Aldeia Nagô
Facebook Facebook Instagram WhatsApp

A Venezuela que vejo e vivo por Felippe Ramos *

2 - 3 minutos de leituraModo Leitura
Felippe_Ramos2

Uma é a Venezuela que leio nas opiniões de brasileiros que nunca pisaram no país porque preferem viajar para Miami e Paris. Outra é a Venezuela que vejo e vivo.

A despeito dos inúmeros e imensos problemas e falhas do chavismo, e dos problemas que estão por vir, uma coisa é certa: uma das conquistas do chavismo foi democratizar o direito à cidade. Ao contrário da privatização do espaço público que vemos no Brasil, a cidade de Caracas é vivida pelo povo mais pobre.

 

Ontem fui a uma ópera de Bizet no belíssimo Teatro Municipal, localizado no centro da cidade. O ingresso custou 3 reais. Quando fui ao Teatro Municipal do Rio tive que pagar 80 reais por um ingresso em um lugar mais simples. Claramente havia uma diferença entre as classes sociais que estavam presentes na ópera no Rio – classes altas e médias altas – e em Caracas – povo comum, senhoras simples, crianças, gente que foi e voltou para o teatro de buzú. No intervalo da ópera, ao invés de caríssimas taças de vinho, como no Rio, o povo tomava café ou chocolate quente por 50 centavos.

O Sistema de Orquestras venezuelano fez a música clássica, o balé e a ópera serem parte do cotidiano de muitos jovens de classes baixas beneficiados pelo programa governamental. Depois caminhei pelo centro da cidade à noite, praças cheias, muitos jovens, mas também idosos e adultos com seus filhos. Nenhum pedinte, nenhum carro caro estacionado nas calçadas, nenhum flanelinha, nenhum policial maltratando meninos de rua, nenhuma cracolândia paulista.

A política venezuelana tem muitos traços desagradáveis, mas o cotidiano em Caracas (exceto para classes mais altas) é, tipo, 253 vezes melhor do que a vida em Salvador hoje. E isso, para o povo, já está tão naturalizado que muitos votaram por mudança nas últimas eleições. O povo quer mais e o chavismo tem que entender isso ou deixará de existir.

Já a classe média de Salvador, tão refinada e educada na UFBA, se contenta com 14 anos de construção de um metrô ridículo, com os buracos que dominam as ruas, com a vida em condomínios fechados, com a perda do espaço público, com a privatização do carnaval, com a proibição do acarajé pela FIFA, com a ridícula “invenção” milionária da caxirola. Não vou nem mencionar os problemas das desocupações para a Copa e as Olimpíadas no Rio, dos massacres em Belo Monte, da desindustrialização relativa, do Marcos Feliciano, do Afif, do Maluf, do César Borges. Mas no Brasil, pelo menos há a democracia, né?

* Professor Visitante na Faculdade Central Arizona College e pesquisdor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA

Compartilhar:

Mais lidas