardo Saphira, Marie Helène, Isadora Browne, Luiz Carlos Tunes, Margarida Ribeiro e a tantos outros companheiros ainda presentes na minha lembrança : nossos sonhos foram reduzidos a esses destroços?!…

Os trogloditas de ontem e de hoje tentam apagar a história, para levar ao esquecimento uma época em que lutar contra a tirania era dever, também, dos quase-meninos, que éramos.

A necessidade de destruir, ocultar ou distorcer o passado lhes é própria.

Mas, eles nunca aprenderão que a escuridão da madrugada é o prenúncio do nascer do sol.

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