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Os cães de guarda do Império Europeu por Uaçaí de Magalhães Lopes
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Cidadania
Sáb, 25 de Abril de 2009 10:18
Ergue-se na Europa um outro muro da vergonha. E o que é pior, um muro invisível, vergonhosamente invisível, e, por isso mesmo, medonho e como nos outros casos, protegidos por uma roupagem de legalidade, que nega todos os avanços dos direitos humanos conquistados a ferro e fogo e com a perda de muitas vidas; "o muro que separa os que estão protegidos pelo guarda-chuva dos direitos humanos e os que estão excluídos dessa cobertura protetora". A globalização é um processo impulsionado por forças econômicas que fogem ao controle dos indivíduos e das sociedades em particular; essa constatação, entretanto, parece negar a máxima de que os homens constroem a sua própria história, e mesmo constrangidos por condições históricas e materiais são capazes de transformar a realidade e construir o seu próprio destino. Fato incontestável é que as nações com economias mais atrasadas estão sendo submetidas a situações que, qualquer teórico ou cidadão isoladamente julgaria inconcebíveis para o nosso nível de consciência do século XXI.

Em geral, na compreensão do senso comum, o processo de globalização aparece como a transformação do globo em uma aldeia global: "e viu-se a terra inteira de repente, surgir redonda do azul profundo ..."; o fato é que somente na aparência a terra está tornando-se "toda uma"; Deus salve Fernando Pessoa. Temos a tentação de reeditar um humanismo romântico, e acreditar que a "relação de coisas" é diferente da "relação de pessoas", entretanto, como afirmou Slavoj Zizek, "na celebrada livre circulação aberta pelo capitalismo global, são as ‘coisas' (mercadorias) que circulam livremente, ao passo que a circulação das pessoas é cada vez mais controlada".

Nos referimos a uma decisão abominável da União Européia que passou praticamente despercebida: "o plano de estabelecer uma força policial de fronteira para toda a Europa a fim de assegurar o isolamento do território Europeu e evitar a entrada de imigrantes". Vivemos um novo "racismo" no mundo desenvolvido, de certa forma, mais execrável e mais brutal que todos os anteriores, porque é sub-reptício, não admitido e, portanto, mais difícil de ser combatido. Pelo menos 20% dos brasileiros e latino-americanos que viajam à Europa, via Portugal e Espanha são deportados; em geral, mulheres jovens e belas que são, de forma aviltante, "confundidas" com pessoas de "moral duvidosa". Portugal e Espanha, nações que tiveram que submeter suas populações a situações constrangedoras ao extremo para serem aceitas na União Européia, submetem-se agora, em conjunto, ao papel execrável de serem os "cães de guarda de fronteira". São funcionários acéfalos, apenas cumpridores de uma determinação absurda de mandar de volta ao Brasil e outras nações consideradas ameaçadoras à "boa ordem do paraíso europeu", uma certa quantidade de viajantes sob a simples alegação de estão "ilegais". Funcionários que, na maioria das vezes, sem nem mesmo encarar as vítimas, ou examinar os documentos de migração apresentados por mais de dois minutos, apenas vociferam, sem nenhum constrangimento pelos danos financeiros e morais que estão causando, a máxima: "você está ilegal". O ônus moral e financeiro é sempre das vítimas.

"O que se esconde atrás dessas medidas de proteção é a mera consciência formulada com brutal franqueza há mais de meio século por George Kennan: "Nós (os EUA) temos 50% da riqueza do mundo, mas apenas 6,3% da população. Nessa situação, nossa principal tarefa no futuro  (...) é manter essa posição de disparidade. Para faze-lo, temos de esquecer todo sentimentalismo (...) devemos deixar de pensar nos direitos humanos, na elevação dos padrões de vida e da democratização". [2] Trata-se, por outras vias, do reconhecimento que o modelo civilizatório do capitalismo liberal, em sua edição globalizante, se configura como um paraíso para poucos e não pode ser universalizado. A Europa imita com covardia o exemplo americano. Esses tiveram, pelo menos a coragem de erguer concretamente, de concreto e cerca eletrificada, o muro que os separa dos mexicanos.

Será que é esse o único caminho? Será que chegará a nossa vez de erguermos muros nas fronteiras com a Bolívia, o Paraguai e as outras nações latino-americanas?  

Os nossos irmãos europeus se esqueceram, e com muita rapidez, dos nossos "pracinhas" que morreram em solo europeu, para libertá-los do fascismo que eles próprios criaram. Esqueceram-se também, com muita rapidez, de que nos dois pós-guerras do século XX, muitas nações latino-americanas, em particular o Brasil, receberam milhares de famílias da Itália e da própria Espanha (que saíram de lá para não morrerem de fome) e as acolheram como imigrantes legais, lhes oferecendo oportunidades de emprego e, muitas vezes, como é o caso das famílias italianas imigradas para a Bahia, doando terras para que pudessem trabalhar e criar seus filhos.

Ergue-se na Europa um outro muro da vergonha. E o que é pior, um muro invisível, vergonhosamente invisível, e, por isso mesmo, medonho e como nos outros casos, protegidos por uma roupagem de legalidade, que nega todos os avanços dos direitos humanos conquistados a ferro e fogo e com a perda de muitas vidas; "o muro que separa os que estão protegidos pelo guarda-chuva dos direitos humanos e os que estão excluídos dessa cobertura protetora".

Que essa reflexão sirva para alertar o povo brasileiro, ricos e pobres, e os governantes em geral, para essa nova campanha contra o fascismo que se inicia. Não podemos nos calar diante dessa atitude vergonhosa que nos trata como seres humanos inferiores, pelo simples fato de sermos brasileiros. Ao contrário, isso nos distingue e nos dá orgulho.



[1] Uaçaí de Magalhães Lopes é Professor da Universidade Estadual de Feria de Santana e doutorando em Educação pela UFBA. Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo.

[2] KENNAN apud ZIZEK, Bem vindo ao deserto do real! Cinco ensaios sobre o 11 de setembro e datas relacionadas. São Paulo: Boitempo, 2003, p. 172).

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