Protestos são “uma nova fase da democracia brasileira” diz Rogério Carvalho |
Cidadania | |||
Sex, 28 de Junho de 2013 02:08 | |||
Sobre a onda de manifestações, é imprescindível aos governos “garantir que o cidadão possa participar de todas as etapas da administração, desde a definição das diretrizes até o cumprimento efetivo delas.
O modelo de democracia representativa não é suficiente, no tempo em que as pessoas participam da vida pública ou que participam de tudo. Fiz essa análise no portal Sergipe 247 ao jornalista Valter Lima. Segue a entrevista na íntegra: Precisamos ver esse movimento como uma nova fase da democracia brasileira com o surgimento de um novo ator político na cena política brasileira. Até agora nós temos os atores que surgiram na década de 70 e 80, decorrentes do processo de luta pelas conquistas sociais, ou seja, pelo direito, que foi a base da entrada em cena dos atores que são os operadores da política do tempo que a gente vive. Então, era a busca pelo direito. Os Governos Lula e Dilma garantiram a inclusão pelo direito como nenhum outro Governo na história. Ou seja, aquela agenda que foi a base da construção de uma geração de novos atores políticos se consolidou e se materializou a partir dos Governos Lula e Dilma. A partir de agora, já nasce uma nova agenda, que é a busca da qualidade e por alguns serviços, que são generalizados, não são mais os serviços da miséria. É o serviço que deve contemplar a toda a sociedade. E não mais um segmento. Agora é a revolução tecnológica. As redes sociais são o instrumento. É um instrumento difuso, onde qualquer um pode ter acesso. E temos aí um outro fenômeno, que a gente precisa analisar, que a marginalização natural que ocorre com determinados setores da sociedade. Marginalização no sentido de estar à margem, para que o acesso a este setor se faça através de operadores. Por exemplo, a medicina. Ela caminha paralela ao desenvolvimento da sociedade, ou seja, está a margem. Para o cidadão acessar a medicina, precisa do médico. E quanto mais ela se especializa, mais ela se marginaliza e mais ela se legitima. O direito, quanto mais ele se especializa, mais ele se marginaliza, mais ele se legitima e os advogados passam a ser os mediadores entre o direito e o cidadão e a cidadania. E o Estado? O Estado Brasileiro de 1988 para cá nasce decorrente daqueles atores que entraram na cena política no final das décadas de 1970 e 1980, que influenciam na construção de um novo Estado, o Democrático, mas um Estado complexo e sofisticado, com separação entre governo e estado. E cria uma especialização e um novo modelo de Estado muito mais hermético, mais especializado, só que ao longo do tempo, o fato da esquerda ter chegado ao Estado e aos governos, a disputa política começa a lançar mão de um questionamento sobre a legitimidade não do governo, mas do Estado, e isto transforma aquele setor que se marginaliza em função da natureza, ou seja, da especialização e da complexidade que a Constituição estabeleceu, num lugar de coisas escusas, de coisas não publicáveis, e isto é o principal ponto. No final das contas, intuitivamente, as pessoas chegam nos símbolos que representam a institucionalidade e se colocam contra a institucionalidade. E isso pode ser um problema, porque ela faz parte da estabilidade democrática. E a democracia é um valor que a gente precisa preservar, mas a multidão questiona os símbolos da democracia e das instituições democráticas. Está errado ou certo? É uma percepção de que este Estado, hermético, fechado, é lugar de coisas escusas. É preciso o Estado reagir. Então, inclusive, nós criamos uma rede social (governando.com.br), que é uma rede criada por mim e por uma empresa do Rio de Janeiro, mas na prática o que estávamos a procura era: em que plataforma tecnológica devem se assentar o governo? Porque os governos devem se tornar permeáveis, mas não de faz-de-conta, mas real, para que a gente possa acabar com a corrupção ou diminuir 99% da corrupção, para que a gente possa ter uma associação entre a democracia representativa e a participação da sociedade. O modelo de democracia representativa não é suficiente, no tempo em que as pessoas participam da vida pública ou que participam de tudo. As redes sociais e a tecnologia permitem o retorno da individualidade, da construção da percepção de ser sujeito, porque estou em qualquer lugar do mundo, em tempo real. Eu interajo com uma celebridade em tempo real, a minha opinião pode se transformar na opinião de muitos sem precisar de nenhum mediador. Eu posso virar uma estrela sem ter produtor, sem ter nada, basta que aquilo que eu produzo caia na graça do coletivo. Isso cria um novo fenômeno de comportamento na sociedade. E este comportamento tem que ser refletido e visualizado por quem faz governo. E nós só teremos sucesso se mudarmos a lógica de uma democracia representativa, que não podemos abrir mão, porque não existe outro modelo, mas agregar a participação social em tempo real. Não é deslegitimando a democracia que daremos um novo passo. A gente precisa agregar à democracia representativa a participação efetiva da sociedade, para que aqueles que decidem em nome de todos possam estar construindo, com todos, um governo coletivo. Então, a coletivização da construção política de um país, dos rumos de uma sociedade passa pela construção de uma plataforma tecnológica sobre a qual devem se assentar os governos para permitir, em tempo real, que todos os cidadãos possam participar. Porque agora não cabe mais a possibilidade de eu falar pelo outro, porque hoje eu não falo por ninguém, ninguém fala por mim, eu falo direto, através da rede social, eu falo com todo mundo. Este é o modelo que a gente precisa construir. O tempo que nós fazíamos para a massa acabou, porque não existe mais massa, existem indivíduos que se relacionam com outros indivíduos, como um rizoma. Um rizoma é uma planta que tem vários nódulos, que produzem raízes, que produzem estímulos elétricos e que circulam como se fosse um rede neuronal, ou seja, o que nós estamos vivendo hoje é um sistema que precisa caminhar para ser um sistema rizomatoso, com vários nódulos e núcleos produtores. E quem são esses nódulos e núcleos? Pode ser uma organização econômica ou social, mas pode ser um indivíduo. O que vai prevalecer é a força da ideia. Ou seja, o cara pode ter a sua produção vista por três milhões de pessoas, por um bilhão de pessoas. Quem é que estava por trás do rapper coreano? E ele foi protagonista de um clipe que virou o maior sucesso de visualização da rede de toda a história da humanidade. Se isso é verdade, quando se trata de uma indústria poderosíssima, com ramificações em vários setores, de produzir para difundir na massa. E se uma pessoa pode ser mais poderosa do que tudo isso, o que dizer de um partido? Estamos vivendo um novo tempo que marca o começo real da nossa democracia. Talvez a gente deva caminhar para isso. Eu aposto nisso no futuro. Não necessariamente só os partidos, mas qualquer organismo que preencha determinados requisitos de legitimidade que possa ter a possibilidade de ser canal de participação da sociedade. Por pior que seja o partido no Brasil, ele teve 500 mil pessoas dizendo, de uma forma ou de outra, que concorda com aquele partido. E não é menos qualificado do que as pessoas que estão nas ruas. Porque nem todo mundo está na rua sabendo o que quer ou querendo coisas distintas. No partido, as vezes, as pessoas assinam a ata de sua criação, porque é amigo. A pessoa também vai a passeata porque o amigo vai. Então não temos que ter a satanização dos partidos e a cristianização dos movimentos. O que acontece em um partido para ele ser criado não é muito diferente. O que motiva alguém a entrar e assinar não é muito diferente do que motiva as pessoas a irem às ruas. Óbvio que o calor daquilo que é feito em multidão é muito mais significativo, porque produz a imagem. Agora, se você pensar em matérias de eleição: quantas pessoas tiveram nas ruas ontem em Aracaju? 20 mil? Quantas pessoas votaram em mim na eleição? [Rogério teve mais de 100 mil votos] Quantas passeatas daquela me representam? É diferente, claro, mas as pessoas manifestaram. Isso tem importância e não pode ser negligenciado. Agora só isso não é suficiente no tempo que a gente vive. Só a democracia representativa não é suficiente. A gente precisa criar os mecanismos da participação da sociedade. É bonito e bom saber, é fabuloso imaginar que os sujeitos estão presentes e que a história vai ter continuidade. E que uma nova institucionalidade pode ser forjada, com novas necessidades, em um novo momento da democracia do Brasil. Rogério Carvalho - Médico Sanitarista com doutorado na Unicamp. Professor Licenciado da UFS. Militante desde 1986. Petista desde 1990. Deputado federal mais votado da história de Sergipe. Presidente Estadual do PT. Artigo publicado originalmente em http://www.brasil247.com/pt/247/sergipe247/106266/Protestos-s%C3%A3o-%E2%80%9Cuma-nova-fase-da-democracia-brasileira%E2%80%9D.htm
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Última atualização em Sex, 28 de Junho de 2013 02:35 |
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