Salvador, 18 de May de 2024
Acesse aqui:                
facebookorkuttwitteremail
A judicialização da política e a criminalização do PT. Por Carlos Frederico Guazzelli
Ajustar fonte Aumentar Smaller Font
Cidadania
Ter, 29 de Março de 2016 00:16

Carlos_FredericoNa primeira parte deste artigo tentou-se, primeiro, esboçar uma correta contextualização do fenômeno da “judicialização”, frequentemente referido, sem maior precisão conceitual, no intenso debate político vivido no Brasil nos últimos anos.

E, também, a seguir, proceder à abordagem crítica dos procedimentos inusitados adotados pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Penal 470, batizada pela grande mídia como o caso do “mensalão petista” – procedimentos estes que acabaram ensejando o atual processo de descontrolado ativismo judicial, protagonizado pela assim denominada “força tarefa da operação Lava Jato”.

Trata-se esta, como é sabido, da equipe de policiais e procuradores federais que, sob a coordenação de juiz federal de primeira instância, com jurisdição criminal em Curitiba, a pretexto de investigar atos de corrupção praticados por donos e executivos das grandes empreiteiras nacionais, em conluio com diretores e funcionários da PETROBRÁS, vêm incriminando e apresentando, de forma seletiva, à dita opinião pública, os membros da classe política envolvidos com o escândalo. Não por acaso, embora haja evidências, levantadas pela própria investigação, de que o esquema criminoso funcionava desde os tempos dos governos do PSDB (senão até mesmo antes), apenas políticos ligados ao PT, e aos seus aliados do governo federal, têm sido apresentados à audiência sequiosa dos noticiários das grandes redes televisivas, e leitores dos jornalões e revistonas do centro do país.

Diante do sistemático atropelo por ela praticado às regras que regem o processo penal brasileiro e, de resto, de qualquer país que se pretenda civilizado – incluídas a disciplina legal das investigações policiais e do comportamento de policiais, juízes e membros do ministério público – pretendia-se, na continuação daquele artigo, apontar tais desmandos, bem como advertir dos riscos neles embutidos, não apenas às pessoas dos investigados, como também, e sobretudo, à cidadania brasileira, na hipótese de que não sejam obstados pelos tribunais superiores, e venham a se generalizar, no futuro. No entanto, há pouco mais de duas semanas, o episódio da canhestra “condução coercitiva” do ex-Presidente Lula – na verdade, da sua prisão ilegal, frustrada pela notícia do abuso e a consequente resistência popular no Aeroporto de Congonhas – e os inacreditáveis fatos que se seguiram, vieram reforçar, de forma dramática, o alerta que se pretendia fazer acerca daqueles perigos. Senão, vejamos.

Antes de mais nada, cabe apontar para a ilegalidade original de todo o processo midiático-policial-judicial montado, há cerca de dois anos, na capital paranaense, a pretexto de apurar crimes praticados em detrimento do patrimônio de nossa principal empresa pública – ilegalidade esta consistente na indevida reunião de múltiplos inquéritos, ensejadores de futuras ações penais (todos albergados sob o guarda chuva da “operação Lava Jato”), em um único juízo, dedicado full time às investigações de fatos que nada, ou muito pouco guardam de comum entre si, praticados que teriam sido por pessoas distintas, em locais, épocas e circunstâncias também diferentes entre si.

Isto implica desrespeito flagrante ao chamado “princípio do juiz natural”, caracterizando a instituição de verdadeiro juízo de exceção, lamentavelmente legitimado pelas cortes superiores, temerosas de afrontar a extraordinária popularidade obtida pelo grupo chefiado pelo juiz Moro, com a veiculação diária e espalhafatosa de seus feitos por parte dos grandes meios de informação.

Não bastasse seu vício de origem, a tal “força tarefa” curitibana age de forma flagrantemente ilegal – e é dever premente denunciá-lo ao país, neste momento em que seus abusos parecem ultrapassar qualquer limite. Isto porque, independentemente do mérito das revelações feitas durante algumas de suas investigações – elucidativas a respeito da relação promíscua entre empreiteiras e agentes públicos, derivada da forma de financiamento privado de campanhas eleitorais – não se pode perder de vista o método condenável das ações desencadeadas em suas diferentes “fases”, a partir de buscas e apreensões e prisões espetaculosas, realizadas sempre com acompanhamento, até mesmo simultâneo, dos grandes meios de comunicação; isto, quando tais diligências não são até mesmo precedidas de anúncios prévios de parte de seus arautos.

A propósito – e seguindo a linha de artigo publicado há alguns meses, neste mesmo espaço, sobre o caráter ilegal das ditas “operações”, que vem ocupando o imaginário social brasileiro há alguns anos – deve-se ressaltar também os aspectos midiáticos do espetáculo policialesco diariamente encenado a partir de Curitiba. E, principalmente, denunciar o método ilícito sistematicamente adotado para, a partir da generalização de prisões provisórias, protaídas indefinidamente, obter as denominadas “delações premiadas”, cuidadosamente vazadas, de forma seletiva, aos principais órgãos da grande imprensa – que pressurosamente se encarregam de divulgá-las com estardalhaço, quais certeiras setas dirigidas ao governo que visam derrubar, e ao seu partido.

Esta lastimável forma de obter provas já adredemente preparadas, em nada distinta, do ponto de vista legal e ético, da tortura psíquica – mediante antecipação desnecessária de prisão, ameaça de penas longas e promessa de benefícios em caso de “colaboração”, cínico eufemismo para a pura e simples alcaguetagem dirigida – parece originar-se da equivocada compreensão, de parte do magistrado em questão, a respeito da “operação mãos limpas”, levada a cabo no início da década de 90 do século passado, na Itália, e que resultou na queda da Primeira República, instaurada naquele país após a Segunda Guerra. É que acaba de se descobrir que, em trabalho acadêmico publicado em 2004, intitulado “Considerações sobre a Manu Polite”, o juiz Moro explicitou as razões que, segundo ele, teriam resultado no sucesso das ações da mesma.

Com efeito, vale a pena atentar para trecho do estudo, publicado na “Revista CEJ”, n. 26, editada em Brasília, no qual seu autor, depois de salientar que o uso intensivo de “prisões, confissões e publicidade…” são a “…única explicação possível para a magnitude dos resultados obtidos…” na referida investigação peninsular, conclui que o “…largo uso da imprensa…” feita por seus operadores, teria contribuído para a “…deslegitimação do sistema político…” e para a formação da “…imagem positiva dos juízes…” (sic, páginas 56-62).

Como se vê, a partir destas observações, no mínimo duvidosas, restaram esboçadas as práticas rotineiras, e altamente condenáveis, mediante as quais têm sido procedidas as apurações comandadas por aquele magistrado, e que, de alguns meses a esta parte, vem paralisando a economia brasileira e desencadeando a tormenta política que se abateu sobre nosso país – a partir da conjugação do uso intensivo de prisões preventivas, para obtenção de confissões dos indiciados e sua permanente “publicização”, por meio dos vazamentos seletivos sistematicamente praticados pelos agentes do grupo de trabalho por ele formado e comandado, dez anos depois da publicação do artigo.

Viciada na origem e marcada por seus métodos abusivos, a chamada “força tarefa da operação Lava Jato”, ao mesmo tempo em que granjeou grande apoio popular, graças à atuação cúmplice e intensiva dos grandes grupos de comunicação – abertamente interessados em usá-la em sua campanha descarada para derrubar o atual governo federal, e inviabilizar a candidatura de Lula em 2018 – constitui-se ademais em perigosíssimo precedente, a ameaçar garantias constitucionais, liberdades públicas, e direitos individuais e coletivos duramente conquistados por nossa jovem democracia.

A própria forma de organização daquele grupo de trabalho desborda dos parâmetros fixados, na Constituição e nas leis, para o sistema de justiça brasileiro, estabelecendo a devida diferenciação entre as agências e agentes encarregados de suas diferentes funções. De fato, a dita “força-tarefa” é fruto da instituição informal, à revelia da lei, de um misto de juizado de instrução (modelo europeu continental) e ministério público investigativo (modelo norteamericano) – de modo a favorecer a indevida e antecipada intromissão do juízo na atividade investigatória policial, determinando e selecionando, em conjunto com agentes ministeriais, o objeto da investigação e os sujeitos passivos das ações repressivas (prisões e buscas e apreensões).

Desta forma híbrida e imprevista de junção de órgãos que deveriam atuar separadamente, resulta a ilegal indiferenciação entre as funções de investigar, de acusar e de julgar. Advirta-se, em especial, à grande maioria leiga da população, que o controle democrático sobre os aparatos repressivos de Estado começa, precisamente, na rigorosa separação entre os diferentes papéis reservados aos órgãos que, de um lado, devem apurar os atos ilícitos previstos em lei; e que, de outro, devem levá-los à apreciação judicial; e, por fim, que devem julgá-los.

O péssimo exemplo dado pela atuação concertada de um juiz, procuradores e policiais federais – definindo previamente a quem espionar, escutar, gravar e prender; e também, ao depois, premiar com benefícios penais pela “colaboração” prestada – atesta o risco a que está exposta a população brasileira, com a eventual generalização de tais grupos e sua metodologia de trabalho, à base do desrespeito sistemático às garantias processuais da cidadania.

Por derradeiro, diante do ápice das ilegalidades cometidas pela chamada “República de Curitiba” – a condução coercitiva de Lula, na verdade, sua tentativa de prisão, objeto precípuo e anunciado da “operação”; e os espantosos acontecimentos que se seguiram, como o vazamento à imprensa de interceptação ilegal de conversas da própria Presidenta da República – cabe lembrar aos desavisados que elas se prestam à perfeição para o processo golpista em curso no Brasil. A propósito, não se pode esquecer também que a Mani Pulitecontribuiu, decisivamente, para a desmoralização pública do sistema político pelo aparelho midiático italiano, abrindo caminho para a apropriação do poder estatal por parte de seu principal detentor, Sílvio Berlusconi.

Carlos Frederico Barcellos Guazzelli é Defensor Público aposentado, Coordenador da Comissão Estadual da Verdade/RS (2012-2014).

Artigo publicado originalmente em http://www.sul21.com.br/jornal/a-judicializacao-da-politica-e-a-criminalizacao-do-pt-parte-2/

Compartilhe:

 

Adicionar comentário


Código de segurança
Atualizar

FOTOS DOS ÚLTIMOS EVENTOS

  • mariofoto1_MSF20240207-159Lavagem Funceb. 08.02.24. Alb 2. Foto: Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240207-036Lavagem Funceb. 08.02.24. Alb 1. Foto: Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240203-011Fuzuê Alb 1. 03.02.2024. Fotos: Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240203-196Fuzuê Alb 2. 03.02.2024. Fotos: Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240203-246Fuzuê Alb 3. 03.02.2024. Fotos: Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240203-345Fuzuê Alb 4. 03.02.2024. Fotos: Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240112-0820Beleza Negra do ilê. Alb 1. 13.01.24 By Mario Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240112-1035Beleza Negra do ilê. Alb 2. 13.01.24. By Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240112-1300Beleza Negra do Ilê. Alb 3. 13.01.24 By Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240112-1502Beleza Negra do Ilê. Alb 4. 13.01.24 By Mário Sérgio

Parabéns Aniversariantes do Dia

loader
publicidade

ENSAIOS FOTOGRÁFICOS

GALERIAS DE ARTE

Mais galerias de arte...

HUMOR

Mais charges...

ENQUETE 1

Qual é o melhor dia para sair a noite?