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Lutar vale a pena. Por Pablo Villaça
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Cidadania
Dom, 30 de Setembro de 2018 09:42

pabloCaminhando pelo Campo Grande em direção ao Farol da Barra, em Salvador, subitamente percebi que estava feliz: a mureta baixa à direita de quem desce a ladeira da Sete de Setembro permitia uma vista desimpedida do mar e, justamente naquele momento, o sol começava a sumir no horizonte enquanto milhares e milhares de pessoas ao meu redor cantavam alegremente, com sorrisos abertos e esperançosos, enquanto abriam com cada passo uma trilha no meio de um matagal de intolerância e ódio.

Havia uma atmosfera de paz, de comunidade, de empatia compartilhada cobrindo o ambiente. Quando as músicas eram interrompidas para que as palavras de ordem pudessem deixar claro o propósito de todos, brados em uníssono marcavam posição firme diante da ameaça do fascismo - mas não com ódio. Nada de versos sobre como o grupo xis deveria "comer ração" ou o estrato ipsilon "merece ser metralhado". Em vez disso, as vozes se elevavam com a afirmação de que, diversos como somos, somos também iguais e devemos ter os mesmos direitos. Que nossas orientações sexuais, a cor de nossas peles ou nossos órgãos genitais não nos tornam melhores ou piores do que ninguém. Que somos irmãos mesmo daqueles que sabemos Caim.

Completos estranhos trocavam sorrisos, acenos de cabeça e piscadelas cúmplices. Apontavam algo digno de nota - uma senhorinha dançando enrolada numa bandeira de arco-íris, uma garotinha acenando uma blusa rosa de sua janela, um homem com a barba cheia de flores - para que os desconhecidos à sua volta também pudessem apreciar algo que provocaria um breve arrepio de ternura.

Depois de cinco anos de tensão, frustrações, provocações e de expressões chocantes de ódio, quando até mesmo as manifestações que buscavam combater o avanço golpista traziam um tom triste e amargo em meio à energia da luta, desta vez estávamos numa caminhada de puro amor. Havia luta, havia inconformismo e havia urgência, mas o sentimento dominante era de alegria e aceitação. Ao contrário dos berros sintomáticos de "sem partido!" de 2013, agora bandeiras de partidos e candidatos diferentes eram erguidas lado a lado sem que seus suportes humanos se enxergassem com hostilidade.

E eu, surpreso com o sentimento que desacostumei a sentir naquela intensidade depois de tanto tempo lidando com a depressão, me via profundamente feliz. Ao longo das décadas, participei de muitas manifestações: discursei em carro de som como líder estudantil no "Fora Collor" e em um palco imenso num comício durante a eleição de 2014 (com Lula e Dilma sentados a dois metros de mim!), protestei ao lado de professores em greve na época da faculdade, me juntei à primeira grande manifestação em BH durante as jornadas de 2013 (quando o belo impulso inicial ainda não havia sido corrompido por aqueles que odeiam a democracia) e gritei "Fora Temer!" e "Lula Livre!" em diversas outras nos últimos dois anos.

Mas em nenhuma delas senti a alegria deste sábado, 29 de setembro de 2018, durante a maravilhosa marcha organizada por mulheres em todo o Brasil contra as sombras representadas pela candidatura de Jair Bolsonaro. A cada #EleNão despejado pelas ruas de Salvador (onde calhei de estar em função de um curso), um pouco de esperança retornava ao vazio deixado por anos de contínuas decepções, reocupando-o com aquele calor agradável que nos aquece o peito quando sentimos que algo importante está mudando para melhor e que, apenas com nossa presença e nossas vozes, estamos contribuindo para que esta mudança se torne possível.

Cada passo dado por cada pessoa em cada manifestação de cada cidade acrescentou um suporte, um pilar, da ponte que todos usaremos para escapar desta ilha-prisão de pesadelos que o Brasil se tornou nos últimos anos. E neste sábado adiantamos este projeto imensamente - a ponto de estarmos quase atingindo a costa. Quase.

Ainda há trabalho à frente, claro, mas ontem foi um daqueles dias que já fazem toda a luta valer a pena

Pablo Villaça é escritor, crítico de cinema desde 1994,  diretor-fundador do portal Cinema em Cena e autor do livro "O Cinema Além das Montanhas". Diretor e roteirista dos curtas "A_ética" e "Morte Cega".

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