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Myriam Fraga era poeta, sobretudo poeta. Por Gil Vicente Tavares

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Myriam Fraga era poeta, sobretudo poeta. Numa terra de folclores, onde todo mundo é artista e poeta, Myriam misturava-se – aos olhos incautos – à turba difusa das artes e letras baianas, sempre à cata de prefácios, resenhas, prêmios e títulos.

Seu ser poeta era diluído entre o lugar comum de qualquer um ser qualquer coisa nessa cidade, o que fazia o “ser poeta” algo como “fazer feijoada”, e seu cargo que exerceu tão elegantemente e competentemente bem.

Como Diretora da Fundação Casa de Jorge Amado, já ela e ela tornavam-se uma coisa só. Lá, acompanhando moleque meu pai, vivi momentos memoráveis e vi Myriam dar muita risada (sim, ela segurava meu braço e ria sempre, apertando os olhinhos sempre plácidos).

Não faz pouco tempo, nos encontramos e ela, novamente, repetia a falta que faziam as loucuras, travessuras e ideias de meu pai. Havia ali alguma paixão que perpassava a poesia dos dois, dois grandes poetas, “com todo o direito a sê-lo. Com todo o direito a sê-lo, ouviram?”. Apontava o lugar onde Ildásio sentava, roubando a cadeira de alguém, e ficava lá ligando pro mundo inteiro, em conversas quilométricas, e brigando com todos metade do tempo; enquanto, na outra metade, falava atrocidades, piadas e gentilezas. Assim fizeram simpósios, seminários, lançamentos. Assim, pude estar lá, também, profissionalmente, graças ao convite deCristina Castro, avalizado por Myriam Fraga, para uma oficina de dramaturgia que resultou num livro que organizei, com peças adaptadas de contos de Jorge Amado, em seu centenário.

Pedra fundamental da Fundação Casa de Jorge Amado, mulher delicada, bem-humorada e sempre disposta a “fazer”, a Myriam com quem eu convivi vai fazer falta. Vai ser muito estranho passar pela fundação e não procurá-la, há certas pessoas que tornam-se totens, nesse sentido.

A Myriam poeta, no entanto, não vai fazer falta. Deixando marcada na lira brasileira, com a tinta de sua pena, poesia das mais belas, ela em vida já havia atingido um espaço que é reservado a poucos. No labor da palavra, no cuidado do verso, nas imagens da poesia, ela se fará sempre poeta, que apenas descansou para contemplar de outro ângulo, refletidas na luz do céu, as pequenas pérolas que ela soltou aos poucos.

Foto de Gil Vicente Tavares.

 

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