Aldeia Nagô
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Incentivo à Cultura: Um vale-cultura para alimentar o espírito

7 - 10 minutos de leituraModo Leitura

Um dos maiores
incentivos ao consumo da cultura, na proposta de reformulação da Lei Rouanet
pelo Ministério da Cultura, virá, segundo o ministro Juca Ferreira, da oferta
para trabalhadores de um vale-cultura, a exemplo do vale-alimentação.


Lançada ontem (23/03), em
entrevista coletiva, pelo ministro da Cultura, Juca Ferreira, a nova proposta de
incentivo cultural, que reformula a Lei Rouanet e o sistema de financiamento à
cultura do Brasil, já está disponibilizada ao público para sugestões no site do
Ministério até o dia 6 de maio. Depois dessa data, o Ministério da Cultura, a
partir das sugestões, vai elaborar, em conjunto com os ministérios da Fazenda e
do Planejamento e a Casa Civil, um texto de um projeto de lei a ser votado pelo
Congresso Nacional. Hoje, o principal mecanismo de financiamento ao setor
cultural no Brasil é a Lei Rouanet, criada em 1991. O objetivo do Ministério,
com essa nova proposta, é estimular o patrocínio a projetos culturais menores,
de caráter regional e a preços mais acessíveis à maioria da população
brasileira.



Segundo Juca
Ferreira, que teceu duras críticas à falta de acesso da maioria da população à
cultura, o projeto já conta com a simpatia da maioria dos congressistas. Criada
há dezoito anos para o financiamento da cultura, a Lei Rouanet vem recebendo
críticas sistemáticas de todos os setores culturais e inclusive do próprio
Ministério, que, agora, aponta as distorções existentes na lei e propõe
mudanças.


Concentração de recursos
Na entrevista, o ministro foi
enfático ao criticar a concentração de recursos públicos nas mãos de poucos
produtores culturais. Para ele, é inadmissível, diante dos pequenos índices de
acesso à cultura pela grande maioria da população, que os recursos públicos
direcionados ao financiamento de projetos culturais fiquem nas mãos de poucos,
do que ele chama de “defeitos gravíssimos” do atual modelo. “A Lei Rouanet tem
muitas qualidades, mas também tem defeitos gravíssimos na forma atual como se
apresenta”, disse. No ano passado, o Ministério da Cultura disponibilizou R$ 1
bilhão em recursos públicos e 50% desses recursos foram captados por apenas 3%
dos proponentes. São aprovados cerca de 10 mil projetos por ano pela CNIC, em
todas as áreas. Porém, apenas 20% desse total encontram empresas interessadas em
apoiar os projetos, mesmo assim somente aqueles que dão retorno de imagem,
segundo o ministro.  “Isso não é justo. Isso não é política
pública. Há uma dificuldade para explicar que o imposto arrecadado não beneficia
o povo. Temos obrigação de refletir sobre esses números”, sustentou
ele.

De acordo com Juca Ferreira,
apenas 14% da população brasileira freqüentam cinemas ao menos uma vez por mês;
somente 8% freqüentam museus; e 93% nunca vão a exposições. Diante desses
números, o ministro argumenta que o Ministério da Cultura não poderia continuar
com uma lei que, no seu entendimento, está engessada e necessita de
reformulação. “Chegou a hora de enfrentar o problema do financiamento”, disse
ele.

O financiamento é do Estado
Hoje, o patrocínio à cultura via
Lei Rouanet é feito apenas pela renúncia fiscal. É exatamente esse aspecto que o
ministro mais enfatiza como distorção da lei. Segundo sua exposição, nunca fica
claro para a população que o dinheiro que está financiando este ou aquele
projeto é exclusivamente dinheiro público, obtido pela renúncia fiscal. “Há uma
falta de conhecimento da sociedade de que é o Estado quem patrocina a maioria
dos espetáculos no Brasil. É preciso desmistificar a idéia de que é a empresa
que financia projetos”. Pela Lei Rouanet, a instituição privada que resolve
financiar um projeto tem 100% de isenção fiscal. O ministro pergunta: “Quem aqui
sabe que o Museu do Futebol foi criado com dinheiro público? Quem tem
conhecimento que o Museu da Língua Portuguesa foi todo financiado com dinheiro
público? Quase ninguém sabe disso, porque não é dito”. Pelos dados apresentados,
90% das atividades culturais são pagas com dinheiro público, enquanto a
iniciativa privada arca com somente 10% do total.

É nessa tecla que o Ministério
quer insistir. Muitos projetos são aprovados por empresas para trabalharem a sua
imagem junto ao público, o que faz com que projetos pequenos ou proponentes
desconhecidos não sejam valorizados pelas empresas. Segundo o ministro, há uma
discrepância enorme, pois atualmente o critério de aprovação do projeto fica nas
mãos da empresa, ela é que decide o que será financiado. “A última palavra é da
empresa e os interesses dela não são os mesmos do público. Na hora de financiar,
90% é dinheiro público, na hora da decisão/aprovação, 100% é do interesse
privado”, criticou o ministro.

O inusitado é que mesmo sendo
dinheiro público, o Ministério, pelas regras atuais, não pode escolher que
projetos seriam apoiados. Segundo Juca Ferreira, esse é um critério excludente e
concentrador, pois o financiamento das empresas privadas a atividades culturais
beneficia em sua maioria, grandes produções artísticas, além de concentrar-se
nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. “Não há democratização que resista a
isso, pois não abarca a diversidade cultural. Isso é dirigismo. Artistas novos e
desconhecidos enfrentam dificuldades. E quem paga é a população”, alertou
Ferreira.

Mudanças de critérios
O Ministério da Cultura quer mudar
esse critério, quer  que seja uma ação compartilhada, com
comitês gestores de cada área.  De acordo com a proposta
ministerial, as empresas não mais poderão escolher sozinhas que projetos desejam
financiar. “Estamos propondo um modelo de gestão compartilhada, público,
transparente e de livre acesso ao controle social”, justificou Juca Ferreira,
para explicar que esses critérios têm que ser aprovados pelo Conselho Nacional
de Cultura, “sem dirigismos”. “Não queremos disponibilizar dinheiro público para
o enriquecimento de dois ou três produtores e nem queremos a apropriação de
áreas da cultura em detrimento da grande maioria do povo brasileiro”.

Na sua proposta, que já
carrega o nome de Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura (Profic),
em substituição ao Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), o Ministério
quer adotar faixas que podem variar, de acordo com o projeto, na renúncia de
60%, 70%, 80% ou 90%. Para o Ministério, o percentual de renúncia deverá
obedecer à lógica de que quanto mais dinheiro público for destinado ao projeto,
mais acesso deverá dar ao público. Ou seja, o grande beneficiário será a
população, e não mais uma pequena parcela da sociedade. “Toda vez que tiver
dinheiro público, tem que ter benefício público, ou não se justifica”,
argumentou o ministro.

Interesses públicos –
A definição desses critérios ficaria não
mais com o patrocinador, mas com os membros do Conselho Nacional de Fomento e
Incentivo à Cultura (Conafic), órgão colegiado que substituiria a atual Comissão
Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), que também vai verificar se o projeto
atende a interesses públicos e terá preços acessíveis para a população. O
ministro defende que, no futuro, até o ano de 2012, a proporção para o fomento
seja de 50% de renúncia fiscal e 50% com recursos do Fundo Nacional de Cultural
(FNC).
Hoje, existem
apenas duas faixas de isenção de Imposto de Renda para as empresas: 30% ou 100%.


O ministro
argumentou que não há mais a ideologia do Estado mínimo nas questões da cultura,
de transferir a responsabilidade para a área privada. “Não é mais assim, é uma
fantasia pensar que o Estado é superável, isso é uma ingenuidade. É fundamental
compreender que o Estado tem responsabilidade e coparticipação. Em qualquer
lugar do mundo, o Estado é responsável e deve estar presente. Hoje, o Brasil
está maduro para enfrentar as distorções”. Para Juca Ferreira, não se justifica
que o país, com a diversidade étnica e cultural que possui, deixe parcelas da
população fora dos incentivos culturais.


O MInistério defende ainda que
o FNC seja a principal forma de financiamento, com cinco novos fundos setoriais:
Artes; Memória e Patrimônio Cultural; Livro e Leitura; Cidadania, Identidade e
Diversidade Cultural; e o Fundo Global de Equalização (para projetos fora de
alguma das áreas anteriores, ou que abarquem mais de uma área). Esses fundos
setoriais seriam operados como o que já ocorre hoje no Fundo do Audiovisual, ou
seja, um comitê gestor, formado pela classe artística, sociedade civil e
representantes do Ministério.


Pelas novas regras para o
Fundo Nacional de Cultura, de acordo com a proposta ministerial, o financiamento
a projetos poderia se dar por meio de editais de seleção pública, por coprodução
e por parcerias público-privadas, entre outros mecanismos. “Precisamos
fortalecer o Ministério, é a única maneira de valorizar o dinheiro aplicado”,
defendeu o ministro.

O ministro quer ainda
disponibilizar os projetos aprovados para escolas e bibliotecas públicas, “para
tornar público o que vem de dinheiro público”.

Loteria cultural e
vale-cultura –
A proposta abarca
ainda a adoção de uma loteria federal da cultura, que já está sendo negociada
com a Caixa Econômica, para aumentar a captação e ter condições de apoiar
projetos a fundo perdido, e o vale-cultura – “para alimentar o espírito” -, que
vai permitir descontos em eventos e estabelecimentos culturais, e seria
distribuído pelas empresas a seus empregados, a exemplo do tíquete-alimentaçao,
para financiar o consumo, não a produção.


Juca Ferreira também exaltou a necessidade da aprovação do
primeiro Plano Nacional de Cultura e a proposta de emenda à Constituição nº 150,
que amplia o orçamento da cultura. A proposta é vincular 2% do Orçamento da
União à política cultural do país. Atualmente, a participação da Cultura no
orçamento geral é de apenas 0,6%, muito longe do que recomenda a ONU (não menos
de 1%) e ainda muito distante do que é praticado nos países desenvolvidos (mais
de 2%). Embora com o orçamento baixo, de acordo com Juca Ferreira, o MinC tem
uma das melhores execuções orçamentárias da Esplanada. “Estamos fazendo o dever
de casa, temos dificuldades de atendimento da demanda e fragilidades, mas temos
compromisso e a consciência de que a Cultura não é supérfluo”.

Entidades do setor, produtores
culturais, empresas e artistas que queiram fazer sugestões ao projeto devem
acessar: www.planalto.gov.br/ccivil_03/consulta_publica/programa_fomento.htm.

Também já está aberto um fórum de
discussão sobre o assunto no Blog da Reforma da Lei Rouanet: blogs.cultura.gov.br/blogdarouanet.

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