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Como a mídia estadunidense suprimiu o papel de seu governo no golpe contra o Brasil. Por Brian Mier
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Dando o que Falar
Ter, 26 de Dezembro de 2023 03:07

brian-mierjpgEm um novo artigo acadêmico revisado por pares na revista Latin American Perspectives intitulado "Anticorrupção e

Pontos Cegos Imperialistas: O Papel dos Estados Unidos no Longo Golpe do Brasil", Sean T. Mitchell, Rafael Ioris, Kathy Swart, Bryan Pitts e eu provamos, além de qualquer dúvida, que o Departamento de Justiça dos EUA foi um ator-chave no que chamamos de "longo golpe" no Brasil. Esse foi o período de 2013, começando com os eventos que levaram ao impeachment ilegítimo de Dilma Rousseff em 2016, até a libertação, em novembro de 2019, do então ex-presidente e atual presidente Lula da Silva, de sua prisão política.

 

"Por mais de meio século, intervir contra governos democraticamente eleitos foi apenas metade da história", escrevemos; "a segunda metade envolve justificar, minimizar ou negar o envolvimento dos EUA". O artigo criticou acadêmicos estadunidenses por ignorar as provas amplas desse envolvimento. Ele instou os latinamericanistas a retornarem à tradição anti-imperialista que estabeleceu seu campo academico como uma fonte líder de críticas informadas à política externa dos EUA. Neste artigo, faço o mesmo apelo aos jornalistas dos EUA que viveram no Brasil durante esse período e permaneceram em silêncio sobre o papel de seu governo na remoção do candidato presidencial líder nas eleições de 2018, abrindo caminho para o neo-fascista Jair Bolsonaro.

Colusão revelada - Por quase cinco anos, a enorme investigação anticorrupção do Brasil, chamada Operação Lava Jato, recebeu cobertura elogiosa na mídia dos Estados Unidos. Os artigos tratavam o juiz Sergio Moro, como um herói e combatente anticorrupção, raramente questionando a narrativa oficial dos promotores públicos. A mídia deixou de questionar a extrapolação judicial, mesmo quando os promotores realizaram ações como grampear ilegalmente o escritório de advocacia da equipe de defesa do ex-presidente Lula da Silva.

Essa narrativa começou a se desfazer em 2019, graças a uma longa e gradual série de artigos no Intercept, baseada em um extenso arquivo de conversas hackeadas no Telegram reveladas pelo Walter Delgatti. Os textos mostraram a colusão entre a força-tarefa da Operação Lava Jato e o juiz Sergio Moro, revelando, entre outras coisas, que eles sabiam que não tinham provas suficientes para processar Lula em um julgamento justo.

Quatro meses após a libertação de Lula da prisão, enquanto a pandemia de Covid-19 dominava as manchetes mundiais, o 97º matéria da série do Intercept Brasil (12/3/20) revelou que uma equipe de 18 agentes do FBI, liderada pela agente especial Leslie Backschies, encontrou-se regularmente com membros da força-tarefa da Lava Jato por anos.

Durante essas reuniões, os agentes do FBI orientaram os procuradores brasileiros sobre o uso de vazamentos na mídia para prejudicar a reputação de figuras do alto escalão do Partido dos Trabalhadores, incluindo Lula. Eles também deram lições sobre o uso eficaz do acordo de delação premiada, uma tática eticamente questionável, amplamente utilizada nos EUA e recentemente legalizada no Brasil.

O artigo do Intercept foi a evidência final que os jornalistas brasileiros que desafiavam a narrativa oficial da Operação Lava Jato aguardavam há anos. No entanto, já havia registros públicos suficientes do papel do Departamento de Justiça (DoJ) na Lava Jato antes do artigo do Intercept para que, em junho de 2019, o deputado brasileiro Paulo Pimenta apresentar um dossiê ao Parlamento Europeu e a um grupo de congressistas democratas dos EUA, no qual ele argumentava convincentemente que o DoJ não era apenas um parceiro, mas estava liderando a investigação.

Longe de ser um segredo - O papel dos Estados Unidos na Operação Lava Jato dificilmente era um segredo que precisava ser descoberto por uma reportagem investigativa rigorosa. Entre dezembro de 2016 e junho de 2019, o Departamento de Justiça (DoJ) reconheceu publicamente sua relação com a força-tarefa da Lava Jato em vários comunicados à imprensa e em um discurso (19/7/17) feito pelo Procurador-Geral Adjunto Kenneth Blanco no Atlantic Council.

Por exemplo, o DoJ divulgou um comunicado à imprensa (21/12/16) sobre o maior caso de suborno estrangeiro já resolvido em um tribunal dos EUA, que impôs multas de US$ 3,5 bilhões à Odebrecht Construction Company do Brasil e à Braskem Petrochemicals. O comunicado vangloriava-se da colaboração do escritório do FBI em Nova York, do Escritório de Assuntos Internacionais do Departamento de Justiça e da SEC dos EUA com o Ministério Público Federal e a Polícia Federal do Brasil.

Um artigo da Reuters (21/12/16) sobre o mesmo assunto descreveu a Operação Lava Jato como uma investigação brasileira que envolveu colaboração com autoridades dos EUA, que esperavam "perseguir mais casos criminais sob sua jurisdição".

O artigo do New York Times (21/12/16) sobre a decisão descreveu a Operação Lava Jato e citou Sung-Hee Suh, subprocuradora-geral adjunta da Divisão Criminal do Departamento de Justiça: "Uma conduta tão descarada exige uma resposta firme por parte das autoridades policiais, e  através de um esforço conjunto com nossos colegas no Brasil e na Suíça, vimos exatamente isso."

Em 2016, a colaboração dos EUA na Operação Lava Jato também foi amplamente coberta pela mídia corporativa do Brasil. Por exemplo, um dos maiores jornais diários do Brasil, o Estado de S. Paulo, publicou uma matéria chamada, Justiça dos EUA amplia investigações de corrupção para empresas da Lava Jato. A reportagem informava:

Funcionários do DoJ têm tido contato permanente com autoridades judiciais brasileiras em  busca de informações sobre corrupção e também para colaborar com as investigações  brasileiras, afirmam as fontes. Recentemente, o chefe da unidade de FCPA do Departamento  de Justiça, Patrick Stokes, foi a Curitiba, onde ficou quatro dias e conversou com o juiz  Sergio Moro e membros da força-tarefa da Lava Jato. Outros técnicos foram ao Rio em  busca de informações sobre a Petrobrás e construtoras envolvidas em denúncias de  corrupção.

Em 21 de dezembro de 2016, foi a última vez que o envolvimento dos EUA na Operação Lava Jato foi mencionado no New York Times até 26 de fevereiro de 2021, em um artigo de opinião de Gaspard Estrada.

Desaparecimento da Conexão - Qualquer pessoa que estivesse acompanhando as notícias sobre o Brasil de perto deveria ter sabido até o final de 2016 que o Departamento de Justiça dos EUA era um parceiro na Operação Lava Jato. Além disso, mesmo que um jornalista tenha perdido todos os artigos na mídia dos EUA e do Brasil sobre o papel do DoJ na investigação em 2016, a longa história de interferência dos EUA em governos progressistas na América Latina não provocaria qualquer repórter interessado em descobrir a verdade a investigar a questão?

Pelo contrário, durante aquele terrível ano de 2017, quando o governo do golpe retrocedeu os direitos trabalhistas em 80 anos, privatizou setores-chave da economia brasileira, empurrou milhões abaixo da linha da fome e preparou o líder político mais popular da história do Brasil para a prisão sem apresentar qualquer evidência matérial, a questão do envolvimento dos EUA no processo praticamente desapareceu na mídia dos EUA.

Em julho de 2017, o Procurador-Geral Adjunto Interino Kenneth Blanco fez um discurso no Atlantic Council que foi transcrito e publicado no site do DoJ e disponibilizado para visualização no YouTube. Nele, ele se vangloriou da condenação de Lula e elogiou as comunicações constantes e informais entre os oficiais do DoJ e a força-tarefa da Lava Jato.

Naquele setembro, o jornalista vencedor do Prêmio Pulitzer e ex-colaborador frequente da Fox News, Glenn Greenwald, fez um discurso em um evento hospedado pelo bilionário canadense Peter Allard, no qual ele enalteceu a força-tarefa da Lava Jato. No entanto, no início de 2019, ele aceitaria uma parte das conversas vazadas no Telegram entre os membros da força-tarefa, levando à série de artigos do Intercept que demonstrou a colaboração deles com o juiz Sergio Moro.

Foi um ato corajoso de jornalismo que rendeu a Greenwald inúmeras ameaças de morte. Mas, em abril de 2022, conforme documentado em um artigo da FAIR, ele ainda não havia mencionado o envolvimento dos EUA na investigação.

Nas páginas da New Yorker em julho de 2017, Alex Cuadros, que havia construído uma imagem progressista, rotulou o procedimento de tribunal de exceção que retirou Lula das eleições de 2018, abrindo caminho para a presidência do neo-fascista Bolsonaro, como "a Condenação Criminal Mais Importante da História do Brasil". Ele não mencionou o papel do DoJ nesta condenação "mais importante".

Olhando para a frente, uma série de artigos de 2019 sobre "o que deu errado", lançados após a prisão de Lula, a ascensão de Bolsonaro à presidência e sua nomeação do juiz Sergio Moro, da Lava Jato, como Ministro da Justiça, incluindo o artigo de Vincent Bevins na Atlantic "Os Problemas Sujos da Operação Lava Jato", deixaram de mencionar a mão suja dos EUA.

Mesmo a revista progressista estadunidense Jacobin, que publicou 38 artigos com uma visão negativa sobre o Partido dos Trabalhadores entre 2014 e o final de 2017, parece ter publicado seu primeiro artigo mencionando o envolvimento dos EUA na Operação Lava Jato apenas em agosto de 2020, cinco meses depois que o Intercept finalmente publicou os chats vazados no Telegram documentando a colusão com o DoJ e FBI e nove meses após a libertação de Lula da prisão.

Um custo de carreira muito alto? - Por que tantos especialistas em Brasil, mesmo aqueles como Greenwald e Bevins, que têm reputações como críticos ferrenhos do envolvimento dos EUA em golpes em outros países, permaneceriam em silêncio sobre o papel do Departamento de Justiça dos EUA no longo golpe no Brasil?

Será que eles simplesmente não viram os artigos do New York Times e da Reuters de 2016, os comunicados de imprensa do DoJ e a cobertura da imprensa brasileira sobre o assunto? Se for o caso, mostra que eles não são tão conhecedores da política brasileira como se apresentam ao público leitor.

Mas, mais provavelmente, a omissão do papel do DoJ sugere que há um custo percebido muito maior, em termos de carreira, em dizer "os EUA corromperam este governo" do que "este governo é corrupto".

Se, por qualquer motivo, jornalistas sabiam sobre o envolvimento de Washington e escolheram não escrever sobre isso - como um jornalista do The Guardian deixou claro em uma conversa pessoal comigo em abril de 2018, na véspera da prisão de Lula - eles são cúmplices no que Gaspard Estrada chama de "o maior escândalo judicial na história do Brasil".

Este artigo foi originalmente publicado no FAIR, traduzido para o português e editado para uma audiência brasileira pelo autor. Ele pode ser lido em sua versão original em inglês aqui.

Brian Mier é jornalista, geógrafo e co-editor do site Brazil Wire

Publicado no Brasil 247

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Última atualização em Ter, 30 de Janeiro de 2024 02:51
 

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