Ppr que deu tilt na Brazilian Spring? por Wilson Gomes
Havia uma combinação muito delicada de elementos. Cada um com suas premissas, seus sonhos, seus propósitos que parecem convergentes apenas num nível muito abstrato. E o nível mais abstrato que podia ser alcançado era a ideia de “mal-estar com o status quo político”.
O problema é que nessa canoa pode entrar muita coisa, mas continua sendo uma canoa, portanto, há limites na composição.
Enquanto os ativistas de movimento (MPL) e outros conseguiram dar algum eixo e coordenação, a coisa mais ou menos segurou. Lembro dos líderes do MPL dizendo que a razão das manifestações era a sua agenda particular: revogação dos aumentos. Mas é óbvio que isso não comportava os sonhos, medos e esperanças dos debutantes de guache e cartolina.
É um grupo que foi sempre fustigado pelo mantra de ser uma geração de alienados, acomodados e politicamente pacíficos, além de pressionados pelos modelos de gerações que com eles convivem e que, cheios de autocomplacência, desfilam o seu heroísmo na luta contra a ditadura (os tiozinhos de passeata, alternativos e hippies velhos) e no “Fora Collor” (os caras-pintadas).
Além disso, semana sim semana também, os telejornais trazem exemplos e narrativas de grandes manifestações “para mudar as coisas” protagonizadas por jovens mundo afora: países do Norte da África, países da crise Europeia (Grécia, Espanha, Portugal), o Occupy americano, estudantes do Chile, convulsões de rua em Londres e Paris e, por último, os protestos de rua de Istambul.
Para os nossos garotos, portanto, não pode ser por 20 centavos, tem que ser para transformar o mundo, para comprovar que o povo pode tomar o poder de volta, para mudar o Brasil, para dar um cavalo de pau na realidade política. Em política, as ideias não precisam ter realismo, basta que cheguem com força aos corações e mente.
E não esqueçam na equação a nova direita e os antipetistas (um dia falarei sobre eles). Eles haviam tentado ao menos duas vezes manifestar a sua insatisfação com a hegemonia do PT, as suas políticas de assistência e inclusão e/ou os seus maus costumes republicanos. Tentaram com o Cansei e com o Movimento Contra a Corrupção. Sentindo que agora se espraiava o sentimento de insatisfação com o status quo, não tiverem problema em interpretar tudo como um movimento contra os governos e políticas de esquerda, contra a corrupção, contra o PT. Pintaram umas cartolinas e foram à festa.
Os neocaras-pintadas trouxeram o colorido, o espírito e toda a estima social (com doses gigantescas de condescendência e/ou de romantismo político) que tornam mobilizações de massa na coisa peculiar que são.
Mas, aí: 1) os ativistas de S.Paulo conseguiram a sua reivindicação e ficam sem o foco concreto – perde-se em cimento político; 2) os manifestantes fanfarrões, valentões, quebra-tudo continuam o seu modelo: ser “protesters” é para fracos, querem ser “rioters”, e tacaram o terror – perde-se em estima social; 3) os militantes de partidos de esquerda acharam que a festa também era deles e resolveram desfraldar as bandeiras, para descobrir amargamente que a revolução não era contra certas políticas, mas contra a política (contra o institucional) – perde-se parte da esquerda; 4) a new right põe as asinhas de fora e deixa claro que, naturalmente, não queria petralhas e esquerdopatas na “sua” grande festa cívica – perde-se outra parte da esquerda; 5) os petistas dão-se conta de que as manifestações estão produzindo uma rápida erosão da popularidade dos seus governos e que só tinha a perder com isso – saem os petistas que entraram de gaiatos.
Resultado? Os ativistas de movimento tiraram o time, mais ou menos claramente. Os tiozinhos de passeata não iam querer mesmo se confundir com os “golpistas de direita” e hesitaram. A militância de esquerda – tanto os da cena quanto os da arquibancada – começaram a ter uma enorme de crise de fé na mobilização popular.
Até em golpe de direita se começou a falar aqui no Facebook. Os debutantes foram ficando sozinhos nas festas entre, de um lado, os ostrogodos e visigodos que se dividiam entre fazer batalhas campais com a polícia, depredar prédios públicos e saquear lojas e, do outro lado, a nova direita que, enfim, encontrou uma mobilização para chamar de sua. Diminuindo a estima social e a pegada política de esquerda, preferiram voltar para a sua zona de conforto. Foi assim que a festa começou a acabar. Simples assim.