Carta aberta à comunidade negra de Salvador. Por Zuggi Almeida
Meus Caros,
Os números expressivos de indivíduos em Salvador que se autodeclaram negros ou pardos aqui somados resultam em 2.011.925 pessoas ou 83,21% da população da cidade, segundo levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE) – Censo de 2022.
Em contrapartida, os números da população branca apurados estão próximos de 17% dos habitantes da cidade.
Os números grandiosos de afrodescendentes em Salvador lhe concede o título de cidade mais negra fora do continente africano. A considerada Roma Negra é uma cidade construída nas contradições originadas por uma herança escravocrata, assim consolidando o racismo, a falta de políticas públicas e a exclusão da população negra em postos importantes da sociedade.
O domínio político da minoria branca no controle dos destinos de Salvador é um paradoxo, pois caso dependesse apenas desse recorte racial, prefeitos e vereadores ou vereadoras brancos jamais seriam eleitos por seus pares. A base de suporte e permanência dessa herança política está sedimentada por parte dos votos de pretos ou pretas habitantes da capital do riso e da alegria.
Você irmão ou irmã negra já seu deu conta que nunca elegemos um prefeito ou prefeita negros em Salvador? Que mesmo tendo uma Câmara Municipal composta por 43 eleitos onde 13 se declaram pretos e 17 como pardos, essa maioria está alinhada a partidos conservadores e controlados por brancos. A nossa representação na municipalidade é ínfima.
Quantos dos nossos estão representados em postos estratégicos no legislativo, executivo ou judiciário? Quantos executivos negros (as) ocupam a presidência ou diretorias de grandes conglomerados empresariais nacionais? Porque uma profissional negra que ocupa um cargo de gerência tem uma média salarial menor que uma mulher branca no mesmo cargo?
Você irmã negra que acorda cedo na periferia, arruma a casa, deixa seu filho aos cuidados da vizinha e vai cuidar do filho de outra mulher num bairro de classe média alta acha isso justo? Morar onde não tem saneamento básico, usar um sistema de transporte público caótico – é uma escolha pessoal?
Passar todo um dia aguardando por um atendimento médico num posto de saúde ou meses para realizar um exame – é uma coisa do destino? Não ter direito ao lazer e ficar confinado no seu bairro num final de semana, porque empresários reduzem a frota de veículos – é uma determinação de Deus?
Pois, tenho observado que a campanha política atual tem absorvido em sua maioria mulheres e idosos nas mobilizações pelas ruas da cidade. Essas jovens que deveriam estar frequentando a escola estão buscando desesperadas uma complementação de renda familiar. Quanto aos idosos, esses estão na idade de desfrutar uma aposentadoria digna. Lamentável !
Detalhe: a quase totalidade desses desesperançados é negra.
Passada a eleição, essas pessoas voltam a integrar o exército de desempregados e famintos de nossa metrópole.
A exclusão social que sofre a população negra em Salvador deve-se à minoria branca que controla recursos econômicos, sociais, financeiros e culturais, mas, a manutenção desse ‘status quo’ está legitimado por uma generosa parcela de votos de negros e negras da capital.
Esses eleitores ainda acreditam na capacidade da gestão superior do homem branco sobre um representante negro. Faz-se necessário buscar saídas para mudar definindo nossos destinos, e a arma mais poderosa que possuímos é o voto.
Vamos eleger os verdadeiros representantes do povo negro em Salvador. Essa tarefa é muito fácil, basta verificar qual foi o (a) postulante ao cargo político que esteve ao seu lado ou foi coerente nas propostas feitas em campanhas anteriores. Vamos apostar na juventude, na diversidade e mudar a cara e a postura da Câmara dos Vereadores da Cidade de Salvador, em 2024.
A democracia nos concede mais uma chance de transformar o futuro das nossas famílias e da comunidade. Não percam essa grande oportunidade, irmãos e irmãs !
Um abraço fraterno.
Zuggi Almeida, é um baiano negro, escritor e roteirista.
Salvador, 20 de setembro de 2024