O direito de conhecer a verdade Por NAVI PILLAY |
Cidadania | |||
Sáb, 07 de Agosto de 2010 16:37 | |||
A recente sentença
da Corte Interamericana de Direitos Humanos exigindo que o Brasil revise sua
lei de anistia é um marco crucial na luta contra a impunidade em uma região que
ainda precisa entender melhor e confrontar as atrocidades cometidas durante os
conflitos internos das últimas décadas.
As anistias que sepultam a verdade são suscetíveis a prejudicar a perspectiva de construção de sociedades justas e seguras no futuro
A recente sentença
da Corte Interamericana de Direitos Humanos exigindo que o Brasil revise sua
lei de anistia é um marco crucial na luta contra a impunidade em uma região que
ainda precisa entender melhor e confrontar as atrocidades cometidas durante os
conflitos internos das últimas décadas. Os governos costumam justificar as leis de anistia em nome da rápida reconciliação nacional. A história mostra, porém, que não responsabilizar os autores, além de negar a justiça às vítimas, pode gerar novos conflitos em vez de curar feridas. Quando anistias são concedidas na pressa de virar a página dos conflitos -ou pela sinistra razão de encobrir os abusos- sua revogação deve ser sempre uma opção aberta. No entanto, na América do Sul e em outros lugares, o esquecimento continua sendo promovido. Isso acontece apesar de que, como a Corte sublinhou, deixar indefesas as vítimas e continuar com a impunidade são ações incompatíveis com o espírito da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Um exemplo é o Brasil, onde o Supremo Tribunal Federal negou a possibilidade de alterar a lei de anistia de 1979, afirmando que os crimes cometidos durante a ditadura foram "atos políticos". No Chile, a lei da anistia continua vigente, após 32 anos, apesar do repúdio internacional e das tentativas fracassadas de condenar o ex-ditador Augusto Pinochet. No Uruguai, o governo teve que intervir para impedir a promulgação de uma lei que teria permitido a libertação de autores de violações de direitos humanos devido à sua idade avançada. Nesse contexto, medidas para melhorar a prestação de contas são fundamentais. Na Argentina, país com o maior número de julgamentos de direitos humanos no mundo, tribunais continuam presidindo casos de crimes contra a humanidade e graves violações de direitos humanos cometidos durante a guerra suja. O ex-ditador Rafael Videla está novamente respondendo por violações de direitos humanos. A Argentina tem demonstrado que conhecer a verdade é um direito sem limites. E um direito que ninguém pode negar. Todos e cada sociedade têm o direito de saber quem violou seus direitos, por que, quando, onde e como os crimes foram cometidos, e de serem informados sobre o destino das vítimas. Anistias que sepultam a verdade e isentam os responsáveis são suscetíveis a prejudicar a perspectiva de construção de sociedades justas e seguras no futuro. A impunidade fomenta o ressentimento e a falta de confiança nas instituições. Ela encoraja os autores a cometer novos crimes e pode encorajar outros a se juntarem aos infratores.
A posição da ONU
sobre as anistias é claríssima: não são admissíveis se evitam o julgamento de
pessoas que podem ser penalmente responsáveis por crimes de guerra, genocídio,
crimes contra a humanidade ou violações graves de direitos humanos. Por outro
lado, a anistia não deve pôr em perigo o direito das vítimas a recursos legais,
incluindo a reparação, nem pode limitar seu direito e o das sociedades de
conhecer a verdade.
NAVI PILLAY é
comissária das Nações Unidas para os direitos humanos. Artigo publicado originalmente no Jornal Folha de São Paulo
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Última atualização em Qui, 12 de Agosto de 2010 10:07 |
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