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O Superpoder e a nova realidade por Elizabeth Carvalho(*)
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Cidadania
Ter, 03 de Novembro de 2009 21:47
"SuperShannon" desembarcou em Tegucigalpa porque Zelaya não se encontrava mais exilado num país vizinho: estava em seu próprio país, abrigado na sede da Embaixada brasileira na capital hondurenha, que, apesar de cercada, ameaçada e submetida a todo tipo de constrangimentos, nunca mereceu da grande mídia brasileira ao longo destas semanas tensas a mesma indignação tão enérgicamente manifestada pelos governos da América do Sul e seus representantes na Organização dos Estados Americanos. O artigo é de Elizabeth Carvalho. De repente, como num passe de mágica, o Superhomem se materializou na pequena e pobre Honduras, um país à deriva, atolado numa convulsão política de quatro meses. Munido de seus superpoderes, o novo herói decretou o final da mais grave e perigosa crise vivida pela a América Latina nos últimos anos. O Superhomem atende pelo nome Thomas Shannon, secretário adjunto de Estado para o hemisfério ocidental dos Estados Unidos da América, definido como um diplomata “de perfil moderado, que aposta no diálogo e na conciliação”, em vias de se tornar embaixador no Brasil.

Esta é a conclusão que se pode tirar do extenso noticiário na grande mídia que celebra a aparente solução de um conflito que fez acender um sinal vermelho na estabilidade das democracias recentemente sedimentadas no continente. Não há, por enquanto, um sinal verde para substituí-lo, porque a única solução definitiva depende ainda do comportamento do Congresso hondurenho na recondução do presidente legítimo, Manoel Zelaya, ao governo que lhe foi usurpado através de um golpe de Estado. Mas o tom eufórico que associa a chegada de Shannon a Tegucigalpa ao fechamento de um acordo satisfatório entre o presidente golpista e o presidente de facto induz à idéia de que se confirma a velha teoria de que o destino dos latino-americanos está, inexoravelmente, atrelado à “liderança” da nação mais poderosa do mundo.

Seria ingenuidade negar a evidência de que a solução da crise dependia, de fato, da vontade política da “nova e vitoriosa diplomacia” de Barack Obama que a mídia aplaude com fervor. Ao longo dos quatro últimos meses em que a população hondurenha foi submetida à violência e à privação de seus mais elementares direitos de liberdade, esta responsabilidade dos Estados Unidos foi reiteradamente cobrada pelos governos latino-americanos que, desde o primeiro momento, assumiram uma posição firme e coesa no rechaço ao golpe que alçou ao poder o ex-companheiro de partido de Zelaya, Roberto Micheletti.

O mesmo não se pode dizer da posição “hesitante” americana durante todo este tempo - ao concluir que um presidente deportado para Costa Rica depois de ter a residência invadida por soldados do exército e ser arrancado da cama com uma arma apontada na cabeça não “configurava” um golpe militar; ao tomar medidas homeopáticas de bloqueio econômico a Honduras, na contramão do que fizeram os vizinhos do continente; ao divulgar, diante de um governo que mantinha o país sob estado de sítio, que “no momento” os Estados Unidos não sabiam se apoiariam ou não as eleições convocadas pelos golpistas; e ao manter em Honduras seu embaixador, Hugo Llorens, ao contrário dos países latino-americanos, que chamaram de volta seus representantes. Llorens, segundo informações publicadas na época em diversos jornais do continente, chegou a admitir, para depois negar, sua presença “como observador” nas reuniões do bloco de Micheletti nos dias que antecederam o sequestro de Zelaya. Não era preciso nenhum esforço de análise para se concluir que a intenção era “empurrar” pela via da ambiguidade a questão hondurenha até as eleições de 29 de novembro anunciadas pelo governo golpista, na crença de que até lá as coisas se acomodariam diante de um fato consumado.

A biografia do embaixador americano em Honduras levantada pelo jornalista francês Jean-Guy Allard revela fatos curiosos que a mídia local aparentemente não se interessou em investigar. Em 2002, quando se deu o golpe de estado contra o presidente da Venezuela Hugo Chávez, Llorens, um cubanoamericano, era diretor para assuntos andinos do Conselho de Segurança em Washington e ocupava na Casa Branca o cargo de principal assessor para assuntos da Venezuela do governo de George W.Bush, subordinado ao então subsecretário de Estado para o hemisfério ocidental Otto Reich, também cubanoamericano, de conhecidas ligações com grupos anticastristas de Miami.

Em 2008, Llorens foi nomeado embaixador em Honduras em substituição a Charles Ford, a quem coube a tarefa de consultar Zelaya sobre um possível abrigo em Honduras ao terrorista venezuelano Luis Posada Carilles, ex-agente da CIA, com uma extensa ficha de envolvimento em conspirações e atentados no território de Cuba e principal acusado da explosão de um avião da companhia aérea cubana que matou 73 pessoas em 1976, quando voava sobre Barbados. Carilles, como se sabe, fugiu da prisão na Venezuela em 1980, viveu clandestino durante 25 anos e solicitou oficialmente asilo nos Estados Unidos em 2005. Foi detido em Miami e, em janeiro de 2007, acusado de “fraude e declarações falsas no processo de solicitação da nacionalidade americana” e levado à prisão de Otero, no Novo México. Cumpriu, ao que consta, apenas quatro meses de prisão. Sua liberdade foi concedida mediante o pagamento de fiança. Durante todos esses anos, Caracas tenta sem sucesso a extradição de Carilles para concluir seu julgamento em solo venezuelano: o caso Carilles é ainda hoje um dos elementos de grande tensão das relações entre Venezuela e Estados Unidos.

Llorens apresentou suas credenciais a um presidente ainda indignado com a consulta do colega que agora substituía, e mobilizado pela decisão do governo boliviano de Evo Morales de expulsar o embaixador americano Philip Goldberg, acusado de envolvimento nas conspirações com os grupos separatistas que levaram o país ao caos em setembro do ano passado. Zelaya fez questão de expressar ao novo embaixador sua perplexidade com os acontecimentos “no país mais pobre da América do Sul”. Saudar um diplomata americano com um protesto era um comportamento inusitado para um presidente de Honduras, uma nação umbilicalmente ligada aos Estados Unidos não apenas pela quase absoluta dependência econômica, mas por ter servido sempre de base de apoio para as operações militares americanas e de mercenários na guerra contra os sandinistas da Nicarágua e a guerrilha em El Salvador, num dos mais dramáticos e sangrentos períodos da história da América Central. Inclusive para as operações de Carilles.

Na noite de 22 de junho de 2009, portanto, quando Zelaya foi apeado do poder, havia muito mais em jogo em Tegucigalpa do que a “insistência” do presidente em realizar uma consulta popular simultânea às eleições presidenciais sobre o interesse do povo hondurenho na convocação de uma nova Constituinte. Apostava-se num jogo de vitória fácil: Honduras, afinal, não seria a Venezuela, e Zelaya, um representante da oligarquia fundiária do Partido Liberal direitista que foi aos poucos se acomodando aos ventos progressistas que sopram à esquerda no continente, não contaria com a força de um respaldo popular organizado e feroz, como o que reverteu o quadro na tentativa de derrubar Hugo Chávez em 2002.

A surpreendente tenacidade de uma resistência hondurenha (estimulada inclusive pela violência dos próprios golpistas) ajudou certamente a virada do jogo. Mas o desfecho certamente seria outro, não fosse a tenacidade dos governos de um continente que nos últimos anos vem caminhando a passos largos na direção de uma unidade na defesa de seus próprios interesses, dos princípios de soberania, independência, cooperação e solidariedade entre os países que integram a região, inimaginável há apenas 10 anos. SuperShannon desembarcou em Tegucigalpa porque Zelaya não se encontrava mais exilado num país vizinho: estava em seu próprio país, abrigado na sede da Embaixada brasileira na capital hondurenha, que, apesar de cercada, ameaçada e submetida a todo tipo de constrangimentos, nunca mereceu da grande mídia brasileira ao longo destas semanas tensas a mesma indignação tão enérgicamente manifestada pelos governos da América do Sul e seus representantes na Organização dos Estados Americanos.

O que venceu o impasse foi a firmeza e a serenidade com que a política externa do governo Lula desempenhou seu papel no epicentro da crise hondurenha, com o apoio de seus vizinhos do sul. Não deixa de ser curioso observar que no mesmo dia das odes à doutrina do soft powerSuperpower: apesar dele.

(*) Elizabeth Carvalho é jornalista e mestranda em Economia Política Internacional do Instituto de Economia Do Núcleo de Estudos Internacionais, NEI/UFRJ.
americano os presidentes Lula e Chávez comemoravam, numa plantação de soja em El Tigre, a aprovação, pela comissão das Relações Exteriores do Senado brasileiro, do ingresso da Venezuela no Mercosul. Uma quebra de preconceito que levou dois anos e meio para se efetivar, ainda que todos, não apenas na esquerda, mas sobretudo na direita, soubessem que este passo representa de fato um sopro de vida no PIB global do mercado comum sul-americano e na formidável contribuição venezuelana com insumos energéticos e recursos financeiros para projetos de integração econômica e de infra-estrutura no continente. Projetos, enfim, construídos lenta e duramente, tijolo a tijolo. Não por causa do

Artigo publicado originalmente em http://www.cartamaior.com.br

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