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O poder das minorias e a rebelião das multidões; por Aldo Fornazieri
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Cidadania
Ter, 01 de Outubro de 2013 06:10

Aldo_Fornazieri2Os movimentos dos últimos anos, tais como o Occupy Wall Street, as rebeliões da Primavera Árabe, os protestos europeus contra a crise, os Indignados da Espanha e os protestos de Junho no Brasil reabriam as discussões sobre o papel e o poder das minorias.

As discussões sobre o papel das vanguardas minoritárias não é novo. Vladimir Lênin já havia discutido o problema no seu famoso livreto Que Fazer?. Num plano diferente, sabe-se que o Nazismo na Alemanha chegou ao poder a partir de um pequeno grupo organizado.

As discussões tradicionais em torno dos partidos políticos que emergiram de Marx, principalmente do Marx do Manifesto Comunista, sugeriam que na luta de classes, a classe operária se organizaria enquanto maioria num partido para a tomada do poder. Lênin percebeu o limite desta tese e atacou o economicismo e o espontaneísmo (autonomismo hoje) que pressupunham que a luta política era uma consequência reflexa da situação econômica e social das classes. Ao defender a organização de um partido de quadros assumiu de forma implícita a visão de Maquiavel de que a política constitui uma atividade específica, com graus de autonomia variados em relação a outras atividades humanas, como a economia, a relição ou a moral. Sem afirmá-lo explicitamente, Lênin sepultou, na prática, a ideia de que uma classe social possa produzir automaticamente um partido político ou, até mesmo, que possa agir politicamente.

O Poder das Minorias

A par desse debate histórico, os movimentos recentes citados no começo deste artigo voltaram a chamar a atenção dos cientistas políticos por terem se originado a partir de grupos pequenos. O poder das minorias despertou a atenção de pesquisadores do Instituto Politécnico Rensselaer, de Nova York. A partir de métodos analíticos e computacionais, os pesquisadores procuraram quantificar o poder das minorias. Teriam descoberto uma espécie de ponto de viragem acerca de quando a opinião de uma minoria se transforma em maioria. De acordo com os resultados da pesquisa quando uma minoria, que defende de forma inquebrantável uma opinião, atinge aproximadamente 10% da população, ela se transforma em maioria. Esta ocorrência independeria da forma como a opinião surgiu e se espalhou, fator que relativiza o papel das redes sociais.

As maiorias silenciosas que vivem numa situação de desconforto não se manifestam porque temem defender posições minoritárias. Mas quando uma minoria convicta defende suas posições de forma convincente essas se propagam como ondas psicológicas que mudam a opinião e o comportamento de outras pessoas. De acordo com um dos líderes da pesquisa, Boleslaw Szymanski, quando o número de defensores de uma opinião compartilhada se situa abaixo dos 10% dificilmente ela se torna majoritária se não perdurar no tempo. Em política, contudo, é conveniente usar os dados quantitativos com reserva, pois esta atividade se desenvolve sobre o terreno da imprevisibilidade, com forte incidência de acasos e de eventos contingentes.

O poder das minorias não se expressa apenas nas circunstâncias em que uma opinião minoritária se transforma em majoritária. Existe um poder dos grupos minoritários enquanto grupos minoritários. Trata-se, tanto de um poder de barganha, quanto de um poder de conturbação. Quem observa a cena brasileira dos últimos meses percebe que pequenos grupos têm capacidade de conturba grandes cidades ou paralisar a atividade de câmaras de vereadores: 100 pessoas tem o poder de paralisar a Avenida Paulista, as Marginais, a Avenida 23 de Maio ou uma das grandes Rodovias que chegam a São Paulo. A sua ação produz reflexos em todo sistema de transporte da cidade, incluindo os aeroportos, nos mais variados setores econômicos e no sistema educacional. No passado recente, somente grandes manifestações tinham esse poder de conturbação. Registre-se que esse novo fenômeno está para ser estudado, mas que o poder dos pequenos grupos é real.

As Multidões

Nos casos mais notórios da Primavera Árabe (Tunísia e Egito), as opiniões das minorias se transformaram rapidamente em maioria e as opiniões das maiorias se transformaram em rebelião de multidões, que resultaram na queda de ditaduras que perduravam de três a quatro décadas. Pode-se aceitar que “uma multidão é uma multiplicidade irredutível; as diferenças sociais singulares que constituem a multidão devem sempre ser expressas, não podendo ser aplainadas na uniformidade, na unidade, na identidade ou na indiferença”(Antonio Negri e Michael Hardt). Mas do ponto de vista político, a multidão só tem uma existência efêmera. Ela se apresenta como uma multiplicidade multitudinal em ato ou em protesto. Somente em ação, a multidão adquire um significado político.

As contestações às políticas recessivas na Grécia, Espanha, Portugal e Itália, também conformaram multidões. De modo geral, os governos de plantão foram derrotados nas urnas, mas os novos governos, ao chegar ao poder, não implementaram as políticas reivindicadas nas ruas. Fizeram exatamente o contrário: aplicaram o receituário recessivo preconizado pelo FMI, pelo BCE (Banco Central Europeu) e pela Alemanha. Os protestos continuaram com milhares de pessoas nas ruas, mas não foram capazes de alterar os resultados.

Nos casos dos Estados Unidos, dos Indignados da Espanha e do Brasil, os protestos contaram, num momento inicial, com a simpatia da maioria, mas produziram resultados políticos oblíquos – talvez com exceção do MPL, que conseguiu reduzir o preço das tarifas. Os protestos de Junho, com suas pautas difusas, porém, não se reduziram ao MPL. Os resultados oblíquos se revelaram nas mudanças de pauta do Congresso, do governo Dilma e de vários governos municipais. Esses atores buscaram, de alguma forma, dar respostas às manifestações. Mas executando os resultados oblíquos, os protestos de Junho, os Occupy Wall Stritt e os Indignados da Espanha não alcançaram vitórias significativas.

As Conjunturas e as Formas de Luta

O que explica esses diferentes resultados? São as conjunturas específicas. Todos os bons analistas de conjuntura e todos os bons estrategistas insistiram que sempre é imprescindível levar em conta as circunstâncias nos contextos da ação política. Um mesmo tipo de ação desenvolvido por dois atores em circunstâncias diferentes, geralmente produz resultados diferentes, asseverava Maquiavel.

Em protestos e rebeliões, os resultados mais significativos tendem a ocorrer onde há uma situação de opressão prolongada, como era o caso das ditaduras árabes. No caso de regimes democráticos, as mudanças abruptas são bem mais difíceis, para não dizer impossíveis. Isto remete para os conceitos de “guerra de movimento” e “guerra de posição” de Antônio Gramsci. Somente em regimes onde a dominação ocorre pela força (ditaduras árabes) a luta pode ser decidida em uma batalha campal ou numa guerra de manobras. Nas democracias, onde a dominação ocorre pela hegemonia, com uma forte interdependência entre Estado e sociedade civil, a luta só pode ser travada pela “guerra de posição”, o que implica uma luta prolongada por posições políticas, morais e culturais nas instituições. Parodiando o próprio Gramsci, pode-se dizer que a Primavera Árabe expressa um eco tardio, e talvez perdido no tempo, das revoluções do século XIX.

No contexto da crise europeia ocorreram mudanças de governos porque houve uma coincidência temporal entre a conjunta da crise e a conjuntura eleitoral. No caso dos Estados Unidos, a crise de 2008 não podia ser imputada a Obama e sua reeleição ocorreu depois do ápice da crise. No caso brasileiro, ao que tudo indica, também haverá uma desconexão entre os protestos e a conjuntura eleitoral. Se isto ocorrer, Dilma poderá ser favorecida. Mas se houver uma capacidade convocatória de grande magnitude em 2014, o cenário eleitoral poderá ficar mais indefinido.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo

Artigo publicado originalmente em http://jornalggn.com.br/noticia/o-poder-das-minorias-e-a-rebeliao-das-multidoes-por-aldo-fornazieri

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