Aldeia Nagô
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Entre a natureza, a fogueira e a floresta: Uma Crônica Junina. Por Renato Queiróz

5 - 7 minutos de leituraModo Leitura

O mês de junho desperta como um abraço quente no peito do brasileiro. O cheiro do milho assado se mistura ao orvalho do sereno, e nas praças, as bandeirolas tremem como risos coloridos ao vento.

Senta que lá vem História!

O forró toma conta das ruas, e os fogos arriscam o céu em explosões de luz. É tempo de festa juninas. Vivas a Santo Antônio! Vivas a São Joao! Vivas a São Pedro! Com os pés firmes no chão de terra batida, muita gente se reúne, nas casas, nas ruas, na cidade, na roça. A dança , o forro e a quadrilha, rodopiando em um jogo de cumplicidade e tradição. O casamento caipira arranca risadas, o amendoim cozido comemos sem moderação, a canjica adoça a boca, o milho assado a batata, e o licor ou o quentão aquecem a alma.

Por esse dias, na última quinta-feira dia 5 de junho, foi comemorado Dia Mundial do Meio Ambiente, a efeméride e as festas juninas se tornaram para mim reflexão. No meio da alegria e das canções, uma pergunta ecoa no peito daqueles que veem além da festa: “São João, passou por aqui? “E o cuidado com a Terra, passou também?” .

Celebramos a fartura das colheitas, mas ignoramos o solo que nos sustenta. Reverenciamos a chuva, mas esquecemos os rios que agonizam sob toneladas de lixo e poluição. Entre um gole de licor e um passo de dança, o forró nos convida a lembrar: festa e consciência podem caminhar juntas.

Estava em um evento, desses, previas de confraternizações e comemorações, prefiro, chamar pela alegria contagiante e pela expectativas das sagradas datas de ciclo de festas… Cabe aqui um breve parêntesis, vou aderir ao recurso – se bem que essa previas podem ser mais bem explicadas. Na verdade, o ciclo das festas juninas já começou! Vocês sabem disso! E só vai terminar no próximo semestre, em julho!

Foi então que os alto-falantes fizeram subir “Asa Branca”.
Quem não se toca com este magnifico clássico? Parceria um dos sus mais profícuos parceiros, Humberto Teixeira. ” Que não se emociona, canta do cor, revive memórias diversas, inversas e guarda no peito de forma eterna? A voz de Luiz Gonzaga, sempre acolhedora, prestigiosa, multiversos, tenra, serena e áspera como a terra seca do sertão, trouxe consigo, outras lembranças, o fantasma da seca, das queimadas e dos retirantes distantes das suas raízes, me trouxe a lembrança da sobrevivência. Gonzagão não apenas cantava, mas narrava a história de um momento árido, onde até a asa branca, ave que simboliza a liberdade, precisa partir.

Ao meu lado, um querido amigo de chapéu de palha – valorizando um dos adereços, entre outros, para a elegância tradicional desses momentos – olhava para o céu e balançava a cabeça, enunciando: “Isso é música de quem conhece o povo , o povo nordestino muito especial, o preço do sol e da seca,” disse ele.

E continuou, “Gonzaga respeitava não só Januário, o exímio e aclamado sanfoneiro, consertador de sanfonas. Gonzaga respeitava a natureza como pai e mãe. Dona Ana Batista de Jesus, você sabia disso? – conhecida na região como “Mãe Santana”, era também sua e mãe de muitos pelo afeto, sábia de saber, acolhimento fé e cura, sábia e aprendiz da natureza, digo de toda a natureza humana.

Embebecido neste sua profunda herança Luiz Gonzaga nunca precisou de discursos rebuscados para tocar o coração do povo. Simples palavras ou o seu baião visceral , de denúncia, cogitação e de resistência.

Icone respeitado por todas as gerações, Gonzagão seguiu na fita. E lá veio “Juazeiro”, exaltando uma arvore símbolo, a árvore que persiste no sertão, enfrentando tempestades e secas, assim como seu povo.

Demonstrando o fascínio, repertório na sequência provocou com “Acauã”. O acauã é cercado de lendas.

Cada povo o vê com olhos diferentes e o ouve com ouvidos afinados em distintos tons.

Os indígenas dizem que quem ouve o canto terrível da ave começa a sofrer de desejo compulsivo de imitá-la. E adoece. Definha imitando aquele canto contagiante. E pode contagiar outras pessoas com aquele mal horrível.

Os sertanejos dizem que o acauã pode ser um prelúdio de bons ou maus tempos. De seca ou chuva. De vida sofrida ou fartura. Alguns dizem que quando o bicho canta perto de uma moradia, alguém da casa vai morrer.

A música “Acauã”, de Zé Dantas, sucesso na voz de Luiz Gonzaga, apresenta uma visão dessas crendices populares, passando um pouco do que o canto dessa ave significa para o sertanejo nordestino. E seu Luiz cantou sobre a ave que anuncia a ausência da chuva, quase como um profeta do sertão.

O forro comia solto, continua ainda mais animado

E então, a multidão se iluminou de vez.
Confesso fiquei surpreso, quando “Xote Ecológico” começou a tocar. Era como se o próprio Gonzagão estivesse ali, puxando cada um pela consciência, lembrando do seringueiro que virou semente: Chico Mendes.

Chico Mendes, o guerreiro da Amazônia, nasceu em Xapuri, no Acre, em 15 de dezembro de 1944. Filho da terra, sua luta pela preservação da floresta transcendeu fronteiras. Contra latifúndios e interesses mesquinhos, ele defendeu os seringueiros, os ribeirinhos e os povos da mata. Mas sua coragem teve um preço. Em 22 de dezembro de 1988, Chico foi assassinado, mas sua voz jamais se calou. Gonzaga sabia disso. Sabia que a floresta chorava sua perda. Por isso, em 1989, compôs, junto com Aguinaldo Batista, um hino de alerta, uma súplica ecológica: “Cadê a flor que estava aqui? / Poluição comeu… “E o peixe que é do mar? / Poluição comeu… “Nem o Chico Mendes sobreviveu.”

A festa crepitava, e a minha amiga, companheira de vida e de forro do meu amigo do chapéu de palha, arrasou: “Festa sem consciência é fogo que queima o futuro,” quase gritou, foi murmúrio, mas acha que alguns ouviram!

Uma quadrilha seguia. Os festivos rodavam, as crianças corriam do um lado para o outro.

E me perguntava: quem sobreviverá neste mundo de águas intoxicadas e florestas sangrando?

O próprio Gonzaga respondeu no Xote Ecológico: “Não pise na minha sombra / Que eu vou ficar careca / E o mundo vai ficar / Com uma grande cabeça…” E quando os fogos estouraram no céu, prometi duas coisas: trarei aminha própria caneca de casa para as próximas festas e nunca esquecer que Luiz Gonzaga foi mais do que o Rei do Baião. Foi um poeta que cantou um Brasil que celebra e luta. Seu legado atravessa os tempos e ressoa como um sonzaço que ainda clama por justiça ecológica.

A natureza pede socorro: Salvemos nossos rios, matas e gente!” Que nossa alegria tenha o ritmo da resistência.
Que nossas festas juninas celebrem o chão que pisamos e as vozes que nos ensinaram a amar esta terra antes que a extrema necessidade de cuidar da natureza e reconhecer o nosso planeta isso e essencial para o que nos resta.

Luiz Gonzaga com o seu legado atravessa os tempos e aqui ressoa nesse sonzaço que se sustenta e clama por justiça ecológica.

Aqui, Xote Ecológico de Aguinaldo Batista / Luiz Gonzaga. Editado de vídeo “Qual É a Música? – Sílvio Santos” (SBT) e áudio do LP “Vou Te Matar de Cheiro – 1989”, pela, Copacabana.

SONZAÇO!

Renato Queiroz  é professor, compositor, poeta e um apaixonado pela história da música,.

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