A História mostra, a História já viu ..., por Fernando Horta |
Cidadania | |||
Dom, 14 de Outubro de 2018 16:11 | |||
O fascismo não começou com italianos carecas e alemães teatrais, em uniformes militares, matando gente em campos de concentração. O fascismo surge da junção de uma história de racismo, exclusão e sentimento de superioridade na Europa – que já no século XIX explicava a “superioridade do homem europeu” frente aos africanos, asiáticos e americanos – com uma imensa crise econômica. A questão não era a “segurança pública”, ou “a corrupção” ... a questão era, sempre foi e sempre será o conflito distributivo. Quando existem dez pães para serem divididos entre cinco pessoas, o sentimento de união, de ajuda ao próximo, de inclusão atinge até mesmo as classes mais altas. Quando sobram apenas cinco pães surge o discurso da “austeridade”. Com três pães para cinco pessoas, aparece o fascismo. É preciso dizer que daquelas cinco pessoas, duas ou três não têm direito ao pão. E isto é feito por meio de argumentos excludentes. A raça, a religião ou a preferência sexual é usada como forma de interditar os direitos do outro. Em sociedades homogêneas (raça e religião semelhantes) se usam as questões ideológicas. O “medo do comunismo”, a cor da bandeira, tudo é motivo para dizer que determinadas pessoas não têm direitos. Nos anos 20 e 30, duas crises internacionais colocaram o conflito distributivo no centro das discussões políticas: crise resultante direta da primeira guerra e a crise de 1929. A organização coletiva da sociedade soviética não só permitiu que esta sociedade passasse pela primeira crise muito rápido, como também sequer sentisse a segunda. O sistema socialista acabou por criar um poderoso modelo de atração para as pessoas que sofriam os efeitos da guerra ao redor do mundo. Mais do que a URSS, era preciso acabar com o modelo, acabar com a ideia de que uma outra sociedade era possível, com outros padrões e outros valores. Neste sentido, quando o fascismo surge, as classes altas, em todos os lugares do mundo, acharam não apenas um projeto político capaz de conter a mudança social, como efetivamente acabar com a esperança de uma outra sociedade em bases diferentes. Trotsky chegou a pedir uma união ampla contra o fascismo, Stalin ofereceu tropas soviéticas para entrarem em guerra imediata contra os nazistas quando Hitler anexou os Sudetos e, depois, a Tchecoslováquia, em 1938. Onde estavam os liberais e conservadores europeus? Estavam encalacrados dentro da “política do apaziguamento”. Havia um misto de aversão a uma nova guerra, o erro de cálculo sobre onde poderia ir o fascismo, e negociações secretas entre Hitler e altos elementos (como príncipes e políticos) em toda a Europa por apoio mútuo. O conflito distributivo aqui joga papel exemplar. O medo do “comunismo”, que viria supostamente para “repartir as riquezas” de um povo que, a bem da verdade, não tinha mais riqueza, precisa ser compreendido. O medo não era, portanto, de quem não tinha nada perder o nada que tinha, mas das elites que estavam acumulando riquezas com uma nova sociedade que vinha se organizando na Rússia e arredores. As elites (sejam políticas ou econômicas) viram em Hitler um sujeito inepto, incapaz, com discurso de ódio, capacidade de mobilização de outros assassinos e tremendamente burro. Logo, pensaram que seria um bom capataz para acabar com socialistas e comunistas, mesmo que fosse com crimes e violência. O padrão de votação das eleições alemãs do entre guerras mostra que é quando o conflito distributivo se mostra mais violento (após a crise de 1929) que o fascismo realmente cresce. Até mesmo organizações judaicas defendiam o voto em Hitler como forma de barrar o crescimento da esquerda. O que se viu foi uma disputa interna nas esquerdas (eivadas de desconfiança umas com as outras) e um apoio real (travestido de neutralidade) de liberais e conservadores. A Hitler seria permitido o tempo de governo suficiente para acabar com as esquerdas e, em seguida (pensavam eles), o poder do capital financeiro e industrial voltaria com o terreno limpo. Os custos políticos das matanças e violências seriam todos de Hitler e seus nazistas. O liberalismo retornaria triunfante. A vitória seria completa. O que efetivamente aconteceu é que o nazi-fascismo se entranhou nas instituições e interditou o jogo democrático-republicano. Diferente do que se pensou, o fascismo não permitiu que as engrenagens de controle estatal sobre ele funcionassem. O Direito se tornou fascista, trabalhando com noções de superioridade dos direitos do Estado sobre o indivíduo e a criação de crimes contra a “nação”, que abarcavam efetivamente tudo e qualquer coisa que o juiz dissesse que seria. O parlamento foi incendiado e atacado, retirando a legitimidade de qualquer um que tivesse sido eleito, já que a política era entendida como a fonte de todos os males. E mesmo no Exército e nas polícias, os indivíduos críticos a Hitler foram mortos em ações rápidas e organizadas, com a desculpa de “matar traidores da pátria”. Tudo isto ocorrendo com o júbilo e felicidade coletiva do povo, que aplaudia, participava, incentivava e se tornava a cada momento mais bestial e sem limites. Hoje, a História mostra que mesmo dentro dos nazistas alguns se espantavam com a violência e crueldade das massas. Tendo relatos de líderes nazistas amedrontados com a proporção que as coisas tomavam. As explicações do fenômeno do fascismo que se centravam apenas nos líderes (e os colocavam como gênios ou como o mal encarnado) caíram por terra. O que realmente aconteceu foi uma promessa não escrita entre as lideranças e o povo. A promessa da partilha da violência e da crueldade. A “banalização do mal”, nos termos de Hannah Arendt, era parte do pacto. O nazifascismo permitiria que cada frustrado autoritário liberasse seu ódio nas minorias, legitimando esta violência, enquanto estes grupos de enjeitados sociais e violentos apoiassem, de forma total, o regime. A promessa de compartilhamento da violência, da selvageria e da crueldade é o que torna o nazi-fascismo um movimento de massa. Nossa sociedade tem monstros demais escondidos dentro dos seus armários. O fascismo os liberta, empodera, dá sentido e os usa politicamente. No momento atual, tivemos duas crises econômicas profundas a fomentar o conflito distributivo: 2008 e 2010. As elites se reuniram contra os projetos de igualdade social e instilaram, novamente, o “medo do comunismo”. Entenderam o fascismo brasileiro como “tolerável” e uma força importante para vencer o “PT”. Empoderaram um líder burro, inepto e incapaz, com um discurso de ódio e capacidade de mobilização de assassinos e pensam poder controla-lo. Liberais e conservadores, neste momento, já perderam toda e qualquer capacidade eleitoral e a violência política já explode nas ruas brasileiras. A promessa ou o pacto fascista já está vigorando. As esquerdas continuam sem se unir e a “neutralidade” parece, a quem não conhece a História, ser a palavra da moda. Estão todos encenando uma peça já apresentada. Uma peça que termina com perseguições, massacres, violência e guerra. Um teatro que, de tão ridículo, parece não oferecer perigo, mas que, até por isto mesmo, se torna perigoso. Estão todos brincando com fogo. Uns porque lhes prometeram que vão poder queimar e outros porque acreditam que poderão controlar os incendiários. O fascismo é como o fogo, começa com pequenas fagulhas e logo não pode ser contido. Na Alemanha as demonstrações das “Marchas das Tochas” eram eloquentes avisos. Eram ameaças simbólicas que não foram ouvidas. No Brasil acontece exatamente o mesmo. Nos ouçam, por favor, antes que seja tarde demais.
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