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Os protestos, a violência e a esquerda por Aldo Fornazieri
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Cidadania
Qua, 11 de Setembro de 2013 06:22
Aldo_Fornazieri2A última pesquisa Datafolha (10/08/2013) mostra que em junho 65% dos brasileiros acreditavam que os protestos de rua exerciam um papel positivo para o futuro do país. Em agosto, porém, esse número caiu para 49%.
É provável que uma próxima pesquisa mostre um apoio ainda menor às manifestações e, em paralelo, um crescimento das avaliações positiva dos governos, principalmente do governo federal.
Aparentemente, duas razões articulam a queda de apoio: 1) A falta de objetivos e plataformas claros dos protestos, o que aponta para o limite do autonomismo e da falta de estruturas organizadas. Neste ponto, exceção seja feita ao Movimento Passe Livre, que saiu vitorioso das manifestações; 2) A violência que tomou conta dos protestos. A história mostra que quando grupos minoritários, sem inserção social e sem objetivos claros, praticam a violência produzem como efeito a busca da ordem.

A violência praticada nos protestos ainda é pouco discutida no meio político e na própria mídia. A grande imprensa, regra geral, vem atribuindo a violência a grupos de “baderneiros”, identificando-a principalmente aos black blocs. Ao que se sabe, os black blocs não chegam a constituir propriamente uma organização. É mais um modo de ser e uma tática de ação que é adotada por indivíduos em manifestações de rua. Desta forma, numa mesma manifestação vários grupos ou indivíduos isolados podem assumir a tática de ação black bloc. Do ponto de vista dos objetivos, esses indivíduos e/ou grupos, se definem mais por uma plataforma negativa do que por um programa de ação: são antiglobalização, anticapitalistas, antimercado financeiro, contra a mídia comercial e contra as instituições do Estado – especialmente a polícia.

Política e Violência

A associação entre violência e política é recorrente na história, desde que a política se evidenciou como atividade humana específica. A violência é mais antiga: remonta à própria existência humana e faz parte da natureza do homem. O paradoxal é que a política, a rigor, surgiu como atividade que se institucionaliza para fazer cessar os altos graus de violência, mediando os conflitos humanos pela lei e pelos aparatos institucionais do Estado. O paradoxo torna-se ainda maior quando o Estado, para existir, monopoliza o uso legal da violência. Ou seja: o Estado usa a violência para conter a violência. Se não há política sem Estado, já que ele é a essência objetivada da política, pode-se concluir que não há política sem graus determinados de violência.

Assim, os grupos que contestam determinada ordem política e estatal, não poucas vezes justificam seus atos de violência com o argumento de que combatem uma estrutura institucionalizada da violência. Um dos argumentos dos black blocs é precisamente este: a ordem capitalista e global, sintetizada no estado policial, é violenta e precisa ser enfrentada por uma violência que, ao menos momentaneamente, tem uma natureza simbólica e se expressa nas depredações de agências bancárias, lojas comerciais, veículos da imprensa e no ataque à polícia. Outro argumento black bloc é o de que o Estado é particularmente violento contra os jovens pobres das periferias, o que não deixa de ser verdade, como mostram várias estatísticas.

Partindo da constatação de que política e violência se associam em graus variados, é preciso sempre indagar se há algum tipo de justificativa para o uso político da violência e em que circunstância o seu uso pode ser justificado. No contexto da existência de uma ordem democrática é extremamente difícil encontrar argumentos razoáveis para justificar o uso ativo da violência como tática de ação para combater a ordem vigente. O Estado Democrático tem como um de seus pilares a garantia das liberdades e dos direitos individuais, o que inclui a liberdade de expressão, incluindo o direito de protestar. Desta forma, o Estado Democrático comporta praticamente todo tipo de luta política e social, incluindo o direito de propor o próprio fim do sistema capitalista. A violência pode ser justificada quando se trata de luta contra ditaduras ou Estados totalitários – esgotadas todas as possibilidades de luta pacífica.

Pode-se contrargumentar que na democracia brasileira e nas democracias ocidentais se instituiu uma blindagem do sistema e dos políticos às pressões populares e que manifestações de rua têm pouco poder de interferência ou de impacto sobre os processos de tomada de decisões políticas. Existem inúmeros exemplos que reforçam esta tese. A própria não cassação do deputado Natan Donadon é um exemplo desse argumento, entre outros. Mesmo assim, essas democracias garantem o direito à manifestação e nada indica que haja um esgotamento da capacidade do protesto pacífico em produzir mudanças e impactos sobre o sistema e sobre os processos de tomada de decisões. Os limites dessa relação – protestos pacíficos e mudanças – ainda não foram testados.

Por outro lado, é preciso considerar que sempre que ocorrem grandes manifestações há o risco de que graus variados de tensões, confrontações e violências tendem a ocorrer. O que se deve condenar, nesses casos, é a repressão e a violência desmedidas das polícias, como ocorreram nas manifestações de junho (notadamente no dia 13 em São Paulo), e o uso da violência como tática de manifestantes.

Adeus à Revolução

Outro ângulo de abordagem que se poderia considerar é o de se a proclamação do uso da violência revolucionária ainda faz algum sentido, seja na sua antiga versão marxista-leninista, incluindo castrismo e guevarismo, seja nas versões mais recentes como a dos anarquistas, autonomistas e adeptos da chamada “ação direta”. A revolução violenta, como estratégia de mudança política e social, principalmente nos contextos democráticos, em qualquer uma de suas versões, já deu adeus, e não é de hoje. O marxista Antônio Gramsci havia atestado esse adeus antes mesmo da Segunda Guerra Mundial, quanto preconizou uma estratégia de luta nas sociedades democráticas ocidentais assentada na luta pela hegemonia ou pela direção política, cultural e moral da sociedade.

O problema todo é que hoje muitos jovens politizados das periferias e das universidades, e até mesmo intelectuais, chegam a certo desespero ao contatarem que não há alternativas (e saídas) políticas viáveis para lutar por mudanças. O desespero não é injustificado: com o adeus à revolução e com o fim da luta sistêmica entre capitalismo e comunismo, o mundo hoje tem como parâmetro universal o sistema único capitalista, democrático e liberal.

A esquerda ocidental sucumbiu a este sistema e não é capaz de apresentar qualquer alternativa significativa ao mesmo – sequer em termos de um programa de reformas. Ante essas perplexidades todas, talvez seja melhor seguir o conselho que T. J. Clark nos dá em seu pequeno livreto “Por uma esquerda sem futuro”: abandonar a perspectiva utópica, admitir que a natureza humana tem um sentido trágico, pressupor que a nunca haverá paz e assumir o compromisso permanente de luta contra a pobreza, a injustiça e a desigualdade colocando o foco das ações no presente.

Aldo Fornazieri é cientista político e professor da FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo)

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