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O projeto de João Henrique para a cidede Baixa por Lysie Reis
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Cidadania
Seg, 14 de Setembro de 2009 09:02
“Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo e com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo”. Pois é, acho que todo mundo se lembra da singela música que ouvíamos na década de 80 na voz de um Toquinho já sem o seu Vinícius.

O desenho que arranca suspiros agora tem três dimensões e não é feito por qualquer um, mas sim por um ser humano que domina a chamada modelagem gráfica em 3D (três dimensoes), possível graças aos aplicativos do “Computer Aided Design”, o CAD. O esquema fica assim: de um lado, quem define o planejamento, seja de uma casa ou de uma cidade, e do outro, quem receberá e conviverá como  o objeto representado.  Se aquilo for construído, é claro. Ah, tem o desenhista-cadista também, profissional da nova era, que no caso em questão, não apita nada.

Não vou dar mais voltas porque o que eu quero falar é sobre o desenho proposto pelo João Henrique para a península Itapagipana da cidade de Salvador. Exatamente, aquele lugar que a gente vai tomar o sorvete na Ribeira, onde passa a procissão do Nosso Senhor do Bonfim em direção à igreja do mesmo nome, onde está o Forte do Mont Serrat. Mas é lá também que ocorrem outras diversas práticas sociais se movimentam, se impõem na paisagem que não fica estática e que obedece a diversas ordens e desordens do cotidiano da cidade real.

Não defendo aqui que não haja um desenho para este espaço que, tal como a cidade quase toda, clama por proposições técnicas, adequações para a circulação de todas as pessoas, áreas verdes, utilização dos imóveis abandonados para fins sociais, especialmente moradia digna para baixa renda. Enfim, é notória a necessidade de (re)arrumar a casa-cidade e de nos educarmos para vivermos em territórios múltiplos e democráticos. Mas de quem é esta casa? Ao ver o filminho que vem nos seduzir no Yotube, me instiga saber: para quem é esta reforma? Quem foi ouvido, quem opinou, quem pôde desenhar, desejar, intentar e sonhar junto com estes planejadores. Você conhece algum morador local que foi chamado para alguma assembléia pública sobre  o assunto?

O planejamento territorial foi intensamente renovado no Brasil nos últimos anos: a Constituição Federal e o Estatuto da Cidade estabeleceram novas regras e instrumentos que devem ser implementados. Em 2003, foi criado o Ministério das Cidades, significando o fortalecimento da idéia de que os assuntos de política urbana e territorial local devem ser tratados de forma prioritária no país. Também em 2003, a Conferência das Cidades instituiu o Conselho Nacional das Cidades, instância de participação que faz parte das principais ações do Ministério. A partir dessa estrutura, incentiva-se a criação de espaços de participação para o planejamento territorial nos níveis estadual e municipal.

Nessa perspectiva, o dispositivo legal regulamenta aquilo que, no âmbito do urbanismo contemporâneo, já é conhecido: a ineficácia das ações que excluem das discussões aquele que distintivamente vive o lugar nas suas dimensões cotidianas. Vale destacar que o ápice da concordância sobre a gestão participativa ocorreu em 1996 no Habitat II. Nesse fórum, foram destacadas as vantagens gerenciais e sociais da participação popular, sendo esta, ao final, uma prática amplamente recomendada. Houve um alerta sobre a manipulação política das metodologias implementadas que levam as populações excluídas a interiorizarem o estigma da incapacidade e dependência, o que as faz apresentar, diante dos métodos tradicionais de elaboração técnica de planejamento, dificuldade de cognição e inexperiência nas ações democráticas.

O desenho proposto pelo atual Prefeito vem do futuro, mas é um ATRASO. Traz linhas arrojadas, edificações no estilo “Dubai” e muitas, muitas árvores, barcos ancorados nas diversas marinhas mas, ninguém anda pelas ruas.....não há gente, mesmo nas panorâmicas que se aproximam ou nas vistas verticais. São criados signos agressivos, inertes, que não me disseram absolutamente nada sobre o local, que eu conheço e amo desde que cheguei nesta cidade. Repito: há desenhos a serem feitos para esta fatia de urbano, e que podem sim utilizar todos os programas que a Microsoft já inventa para este fim. A tecnologia não é algo que o planejamento deva descartar, ao contrário. O que é assustador é impor este desenho a um morador remanescente de uma palafita, ou de um dos barracos desta área, que pode se sentir seduzido e aplaudir de pé esta estratégia de convencimento, onde a política urbana age mascarando seu principal objetivo: vender o espaço desta cidade para grupos que nos empurram para fora da cidade “deles”. Quem pode hoje pagar para apreciar a vista que tem os freqüentadores do Trapiche Adelaide? Quem pode entrar nas 25 pousadas que se amontoam no lado que oferece vista ao mar no bairro do Santo Antônio Além do Carmo?

Não há utopia, é possível que a prefeitura contribua para a organização das diversas vozes, a participação deve ocorrer de forma ampla, seja no acompanhamento das obras em andamento, bem como na discussão sobre um desenho integrado de urbanização, com a locação de equipamentos urbanos (abastecimento de água, serviços de esgotos, energia elétrica, coletas de águas pluviais, rede telefônica) e comunitários (educação, saúde, lazer e similares e as áreas verdes). Tudo isto está previsto na Lei do Parcelamento do Solo, Lei 6.766/79. Mas é só uma lei... você pensou agora. A falta desses equipamentos causa um impacto sem precedentes para as pessoas que habitam um determinado espaço da cidade, visto serem fundamentais à fixação das pessoas dentro da malha urbana.

Se os arquitetos e urbanistas são os profissionais qualificados a propor, com suas réguas, compassos e programas de computação, a modificação do espaço, então que eles passem a encarar a sociedade local como seus clientes. É a hora e a vez de dar sentido, não só às leis, mas aos montes de teoria que lemos sobre a participação da comunidade na sonhada “cidade para todos”.

Lysie Reis

Arquiteta e Urbanista

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