Marco temporal ameaça reserva de Mata Atlântica na Bahia
Se a tese do marco temporal for aprovada no Supremo Tribunal Federal (STF), mais de uma centena de terras indígenas nos estados do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo correm o risco de ter seus processos de regularização revertidos. Entre elas, a tradicional terra indígena da Barra Velha do Monte Pascoal, que abrange a icônica montanha de mesmo nome, descrita pelos portugueses como a
primeira porção de terra avistada pela esquadra comandada pelo colonizador Pedro Álvares Cabral, em abril de 1500.
Atualmente habitada pelo povo Pataxó, essa região faz parte do maior bolsão de Mata Atlântica preservada do Nordeste brasileiro. São cerca de 112 mil hectares de reservas, incluindo os parques nacionais do Monte Pascoal, do Pau-Brasil e do Descobrimento, que abrangem a costa do extremo sul da Bahia, segundo informações do Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). As três principais áreas ocupadas e reivindicadas pelos Pataxó somam mais de 80 mil hectares onde vivem cerca de 7 mil indígenas. Boa parte das áreas de dois desses parques nacionais, o Monte Pascoal e o Pau Brasil, estão inseridos nas terras originárias dos Pataxó.
São processos iniciados e inconclusos, já com identificação provada, mas sem a portaria declaratória de demarcação. O argumento do marco temporal limita o reconhecimento de terras indígenas à comprovação de ocupação antes 1988, quando foi promulgada a atual Constituição Federal. A tese é rechaçada por indígenas, juristas e antropólogos, que temem perder seus territórios tradicionalmente ocupados. Ao longo dessa semana, enquanto os ministros do STF começaram analisar um processo que dará repercussão geral sobre a validade ou não dessa tese, mais de 6 mil indígenas de todo o país montaram acampamento em uma área próxima à Esplanada dos Ministérios, centro de Brasília, para pressionar contra a mudança de entendimento. A mobilização já está sendo considerada a maior das últimas décadas.
“Esse momento é crucial para o povo Pataxó, porque nosso território está naquela região onde começou a invasão do nosso país pelos portugueses. Até hoje, os nossas áreas não estão demarcadas. Nosso território da aldeia mãe, a Barra Velha, é onde está localizado o famoso Monte Pascoal. A discussão que está sendo feita é se somos povos indígenas e o nosso território já existia antes da chegada dos colonizadores ou se passamos a existir apenas depois que os não-índios dizem que existimos”, afirma Kâhu Pataxó, uma das lideranças indígenas que estão na capital federal.
Após retomar o julgamento no fim da tarde desta quinta-feira (26), o presidente do STF, Luiz Fux, suspendeu a sessão, que voltará à pauta na próxima quarta-feira (1º). O relator do caso, ministro Edson Fachin, já deu parecer contrário ao marco temporal, mas ainda deve concluir a leitura do voto durante o julgamento, reforçando o seu posicionamento.
(*) Texto e Foto: Pedro Rafael Vilela( Cobertura especial da Associação Nacional de Ação Indigenista no Acampamento Indígena Luta pela Vida, em Brasília, de 22 a 28 de agosto) Edição: Claudia Correia