CRISE NO JUDICIÁRIO A primavera brasileira Por Alberto Dines |
Cidadania | |||
Dom, 02 de Outubro de 2011 12:49 | |||
No Velho Testamento eles aparecem como líderes, sábios, depois foram
substituídos pelos reis e três mil anos depois, neste esplêndido pedaço
do mundo chamado Brasil, juízes estão na berlinda, candidatos ao banco
dos réus. E, se a pendência entre a AMB e o CNJ acirrar-se, a toga corre
o risco de perder a aura de solenidade que a envolve.
A administração da justiça contém ritos fascinantes, a submissão ao
poder das leis produz um dos mais belos espetáculos que a sociedade
humana já inventou. Um júri diferente, porém, começa a empolgar o país e
ele não favorece a Associação dos Magistrados Brasileiros no seu pleito
contra a independência do Conselho Nacional de Justiça. O confronto doutrinário que a entidade dos juízes pretendia provocar já não consegue esconder uma inequívoca motivação corporativista. O Estado de Direito que visa aperfeiçoar está negando um dos princípios básicos da mecânica democrática: cada poder deve ser equilibrado por um contra-poder. O Estado moderno é necessariamente descentralizado. A bandeira do "controle externo" embutida na criação do Conselho Nacional de Justiça é herdeira de outra, veneranda, a do equilíbrio entre os poderes para acabar com o absolutismo. Contra o corporativismo A ação de inconstitucionalidade impetrada pela AMB contra as prerrogativas constitucionais do CNJ desvenda um dos nossos paradoxos nucleares: aqueles que deveriam zelar pela aplicação das leis estão em pé de guerra contra os que pretendem cumprir as leis investigando e punindo juízes acusados de desvios de conduta. A prepotência insurge-se contra a coerência. A investida da corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, contra aqueles que deslustram a toga é quixotesca, mas não é fantasiosa, seria inacreditável se não representasse a pura verdade: tramitam na corregedoria 115 processos contra juízes de primeira instância e 35 contra desembargadores. A presidente do Tribunal de Justiça do Tocantins está sendo acusada de pertencer a um esquema de venda de sentenças que ficará impune caso a AMB consiga cercear o CNJ. Em seis anos de existência, o CNJ e sua corregedoria puniram 49 juízes por desvios de conduta, enfrentaram o nepotismo, extinguiram benefícios abusivos e, sobretudo, estabeleceram metas de desempenho para acabar com a lentidão judicial, a grande cúmplice da impunidade. Segundo denúncia do Estado de S. Paulo de sexta-feira (28/9), 18 dos 29 corregedores de tribunais respondem ou já responderam a processos do próprio órgão. Em 2011, no Tribunal de Justiça de São Paulo foram punidos apenas seis magistrados, 460 denúncias foram arquivadas. A OAB insurgiu-se contra o corporativismo da AMB, também a Procuradoria Geral da República, também senadores da situação e da oposição esqueceram suas diferenças e apresentaram uma Proposta de Emenda Constitucional mantendo os poderes do CNJ garantidos desde 2004 pelo artigo 103-B. Letra da lei Não é de hoje que a ABI - Associação Brasileira de Imprensa acusa o judiciário de ser a grande fábrica de mordaças e atos censórios da República. O mesmo Estadão está obrigado há mais de dois anos pelo Tribunal de Justiça de Brasília a silenciar sobre a Operação Boi Barrica da Polícia Federal que investiga os negócios do clã Sarney. As provas coletadas nesta operação pela PF foram consideradas nulas por outro tribunal. A querela transcende ao Judiciário. O Estado brasileiro parece aturdido, perplexo, incapaz de enxergar as luzes que começam a ser acionadas. O espírito das leis começa a impor-se à letra da lei. Este é o espírito da primavera brasileira empurrada por duas destemidas juízas: Patrícia Acioly, fuzilada em Niterói pelos policiais corruptos que investigava e a brava Corregedora Nacional de Justiça, que nos lembrou algo comezinho: bandidos também usam togas. Artigo publicado originalmente em Diário de S.Paulo, 2/10/2011
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