Carta da Fenaj às centrais sindicais, à CUT, e ao movimento sindical.
Caras(os) companheiras(os)
Como é de conhecimento público, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu em 14 de abril de 2025 a suspensão de todos os processos em curso, em âmbito nacional, que tratam de reclamações trabalhistas reivindicando vínculo empregatício em situações de “pejotização”. Pela decisão, a suspensão deve perdurar até que o STF julgue um caso cuja decisão valerá como de “repercussão geral”. A decisão é da maior gravidade, pois protela o reconhecimento judicial de demandas justas de milhares de trabalhadores e, mais grave, representa real ameaça a que esses direitos não sejam jamais reconhecidos!
Depois da Reforma Trabalhista, da Lei da Terceirização e da Reforma da Previdência, surge nova ameaça de retrocesso sem precedentes nos direitos duramente conquistados pela classe trabalhadora brasileira. É preciso dar um basta!
Decidimos escrever esta mensagem pois, como entidade nacional dos jornalistas, representamos uma categoria assalariada que enfrenta o flagelo da “pejotização” há cerca de três décadas. Nesse período, acumulamos enfrentamentos sindicais e experiências que queremos compartilhar e podem ser úteis para o conjunto do nosso movimento.
- Há situações perfeitamente legais nas quais profissionais prestam serviços por meio de empresas/pessoas jurídicas. A Lei da Terceirização, de 2017, legalizou a prestação de serviços terceirizados para atividades fins de empresas. Mesmo sendo contrários a essa lei, que, em nossa opinião, fragmenta as cadeias produtivas, somos conscientes de que é legal colocar profissionais terceirizados para desenvolver trabalhos ligados à atividade fim de qualquer empresa. Esses trabalhadores terceirizados, porém, continuam tendo direito a vínculo empregatício, sendo o empregador direto a empresa que presta o serviço terceirizado;
- A chamada “pejotização”, porém, consiste numa fraude às relações de trabalho: o empregador, em vez de fazer o registro em carteira, constrange o funcionário abrir uma MEI (microempresa individual), com a qual registra um contrato de prestação de serviços. Com isso, reduz os seus custos, às custas dos direitos trabalhistas do funcionário e dos recolhimentos à Previdência Social e ao Imposto de Renda;
- A CUT e as demais centrais sindicais vão a Brasília em 29 de abril de 2025. Elaboraram já uma primeira abordagem sobre esse tema. Consideramos da maior importância que possam se dirigir ao Supremo Tribunal Federal, nesta oportunidade ou em outra futura, para defender firmemente a formalização da relação de trabalho. Para dizer em termos claros: o vínculo empregatício – ou registro em carteira – é obrigatório quando, na relação com uma empresa, o trabalhador tem habitualidade, subordinação, pessoalidade (é ele quem presta o serviço) e remuneração. Quando essas quatro condições se verificam na prática – o que é feito nas instâncias da Justiça do Trabalho, com base em provas concretas –, um contrato não pode se sobrepor nem anular a necessidade de registro em carteira. Isso porque o patrão é o lado forte na relação de trabalho, e pode impor, pela força econômica, condições degradantes ao trabalhador. O assalariado, independentemente de sua remuneração ou grau de instrução, vive do seu rendimento mensal e precisa do trabalho;
- As decisões da Justiça do Trabalho dando ganho de causa a trabalhadores “pejotizados” que pediram vínculo empregatício se baseiam em provas que atestam a realidade dos fatos. Quando o patronato recorre ao STF, não entra no mérito das provas contra ele, mas apenas defende, genericamente, que, como a terceirização de atividade fim é autorizada pela lei, o contrato entre duas empresas não pode ser questionado pela Justiça do Trabalho (!!). O STF anulou decisões argumentando basicamente que a terceirização é lícita. Nosso alerta é grave, mas simples: se esse entendimento prevalece, a “pejotização” substituirá o registro em carteira em todo o país e a contratação formal de trabalhadores pode virar letra morta;
- Para ser mais específico: se prevalece a ideia de que o serviço de qualquer pessoa pode ser prestado por intermédio de uma MEI, o contrato então firmado pode abolir a jornada de trabalho, o descanso semanal remunerado, as férias, o piso salarial da categoria e o próprio salário mínimo. Acabaria a base para caracterizar o trabalho análogo à escravidão, como alertou o respeitado jornalista Luis Nassif. Qualquer avanço legal, como a mudança da escala 6 por 1 para 5 por 2, com redução da jornada de trabalho, seria inócua sem a prevalência do registro em carteira. A própria Justiça do Trabalho perderia sua razão de existir. Outra consequência de grande magnitude seria a derrocada da arrecadação da Previdência Social;
- Enquanto federação e sindicatos de jornalistas, lutamos há décadas contra a “pejotização”. Continuamos organizando os jornalistas “pejotizados”, pois, na prática, continuavam como funcionários de empresas de comunicação. Notem que as entidades sindicais não podem representar juridicamente esses trabalhadores, a não ser em ações de vínculo empregatício. Mas, como eles continuavam sendo, na prática, empregados, em situações como atraso de salários (formalmente, atraso no pagamento de “prestadores de serviço”), já organizamos inclusive greves de pejotizados. É como se tivéssemos voltado ao século 19, quando não havia qualquer direito trabalhista! Nos últimos anos, a FENAJ tem buscando avançar nesse enfrentamento. Em 2024, nos reunimos com a Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) para debater a questão. Em 2025, já comparecemos ao STF para tratar do tema, e a FENAJ atua como amicus curiae em uma ação a respeito no Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Companheiras(os), estamos à disposição da CUT, das centrais e dos demais sindicatos para expor nossa experiência, para debater a questão e para lutarmos juntos contra a “pejotização”, contra a perda total dos direitos trabalhistas no Brasil.
Temos de dizer ao STF: Quando há subordinação, habitualidade, pessoalidade e remuneração, sempre existe o vínculo de emprego! Abaixo a pejotização! Defesa do registro em carteira!
Federação Nacional dos Jornalistas – 29 de abril de 2025