Pipocos e pólvora. Por Zuggi Almeida
O corre era geral.
O pessoal do isopor aglomerado ao lado da kombi disputava o saco de gelo que garante oferecer a latinha que trinca os dentes. O gato estava feito e as luzes da gambiarra preencheram a praça anunciando que ali, a alegria iria imperar na noite do domingo.
As panelas reluzentes que armazenavam a feijoada sarada e os acompanhamentos devidos foram acomodados sobre o madeirite.
Alô! Alô, som! 1,2,2,3. A rapaziada da técnica de sonorização esmerava –se para tirar o melhor daquela aparelhagem com recursos limitados. Os músicos ligavam seus instrumentos aos poucos, até executarem uma levada por completo. O som foi aprovado. Valeu o esforço.
A baiana do acarajé ocupou o lugar estratégico na entrada do largo numa espécie de recepcionista da felicidade a oferecer um sorriso branco e largo estampado na cara preta. O cheiro de fritura da cebola no dendê era a senha que indicava que logo um acarajé quentinho seria servido.
As meninas desfilavam exibindo os corpos malhados que dispensam os altos custos e esforços físicos das academias de ginástica da moda. Nas mãos, as taças de plástico personalizadas portando roscas de morango ou kiwi. Algumas exibem orgulhosas, latas verdinhas da cerveja chique.
Sete da noite, o mote é repetido: Alô! Alô, som!
Um frenesi geral tomou conta da praça e todos olhos se voltaram para o palco improvisado. Dessa vez era Renatinho, mix de produtor do grupo, vocal principal e cabeleleiro referência no bairro.
Estava aberto o ensaio geral do Samba Junino Devora Tudo.
“Salve minha comunidade” Renatinho reverenciou o público e largou o doce “ Eu vou sambar na Bahia/Eu vou sambar na Bahia”.
Seguiu-se o repertório de levadas juninas e pagodões.
O Devora Tudo já era o sucesso mais uma vez.
Dez da noite eles chegaram sem convites. Sem explicações distribuíam socos e pontapés aleatórios, e quebraram as caixas de isopor, derrubaram barraquinhas, destruíram a aparelhagem do som, sempre rosnado palavrões. Renatinho foi pego e junto com ele mais quatro músicos. Na saída detiveram mais três rapazes na praça. Todos foram levados para os fundos de um galpão abandonado na saída do bairro.
Uma interrogação se instalou em cada coração de quem ficou na praça.
Ouviu-se dezenas de pipocar semelhantes aos de foguetes.
Um cheiro fúnebre de pólvora tomou conta do ar.
Manhã da segunda feira, a mãe chora desesperada em frente às câmeras do jornal matinal e desabafa:
“ Moça, meu filho era um trabalhador, não era envolvido com nada. Ele era um apaixonada pela vida e adorava organizar as festas nos grupos do bairro. Meu Deus não sei por que fizeram isso com ele e os outros meninos. Eles assassinaram oito jovens inocentes”.
O comandante do batalhão do bairro entrevistado, afirmou:
“ Nós recebemos a denúncia que aqueles encontros serviam para mascarar o tráfico de drogas e eles formavam uma quadrilha que pretendia realizar um arrastão nas ruas no fim do mês de junho”.
O dinheiro arrecadado para custear os gastos do Samba Devora Tudo nos eventos do São João e São Pedro foram usados para pagar parte dos custos do sepultamento coletivo.
– Eu perguntei’ a Deus do céu, uai / Por que tamanha judiação ?
( Luiz Gonzaga – Humberto Teixeira )
Zuggi Almeida é baiano, escritor e roteirista.