Aldeia Nagô
Facebook Facebook Instagram WhatsApp

A Mudança do Garcia de todos os carnavais. Por José Coelho

3 - 4 minutos de leituraModo Leitura

Hoje quando se fala do Carnaval de Salvador, é impossível não se referir à Mudança do Garcia. Ninguém sabe com certeza quando a Mudança do Garcia começou a desfilar pelas ruas da cidade ou que fatos concorreram para que os moradores do Garcia colocassem esse nome na grande manifestação da segunda-feira de Carnaval.

Os participantes mais antigos afirmam que a Mudança teve início entre as décadas de 20 e 30 e que seu nome foi uma alusão à expulsão de uma prostituta famosa que numa segunda-feira de Carnaval, havia se mudado da Rua do Baú. A história contada pelos moradores, da conta que após a comunidade descobrir a profissão da vizinha (a prostituta), começou a pressioná-la a mudar do bairro. A mudança foi feita numa carroça e acompanhada pela algazarra da garotada do bairro. Alguns moradores relatam que a carroça que fez a mudança da prostituta, era de propriedade do pai do sambista Riachão, que morava no Garcia na época.

Por conta disso, surgiu a Mudança do Garcia, onde sua presença era esperada nas segundas-feiras do reinado de Momo. Essa é a História preferida por todos. A memória mais recente dos participantes da Mudança do Garcia, conta que o nome se refere às mudanças na estrutura física daquela comunidade.

Sabe-se que, após o término da 2a Guerra Mundial, mais ou menos nos anos de 1947 ou 1948, alguns músicos da Polícia Militar, entre eles os irmãos Zequinha e Candinho, juntamente com os saudosos Maromba e Waldomiro, fundaram um bloco chamado “Arranca Tocos”. Era uma alusão ao barro e tocos facilmente encontrados em algumas ruas do bairro. Na Fazenda Garcia não havia calçamento e a infraestrutura era muito precária. Em 1950, o “Arranca Tocos” cedeu lugar à “Faxina do Garcia”, que ficou notória pela poeira e bagunça que provocava arrastando uma grande multidão. Seu nome reportava ao costume dos que saíam para brincar com latas, baldes com água, vassoura e panos, lavando os passeios das casas depois da passagem da turba alegre.

A crítica social já pairava no movimento do bairro, com seus moradores satirizando suas próprias mazelas. Com a interferência de Ebert de Castro como vereador e do apoio do prefeito da época, Heitor Dias, é que aquela parte do bairro tão desprestigiada, foi pavimentada mudando completamente as suas feições. Então, em 1959 o bloco passou a se chamar “Mudança do Garcia”.

Nos anos repressivos da década de 60, o movimento ganha uma força social e política sem precedentes, afinal era uma das poucas formas livres do povo se expressar, ganhando mais espaço na imprensa nacional e atraindo uma leva de intelectuais, políticos e artistas. Neste processo emergiu o caráter democrático de resistência e protesto do Carnaval da Bahia, com suas sátiras, sua irreverência e compromisso com a verdade, que perdura por mais de meio século. Na verdade, a Mudança do Garcia incorpora a união de diversos setores sociais, que saem às ruas com o objetivo claro de satirizar tudo e todos.

A Mudança do Garcia é o único sobrevivente dos blocos espontâneos, onde o povo pode brincar sem estar limitado às estruturas de blocos de corda e sem gastar nada com fantasias. As pessoas vão se incorporando de qualquer jeito, sem planejamento e de forma muito natural à passagem do bloco. Outros blocos também vão se incorporando à Mudança do Garcia como Amigos da Mudança, A Navelouca, Pagodão do Caçote, Arrastão dos Cornos, Embaixada Africana, Nacionais do Samba, Chegando Bonito, Barca Furada da Federação, A Turma da Carniça, Saladeira do Garcia, Pierrout de Plataforma, Rola Cansada, Os Condenados, As Nigrinhas do Garcia, Grupo do Cafezinho, Turma da Caneca, Comelixo, blocos de travestis, o Homem do Prato Mágico, bandas de vários sindicatos, intelectuais, políticos, artistas e outros grupos que sempre aparecem de última hora.

É também o resgate dos antigos carnavais de rua de Salvador, quando o folião comum não precisava disputar espaço com os blocos de trio. Sempre sai na segunda-feira de Carnaval, levando muita alegria, descontração e paz para todos os seus foliões. Tradição é tradição, não pode morrer não!

José Coelho foi professor da Escola de Música da UFBa.

Compartilhar:

Mais lidas

Um comentário

  • Renato Queiroz disse:

    Mestre Coelho, que texto maravilhoso!
    Parabéns, a Mudança do Garcia é essencial!

    Forte abraço

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *