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Forum pela Palestina: um outro olhar judaico por Sergio Storch
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Cidadania
Seg, 03 de Dezembro de 2012 17:54

palestinaPelo menos metade da sociedade israelense apoia a solução de Dois Estados: um olhar que busca – e encontra — o parceiro palestino

O Brasil tem o privilégio de abrigar, nesta semana, o Forum Social Mundial pela Palestina Livre, na cidade-berço dessa invenção que está na raiz do pensamento de uma nova governança global. Lá se vão quase 13 anos desde que criamos este campo de novas possibilidades: “um outro mundo é possível”, conforme o dístico criado em sua fundação. Para alcançar o sentido da importância deste Forum pela Palestina é importante lembrar a origem do FSM, nascido em 2001 por iniciativa de um grupo de brasileiros, em que participavam Betinho, Oded Grajew, Chico Whitaker, Sérgio Haddad e tantos outros bem conhecidos na nossa sociedade civil, desde a resistência à ditadura militar.

A este Forum pela Palestina reagem, apreensivos com possíveis impactos de protestos e manifestações, setores hegemônicos da comunidade judaica brasileira, manifestando pela mídia versões atenuadas de censura aos governos federal, estadual e municipal de Porto Alegre, por apoiarem esse evento que, numa visão cartesiana, aparenta desafinação em relação ao discurso de equidistância dos polos do conflito: Israel e Palestina.

É, pois, oportuno registrar a existência de uma outra visão judaica. É bem antiga, remontando aos valores já expressos no Pentateuco, que trouxe em sua legislação o reconhecimento do outro, dos seus direitos, e da responsabilidade de cada indivíduo com todos os demais, de seu povo ou estrangeiros. “V’ahavta l’reacha kamocha” (amai ao próximo como a ti mesmo) está nos ensinamentos da Torá, conforme o Rabi Akiva, ícone da ética judaica. Não há nada a temer. Rancor contra Israel haverá, podendo por vezes resvalar para chamamentos à destruição de Israel e para o antissemitismo rasteiro, como derivação de ignorância que existe de forma recíproca também da parte dos que apoiam incondicionalmente Israel. Todos conhecemos muito pouco de nossas matrizes e histórias, tanto das nossas quanto as dos outros povos. Aos que criticam o FSMPL e os governos que o acolhem, é bom estudarem um pouco.

E aqui vão algumas informações úteis para os que estarão no FSMPL, para os que o acompanham com simpatia, e também para os que a ele se opõem precipitadamente.

As comunidades judaicas em todo o mundo enfrentam fissuras na pretensa unidade que lideranças institucionais procuram aparentar, tentando cobrir o sol com a peneira. Em Israel o debate livre pela imprensa é a maior evidência.

Há um abismo separando ao menos metade da sociedade israelense (que, segundo as pesquisas, apoiam a solução Dois Estados), dos seguidores da coalizão de direita que está no governo há 3 anos. É bom lembrar que o primeiro ministro Netanyahu teve mandato anterior (1996-1999), dentro do qual já havia promovido retrocessos em relação aos acordos celebrados em Oslo (1993) por seus opositores Itzhak Rabin e Shimon Peres (atual presidente, de oposição), com Yasser Arafat. Sua procrastinação e provocações na expansão de assentamentos em territórios palestinos ocupados, exigidos por sua base aliada, fez vencer então o prazo de 5 anos fixado em Oslo para um acordo de paz permanente, gerando a insatisfação crescente das massas palestinas que explodiu, já de forma incontrolável, na segunda intifada, no ano 2000. É um personagem de convicções inabaláveis e perseverante, que não hesita em abusar da memória de tragédias históricas sofridas pelos judeus para justificar uma estratégia míope, baseada tão somente na força militar.

A extensão desse abismo, que não é novo, pode ser apreciada por este artigo que se refere a uma carta de Leah Rabin (viúva de Itzhak Rabin, assassinado por um extremista judeu em 1995), na época daquele primeiro mandato: “Netanyahu é um mentiroso corrupto que está destruindo tudo que nossa sociedade tem de bom”. (http://www.haaretz.com/print-edition/news/rabin-s-widow-calls-netanyahu-a-nightmare-in-decade-old-letter-1.5452 ). Netanyahu e seu governo não representam uma unidade dos judeus israelenses, nem tampouco dos judeus na maior comunidade da Diáspora, a norteamericana.

Há um olhar judaico em Israel que busca – e encontra – o parceiro palestino.

Ao contrário da propaganda desse governo manipulador do medo e da insegurança, que martela a ideia de que não há parceiros para a paz, há inúmeros exemplos de parcerias. Amos Oz tem Sari Nusseibeh. O músico Daniel Barenboim teve como parceiro o maior intelectual palestino, Edward Said, para a formação da sua orquestra de jovens israelenses e árabes, hoje mantida pelo governo da Andaluzia, na Espanha (http://en.wikipedia.org/wiki/West-Eastern_Divan_Orchestra). A cantora israelense Noa canta com sua amiga palestina Mira Awad (http://www.youtube.com/watch?v=Rn12wcZaZF8). Há ex-soldados israelenses e ex-militantes palestinos da luta armada que se encontram no Combatants for Peace. O líder de direitos humanos Edward Kaufman (que levamos no dia 20 ao Itamaraty, ao final de 10 dias conosco) leciona com um parceiro palestino sobre direitos humanos e resolução de conflitos (seu amigo Manuel Hassassian é embaixador da Autoridade Palestina na Inglaterra). Nada mais falso do que a mistificação de que não há parceiros para a paz. Há 130 ONGs em que atuam ombro a ombro israelenses e palestinos na defesa dos direitos violentados pelas políticas dos governos israelenses, desde a detenção de prisioneiros sem culpa formada por tempo indeterminado, até a desobediência civil de mulheres israelenses que regularmente contrabandeiam mulheres palestinas para tomarem banho de mar em Tel Aviv ou Haifa.

Falemos da maior comunidade da Diáspora judaica, a norteamericana, cuja população ( 5 milhões) não é muito menor que a judaica israelense (6 milhões). A tradição liberal dessa comunidade, que teve líderes marchando ao lado de Martin Luther King nos anos 60 e combatendo à guerra do Vietnã nos anos 70, expressa-se hoje em organizações como o Jewish Voice for Peace (do qual rabinos participaram das flotilhas que chamar a atenção do mundo para o bloqueio israelense a Gaza), o Tikkun (http://www.tikkun.org/nextgen/ ) (liderado pelo rabino Michael Lerner, que é ativista pela paz desde a resistência à guerra do Vietnã), e o JStreet (http://www.jstreet.org/), um lobby judaico no Congresso que se opõe ao mal-denominado “lobby sionista”, a AIPAC (The American Israel Public Affairs Committee – http://www.aipac.org/ ).

Vale destacar que este último, embora financeiramente forte, é tão pouco representativo da maioria da comunidade judaica que sua campanha ostensiva por Mitt Romney nas últimas eleições (US$ 100 milhões só da parte do seu presidente, Sheldon Adelson, magnata dos cassinos de Las Vegas) foi respondida pela maioria de 70% do voto judaico que foi para Obama. Esse lobby vem corroendo por dentro a democracia israelense, com o investimento em mídia impressa que hoje domina 90% dos leitores do país. E é abertamente aliado a outra força das mais retrógradas da sociedade norteamericana, o chamado “sionismo cristão”, dos fundamentalistas evangélicos, no qual atuam figuras do Tea Party que, como o ex-candidato Glenn Beck, vão a Israel para incitar à distância os seus seguidores nos Estados Unidos (ver comentário na imprensa israelense – http://www.haaretz.com/print-edition/opinion/with-friends-like-glenn-beck-1.380155). A nata da extrema direita norteamericana tem a AIPAC como instrumento. Não pode ser denominada “lobby sionista” ou “lobby judaico”, pois nessa complexa sociedade há revistas progressistas há mais de um século ou mais (The Nation, Forward etc.), povoadas por judeus destacados.

O anti-lobby JStreet (http://www.jstreet.org/ ) (abreviação de Jewish Street, ou seja, a “rua judaica”) está no seu 4º ano de existência, e tem realizações constantes ao trazer para contato com congressistas e secretários de Obama pessoas eminentes de Israel, que incluem até mesmo generais e oficiais de alto escalão dos serviços de inteligência, que lá vão demonstrar à opinião pública e ao governo a importância de pressionar o governo israelense no sentido de mudar de direção.

A arrogância dos próceres da diplomacia israelense, hoje chefiada por um ministro que lidera a extrema direita no país, e visto por muitos embaixadores como destruidor de competências que Israel chegou a ter com figuras lendárias como Abba Eban, vai a ponto de pressionarem governos do Ocidente a não reconhecerem aos palestinos sequer o direito de fazerem parte de instituições como a Unesco. Atribuem ao terrorismo palestino uma natureza cultural dos muçulmanos, enquanto fecham aos palestinos os caminhos do combate não violento pelos seus direitos. Vale ressaltar a linguagem eivada de ironia e hipocrisia como a expressada nesta frase de um adido israelense ao Uruguai, por ocasião da celebração de acordo do Mercosul com a Autoridade Palestina: “o acordo do bloco do Cone Sul com a Palestina “não é a melhor forma” de estimular o processo de paz no Oriente Médio” (http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,bloco-tera–livre-comercio-com-a-palestina-,813173,0.htm ). Qual será então a melhor, Srs. cônsules e embaixadores? Aprofundar o apartheid na zona C da Cisjordânia com a construção de mais assentamentos, enquanto não se dão licenças de construção para os moradores palestinos?

Bem, temos à nossa frente o Forum Social Mundial pela Palestina Livre. É uma oportunidade inédita para que brasileiros, judeus ou árabes ou de quaisquer origens, proponham um novo olhar: um olhar de ação afirmativa que, em vez de recusar os direitos de um ou de outro lado, afirme e defenda esses direitos.

A primeira ação, que pode ter efeitos contínuos e duradouros, pode ser a proposta de um tratamento de Fair Trade (Comércio Justo) para o azeite de oliva palestino, com ativos que nós brasileiros desenvolvemos para a rastreabilidade de produtos agrícolas desde a produção até a mesa em que são consumidos. É uma forma de trazermos aos consumidor-cidadão a informação de que a oliveira, símbolo da paz, é plantada por gente comum que zela pela subsistência de suas famílias, e arrancada às vezes por vândalos, ou destruída por bulldozers que fazem a preparação do terreno para construção do muro de separação. É trazer ao conhecimento do consumidor-cidadão a existência de filmes como “Budrus”, que mostram a realidade na escala do humano de palestinos que resistem de forma não violenta, apoiados também por israelenses com esse outro olhar, e que podem ter em suas aldeias futuros Gandhis.

Há inúmeras formas de intervirmos nós, brasileiros, com uma pauta de ações afirmativas, ao lado do governo brasileiro no programa “Lado a lado: a construção da paz no Oriente Médio – um papel para as Diásporas” (http://bit.ly/itamaraty_ladoalado), que certamente contará, mais cedo ou mais tarde, com apoio das lideranças judaicas mais esclarecidas.

Temos uma grande vantagem: é muito mais fácil arregimentarmos num movimento nesse sentido setores crescentes de uma comunidade pequena – e em certos aspectos provinciana – de 100.000 pessoas, do que seria possível na maior comunidade judaica, 50 vezes maior.

A oportunidade está à nossa frente: ao contrário do que prevaleceu no mundo árabe a partir da Conferência de Cartum, em 1967, com os três nãos: “não à paz com Israel, não ao reconhecimento de Israel, não às negociações com Israel” ( (http://www.theisraelproject.org/site/c.hsJPK0PIJpH/b.2715697/k.7502/The_Khartoum_Conference.htm), ou seja, há 45 anos, desde 2002 essa página foi virada com a Iniciativa Árabe de Paz ((http://en.wikipedia.org/wiki/Arab_Peace_Initiative).

É esta vontade dos dois lados que o Brasil quer apoiar, e o FSMPL é a oportunidade para preparar passos mais ousados. Em termos judaicos poder-se-ia dizer que o FSM está às vésperas de celebrar o seu Bar Mitzvá, o ritual de passagem que marca a passagem dos jovens para a responsabilidade moral pelos seus atos, aos 13 anos. Que possamos amadurecer ações afirmativas para celebrá-las no 13º FSM, na Tunísia, em março de 2013.

Sérgio Storch é consultor em Planejamento, ativista de diversas causas ligadas à transformação social. Escreve, em Outras Palavras, a coluna Outro Israel é Possível

Artigo publicado originalmente em http://www.outraspalavras.net

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