Aldeia Nagô
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Brinquedo, Memória, Imaginário e Deslize por Nelson Maca *

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Um dedo de prosa sobre a exposição Os brinquedos que moram nos sonhos – o brinquedo popular brasileiro”


No espaço de cinco dias estive duas vezes no Museu de Arte da Bahia, para visitar a exposição “Os brinquedos que moram nos sonhos – o brinquedo popular brasileiro”. Planejava essa visita há alguns dias, com o intuito de levar minhas filhas adolescentes. Por mero acaso do destino, além de minhas meninas, em cada dia de visita, acompanhou-me duas importantes ativistas políticas. No domingo, 28/04, uma amiga de Porto Alegre, e na quinta-feira, 03/05, outra do Rio de Janeiro. Na primeira visita, duas meninas adolescentes com a gente; na segunda, as mesmas duas e mais uma.

 

Assim fomos e assim curtimos muito o maravilhoso acervo que o fotógrafo baiano David Glat, durante suas muitas andanças, recolheu Brasil afora. Muitos e muitos brinquedos, todos criados em ambientes culturais populares: 1500 peças. Tudo está muito bem organizado e, ao visitar cada sala da exposição, para mim, deu a sensação de voltar à minha própria infância. Nossa, como vivi intensamente minha meninice. Eu e minhas irmãs e irmãos, uma família de doze filhos do mesmo pai e da mesma mãe, brincamos, intensamente, com muitos daqueles brinquedos que vi ali. Tudo no MAB para mim era pura fantasia, até que…

Peraí… antes deixa eu contar mais uma coisa da belíssima exposição. Tudo lá está organizado segundo temas centrais. Temos por exemplo, a Sala dos Sonhos, a Sala do Espetáculo, a Sala das Reciclagens e assim por diante. Pelo circuito que fizemos, anti-horário, nossa última parada foi a Sala… cuidado, crianças… Sala do Medo!

Pois é, entramos na Sala do Medo, mas eis que constatamos, eu e minhas amigas, que deveria se chamar a Sala da Surpresa que, na verdade, não seria  surpresa se não fossemos atentos a tudo que determina e denuncia nosso conflito histórico. Mas estávamos tão entretidos e felizes com tudo que revivíamos ali… era a nossa própria infância reencontrada! Mas na Sala da Sur… Não, desisto, não chamarei de Sala da Surpresa, mas sim Sala da Decepção, pois ali, logo ali, numa sala cheia de monstros, vampiros, seres horripilantes, etc, que encontramos um velho fantasma nosso: o preconceito racial brasileiro, nosso demônio, ali, institucionalizado como sempre denunciamos…

Exatamente a última peça da Sala do Medo… Para nós a última da exposição… Acredite: era exatamente uma “Nega Maluca” em tamanho de gente. Não posso dizer tamanho natural porque é um estereótipo sobre nós e, assim, não é natural. Sim, lá estava ela: pele preta, retinta, lábios enormes, com peitos enormes e pontudos, e, para coroar nosso racismo familiar, com cabelos de bombril. Isso mesmo: um vistoso black-power de bombril – como aqueles polêmicos blackões da São Paulo Fashion Week 2013. E, para não deixar dúvidas de demarcação do nosso lugar, no chão, em frente a esse sórdido brinquedo, há uma etiqueta escrita assim: Nega Maluca!

Depois disso tudo, sob o olhar cúmplice de minhas amigas ativistas do Movimento Social Negro, nas duas oportunidades, falei a verdade às minhas crianças negras e segui viagem, pensando, até agora, em o que deve estar se passando nas cabecinhas de tantas crianças brancas bem nutridas e vestidas, que vi lá nos dois dias, em visitas de escolas particulares com ônibus de luxo estacionado em frente ao Museu de Arte da Bahia, no Corredor da Vitória. 

Ainda assim, não condeno a exposição em si, esteticamente, quase perfeita. Mas não poderia deixar de dizer que, para mim, ainda que minimamente, qualquer fração de preconceito, em qualquer momento e lugar, será sempre um excesso de racismo e uma provocação bélica.

Queria, ainda, aproveitar o ensejo, e prestar um serviço social: avisar às almas distraídas, que ainda irão à exposição “Os brinquedos que moram nos sonhos – o brinquedo popular brasileiro”, para tomarem muito cuidado com a Sala do Medo, porque o Monstro do Racismo está lá, legitimado pela curadoria, empossado pela montagem e hospedado pelo MAB!

* Nelson Maca é poeta, articulador do Blackitude, professor da UCSal e membro do Conselho Estadual de Cultura

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